Antonio
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« em: Novembro 12, 2007, 09:51:42 » |
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Estacionou o carro perto do areal. Retirou dele uma saca grande, um guarda-sol e um colchão de boiar na água ainda com algum ar. De tez muito morena, longos cabelos negros, um vestido muito ligeiro próprio para ir à praia e sandálias, depressa venceu a pequena distância até à areia. Desceu umas escaditas de quatro degraus feitas de madeira e continuou caminhando com a carga que tirara da sua viatura até um ponto onde havia pouca gente. Gostava daquela local à beira-mar exactamente porque era pouco frequentado e ali podia estar mais à vontade. Eram dez e meia de uma manhã de Julho. Manhã soalheira e quente, sem uma brisa que corresse e mitigasse o calor que prometia vir a ser tórrido. Armou o guarda-sol, encheu o colchão com uma bomba de pedal que tirou da saca, besuntou-se com bronzeador, retirou da face os óculos de sol grandes e negros de armação e de lentes, estendeu uma toalha sobre o confortável suporte agora cheio de ar, tirou a parte de cima do bikini e, indiferente a alguns olhares gulosos e outros reprovadores, deitou-se a tostar. Adorava estar deitada no colchão, quer na terra, quer no mar. - Não falta muito tempo que vá para a água – pensou. A ninfa morena, a deusa de corpo escultural, estava agora nas águas salgadas do oceano, calmas como se fossem de um pequeno lago, deitada com o peito desnudo para baixo e, usando as mãos como remos, afastava-se para mais longe da praia. Ninguém por perto. Voltou-se para cima e deixou-se vogar ao sabor da quase imperceptÃvel ondulação de olhos fechados para melhor gozar aqueles momentos de paz. Eis que começou a ouvir o barulho de um motor. Virou-se e viu aproximar-se um pequeno bote com um motor fora-de-borda que, conduzido por um homem, se movia velozmente na sua direcção. E o barco a crescer, a crescer... Ficou paralisada pelo medo e sem reacção mas, no último momento, o bote alterou o rumo e passou a escassos metros dela. A ondulação provocada quasi a fez cair na água. Mas aguentou-se. Passados a surpresa e o susto, começou a bater com as mãos no mar para regressar ao areal, mas o medo remanescente fazia-a ter movimentos descoordenados que lhe tiravam toda a eficácia na tentativa de sair do sÃtio. Lembrou-se de chamar por socorro. Olhou para terra e não viu ninguém na praia. Mas que teria acontecido? Mas quem seria aquele sujeito cujo rosto não conseguira ver? Que pretendia ele? Assustá-la? Matá-la? Mas porquê? E que tinha acontecido na praia para estar deserta? Sentia-se só, vulnerável. Poucos minutos depois, novamente o barulho do Mercury fez-se ouvir cada vez mais perto. Viu o bote aproximar-se abicado ao seu colchão. O pavor que dela se apossou fê-la ver um barco muito maior do que era na realidade e cujo tamanho Ãa aumentando, aumentando... E de novo o bote motorizado passou uma tangente à beldade bronzeada. Paralisada pelo pânico, agarrada ao colchão salvador, mais uma vez se aguentou à tona. Novamente refeita do susto, mas hirta, com o coração a bater acelerado e a respiração arfante, olhou e continuou a ver o areal deserto. Também no mar só o malfadado bote continuava a sua trajectória triunfal; mas agora mais longe. Recomeçou a tentar movimentar o seu colchão. Estava mais tensa e nervosa, quasi fora de si, e como não havia qualquer aproximação de terra ainda pior se Ãa sentindo. Quem seria o homem sem rosto que parecia apostado em fazê-la morrer, ou abalroada, ou afogada, ou de pavor? Não tinha resposta. Sacudia agora os braços com mais força, com muita força, com toda a força, mas sentia que cada vez estava mais longe de terra. - Porque vim eu para aqui, para tão longe? – perguntou-se. E, novamente, o insuportável som do motor se foi aproximando. Mais e mais. A bela movia os braços mas sem qualquer sucesso. Sentiu então que o motor tinha parado, de repente. Olhou! De facto, já muito perto, reparou que a embarcação estava sem ninguém a bordo e se dirigia para ela, lentamente. A respiração era ainda mais ofegante. Esbracejou, esbracejou, esbracejou...parou exausta. Mas o bote bateu-lhe no colchão e fê-la cair na água. Começou a gritar. A pedir socorro. O contacto com a água fria tinha-a libertado da rigidez do medo e conseguiu manter-se à tona. Tentou agarrar o colchão, mas sem resultado. Tentou subir para o bote mas um pontapé gorou-lhe as intenções. Gritou ainda mais. Engoliu água. Muita. Não conseguia respirar. Não gritou mais... Quando acordou estava sentada na areia ao lado do colchão e várias pessoas junto dela olhavam-na de forma interrogativa. - Precisa de alguma coisa, menina! – disse uma voz. - Sente-se bem? – disse outra. Ainda a respirar com dificuldade e aturdida, respondeu: - Não, obrigado! Acho que adormeci e tive um pesadelo.
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