Miguel Pereira

Sempre gostei muito de viajar. Só que nem sempre foi fácil sair de casa para conhecer outras cidades. Quando pequeno, precisava da companhia dos pais. Quando mais crescido, porém ainda criança, precisava da companhia de alguém da confiança dos meus pais. Quando adolescente, precisava da confiança no grupo. Quando me vi no fim da adolescência, já com meu próprio dinheiro, não conseguia mais conceber a idéia de viajar sozinho. Coisa horrível. Estava acostumado a andar acompanhado. Pelo menos não dependia mais dos pais e nem da opinião deles para dizer se a companhia era boa ou não. No máximo acatava um conselho. Mas pensava sobre o momento das paradas para abastecimento (do veículo e dos passageiros) quem vigiaria minha bagagem? Se precisasse ir ao banheiro, quem guardaria minha mala? Se passasse mal, quem me socorreria? Se dormisse durante o percurso, quem me avisaria da chegada ao destino? Durante muitos anos continuei viajando acompanhado. O prazer da companhia é muito bom. Verdade. Ter com quem comentar impressões vivenciadas de um lugar comum é ótimo. O grupo nos torna mais seguros perante os estranhos e nos respalda os comentários perante conhecidos. Somos seres sociais por natureza, porém precisamos de momentos de solidão como este em que escrevo na madrugada de 29 de dezembro de 2009. Na vida precisamos desses dois exercícios: o da sociabilidade e o da solidão. No primeiro, aprendemos dos outros. Das vozes alheias, dos olhares alheios, dos toques alheios. No segundo, aprendemos a ouvir a voz interior depois de olharmos e antes de tocarmos. Na interação com o mundo apreendemos e no solilóquio transformamos as informações em formação a ser devolvida no momento oportuno se for preciso, necessário e querido. Ouvir, pois, as vozes dos mais velhos e dos mais experientes foi meu primeiro exercício. Aprendi direitinho da cidade de Miguel Pereira onde tive uma grande surpresa.
Desde a mais tenra idade sempre pintaram Miguel Pereira como uma cidade excelente. Paradisíaca. O segundo melhor clima do mundo (Onde seria o melhor? E o pior? Somente mais tarde fui descobrir que não dá para eleger quem ou o que é o melhor ou o pior. Existem sim, de excelente a medíocre, classificações segundo apreciação de um grupo de pessoas. Não existe julgamento universal.). Descobri isso cedo (ou melhor, a tempo). Mas, no tempo de onde escrevo, ainda não havia tomado consciência dessa verdade. Imaginava a cidade da Região Sul Fluminense como um verdadeiro oásis do meu estado e do meu país. Tão logo recebi o convite de um amigo que organizara um passeio à cidade-título deste texto, aceitei. O valor da passagem era parcelado. Paguei a vista, tal a minha ansiedade. No dia da viagem, não cabia mais em mim de tanta vontade de embarcar logo. O responsável pela excursão era muito agradável, honesto e responsável. Os passageiros eram simpáticos e amistosos, além de muito comportados. Tudo era favorável a minha ida. Entrei no ônibus tão logo meu nome foi conferido na listagem de passageiros. Sentei-me como uma criança na poltrona. Era a primeira vez que viajava com recursos próprios. Paguei o passeio com o meu pequeno salário de auxiliar administrativo de uma empresa de engenharia. Era domingo.
O sol estava inclemente. A cidade não apresentava nada de pitoresco. O casario era como o de qualquer outra cidade do Grande Rio ou como o subúrbio de qualquer cidade brasileira contemporânea. Sem nenhum valor arquitetônico significante. Foi minha primeira decepção. Mas ainda não havia chegado ao desespero. Andamos por uma alameda bonita. Comecei a ficar alegre. Vi alguns cavalos belíssimos aguardando para serem montados. Não sou cavaleiro. Mas quem sabe aprenderia. O preço me desanimou. Encontrei outro valor mais baixo. A fila era enorme. Desisti. Avistei o Lago Barão de Javari com os pedalinhos e restaurante flutuante. Aquele lugar provavelmente foi o responsável pela fama da cidade. Era lindo. Cercado de mansões com jardins bem cuidados. Demos algumas pedaladas e voltamos para a margem. Todos estavam ansiosos para tomar banho de cachoeira. Embora estivesse gostando do lago também desejei conhecer a cachoeira. Saímos dali rumo ao curso d’água. Era uma estrada poeirenta e sem fim. O rio barrento e viscoso mal atingia meu joelho. A cachoeira era inacessível e pequena. Na realidade, uma cascata. Aproveitamos para fazermos piadas. Todos tínhamos grande capacidade de rirmos de nós mesmos e da nossa condição de viajantes numa cidade sem grandes encantos. Pelo menos essa capacidade de rir de nós mesmos e a amizade reinante salvaram a todos da decepção dos rios não cristalinos, do clima escaldante sob o sol inclemente na tão bem afamada como segundo melhor clima do mundo, ideal para cura da tuberculose. A simpatia dos excursionistas curou a cada um de nós da doença da decepção.