Oswaldo Eurico Rodrigues
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Amo a Literatura e as artes.
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« em: Novembro 25, 2009, 01:57:21 » |
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Numa tarde morna de começo de primavera, um lÃquido viscoso tinge de escarlate o gramado do quintal. Em pouco tempo criaturinhas aladas começam a infernizar o espaço e rapidamente baixam como uma renda negra por sobre o jardim. Os urubus sobrevoam a propriedade como verdadeiras patrulhas aéreas atraÃdos pelo cheiro revelador de tão nobre iguaria. Não se pode negar: existe algo que alguém insiste em esconder. Mas como fazê-lo com perfeição se ele não se faz perfeito? Pronto. Os vizinhos já descobriram. E não só eles, mas também toda a cidade e, logicamente, a polÃcia. A casa estava fechada e a famÃlia viajando (será?). Tiveram de invadir a propriedade e procurar pelos corpos. Que corpos? Eu falei em corpos? É verdade. Onde há fumaça, há fogo! Onde há bruxa, há fada, logo: onde há moscas e urubus... Começaram as buscas. Percorreram todo o jardim – canteiro por canteiro. Nem mesmo o lago ficou de fora. Foi por detrás das azaléias que encontraram o chão manchado de sangue. Humano? Não sei. Começaram a escavar e logo encontraram os corpos espedaçados e mutilados por inúmeras facadas. Entre o amontoado de carnes, chamam a atenção duas mãos cobertas de anéis e queimadas. Um enorme bÃceps e um pé de tamanho acima do comum também são encontrados. Tudo envolto por grandes quantidades de cabelos louros e de cabelos brancos. Curiosamente não foram encontradas as cabeças e nem as roupas das vÃtimas ou o que sobrou delas. Na casa estava tudo revirado. Os lençóis do quarto do casal estavam amarfanhados, a cadeira de balanço e as agulhas de tricô, o corrimão e o guarda-corpo, a mesa e várias cadeiras da sala de jantar estavam quebrados. No chão da cozinha havia lentilhas espalhadas e uma bacia largada, e à porta de acesso à área de serviço estava aberta. O telefone estava fora do gancho. Por todo lado se viam marcas de botas sujas de barro vermelho. No tapete foram encontrados pêlos grossos e castanhos. Como se vê, existem diversas pistas para investigação, o que é curioso e muito nos intriga, pois quem seria capaz de cometer um crime tão hediondo sem se preocupar em torná-lo perfeito? Somente alguém totalmente desprovido de inteligência ou movido por um imenso furor, capaz de lhe cegar a mente, poderia cometer um crime deixando pistas tão primárias. Começou o levantamento junto à vizinhança. Todos ficaram perplexos perante o acontecido, já que os moradores da casa onde se deu a tragédia eram pessoas calmas e equilibradas, incapazes de cultivar inimizades. Muito pelo contrário, a casa vivia sempre cheia de gente. Dona Valéria adorava receber visitas e Dona Gertrudes, sua mãe, tinha sempre companhia para o chá da tarde preparado por Antônia, a antiga empregada da famÃlia. Sr. Nicolau também gostava de receber os amigos para jogar cartas, principalmente Ivan Losanoff, famoso jogador de basquete. Sr. Nicolau era empresário bem sucedido e estava lançando sua candidatura para deputado com grandes chances de ser eleito, uma vez que era endeusado por toda a população, que o tinha como um verdadeiro Ãdolo. Era costume da famÃlia viajar nos fins de semana para o haras no interior do estado. Muitas vezes o Sr. Nicolau saÃa primeiro e Dona Valéria seguia depois, juntamente com outros convidados e Dona Gertrudes. Entre os convidados encontrava-se Rubens Mesquita, outro candidato à Câmara. Ninguém conseguia entender porque Dona Valéria sempre insistia em viajar depois do Sr. Nicolau, mas como se trata de uma famÃlia tão distinta, acima de qualquer suspeita, supunha-se que será apenas um costume do casal. Todo final de semana a “novela†se repetia. Contudo, dessa última vez, o Sr. Nicolau voltou antes da Dona Valéria sair. PoderÃamos supor que estava querendo vir buscar a esposa, porém foi visto saindo de casa sozinho e à s pressas, quase atropelando as pessoas. Em face desses dados, podemos perceber claramente quem é o autor deste crime. Não é mesmo? Pobre Sr. Nicolau. Ficou sem famÃlia, perdeu a sua candidatura e ainda por cima a liberdade. Está até hoje atrás das grades, enquanto Rubens Mesquita foi eleito deputado federal. Existe crime perfeito?
Escrito em 1995
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