Laura Azevedo
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« em: Setembro 23, 2007, 20:10:03 » |
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[Escreve.]
São, cada vez mais, raras as noites em que não consegue dormir. Anda às voltas, na cama, vendo a luz da noite tombar nos vidros da janela, cujas persianas recusa fechar, com medo que o dia não a acorde devagar de manhã. Sente o silêncio da noite como um hálito quente direccionado à própria boca e os olhos fervem-lhe dentro da carne. Não sabe porquê, mas há muito tempo que não se sentia assim. Anda às voltas com as palavras. Anda às voltas com as emoções, dando-lhes encontrões que, logo, as desequilibram e, de seguida, no mesmo instante, estendendo-lhes a mão como se nunca as quisesse deixar escapar. Sente o eco da noite cravado na garganta, aflito, pertinente, minucioso e tardio. Sente o corpo sobre os lençóis – o corpo irrequieto, desconfortado, com uma vontade muda de correr. São, cada vez mais, raras as noites em que, curvada sobre os seus próprios pensamentos, vê as horas passarem, à frente dos seus olhos, vincadas a fluorescente no mostrador do relógio que fica em cima da mesa. Estende os braços, as pernas; encolhe os braços, as pernas; rebola, por cima do lençol, como se a carne lhe fervesse, como se o oxigénio lhe faltasse, como se tudo, em si mesma, fosse urgente. Morde as palavras, que querem fugir-lhe pela boca, e enrola-as, entre as gengivas, como uma grande argamassa que não consegue desfazer dentro da boca. Levanta-se. O hálito quente embacia-lhe os olhos, queima-lhe a pele... Levanta-se, descalça, sem acender as luzes, num silêncio de palavras, enquanto a melodia se crava às entranhas do seu corpo, revirando-as, enleando-as, sugando e ventilando, com dedos que perfuravam as formas e que deixam, na boca, no hálito quente da boca, no coração quente e calado, um tremor aflito e retardado. Mais uma vez, mais uma noite, foge-lhe a carne por dentro dos dedos. A própria carne dos braços, a própria carne dos olhos, a própria carne do coração. É queimadura. É falta de fôlego. É vontade de correr e, sim, de voar. Quer voar para longe, para outros mundos. Quer ser livre nos gestos, nas palavras, nos sentimentos e nas emoções vorazes que lhe consomem o corpo. [Escreve.]
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