Ainda sobre Margaridas

[Tere Tavares]

Ainda sobre margaridas

Mesmo vivendo em lugares difusos e distantes andam de mãos dadas. Na mesma proporção com que adoram buscar o conhecimento criativo despertam em si mesmas sentimentos aparentemente incompreensíveis.  Uma se disfarça numa flor de plástico, outra se confunde com a Lua e outra é uma receita de doce caseiro. Aquela que se disfarça numa flor de plástico muda de nome a cada novo humor do próprio temperamento, e não se reveste de nada notável. A que se confunde com a lua tem um brilho mais intenso, nem por isso menos ofensivo, talvez por dominar três idiomas e viver na terra dos bem nascidos. A receita de doce caseiro sofre de sérios conflitos existências, aparece e desaparece resumida em desconfianças e, embora saiba que é impossível seguir o que não tem importância, faz questão absoluta de evidenciar alguns rastros.

A flor de plástico não se perdoa por ser incapaz de jogar um pouco de originalidade no fluir do curso. Fugaz, a consciência da receita de doce caseiro não está a serviço da felicidade, embora tente, paulatinamente, aludir a algo bom.  A que se confunde com a lua contenta-se em distrair-se navegando em delirantes volições. Sem qualquer aviso a flor de lua assume que também se confunde com a receita de plástico e muda de identidade mais uma vez. A que se confunde com a flor de doce caseiro descobre um parentesco camuflado com a lua de plástico, adota o nome da manhã anterior e cai enferma. A flor de doce caseiro desaparece dentro da lua de plástico e da receita de lua para retornar um tempo depois usando uma pele invisível. A flor de doce de lua de plástico caseiro que se confunde com a receita de flor de doce de plástico de lua decide que é imperioso descobrir a intensidade dos seus desejos e conclui – são clareiras obscuras, entropia.

De uma suposta insônia aparece uma quarta, bem mais jovem, de personalidade igualmente indefinida. Ela se debate sobre a textura e a visibilidade dos mistérios compreensíveis. Nada define a cerca das profusões intranqüilas que lhe provocaram o nascimento.

Na equação incerta do que vivem ou julgam viver as pobres almas não ultrapassam o que aparentam – qualquer coisa que se perde ao acreditar no imutável.

As quatro se apóiam numa quinta-essência de mãos delicadas e igualmente incógnitas que as tranqüiliza, ao menos por alguns instantes: “Quando a solidão é minha única e insustentável esfera são vocês os conselhos que estabelecem interlocuções comigo. O que deduzo, na verdade, são fragmentos imperturbavelmente mentirosos que me seguem – incessantes. Tento encontrar-me, e a tudo o que é humano ou divino, sem delegar à orfandade o que envio para o mundo. Perdoem-me por não ser uma. Só”.


http://m-eusoutros.blogspot.com/

 

[josé antonio]

Olá Tere,

O que vou escrever é demasiado sério e sentido, acredite.
Em primeiro lugar porque são margaridas que troco semanalmente na sepultura dos meus pais e se trata duma flor de que gosto bastante pela simplicidade da sua beleza e resistência ao calor do sol.
Mas entrando no seu texto, suponho que a quarta margarida é a Tere! Ou então contei muito mal.
Acho, muito humildemente que este texto daria um óptimo tema de trabalho para o Oswaldo e todos os Oswaldos interessados e sensíveis deste mundo que amam ensinar e dessa tarefa extrair a máxima utilidade.
É em meu entender um texto para se ler, entender e gostar.
Para terminar, se a Tere conseguir transpor estas magníficas margaridas para uma tela, daria uma magnífica e diferente capa para a 3ª Colectânea do Escritartes.
É um desafio que lhe lanço a si, como artista plástica, à Editora e à Administração do Escritartes.
Afinal de contas, todos somos margaridas diferentes na Colectânea!!!
Grande abraço
José António

[Tere Tavares]

..."se a Tere conseguir transpor estas magníficas margaridas para uma tela, daria uma magnífica e diferente capa para a 3ª Colectânea do Escritartes.
É um desafio que lhe lanço a si, como artista plástica, à Editora e à Administração do Escritartes".

Caro José Antonio,

Grata pelo seu generoso comentário ao texto.
Tenho uma tela com essa temática de margaridas!
Se for interesse da Administração do Escritartes, e da Editora a coloco à disposição, para análise e viabilidade de utilização (o que será para mim uma honra), sem custo algum. Basta que me orientem para onde a devo enviar, ou postar.

Muitíssimo obrigada.

[carlossoares]

Tere,

ao ler o comentário do José António, não podia estar mais de acordo.
Parabéns por mais um texto com amplas conotações susceptíveis de interpretações muito interessantes.
Um abraço

[Administração]

A capa será a do ano anterior com ligeiras nuances para manter a ideia de continuidade e uniformidade da colectânea, decisão tomada depois de ouvidos os diferentes responsáveis.
A Administração agradece, de qualquer forma.

[margarida]

"A flor de plástico não se perdoa por ser incapaz de jogar um pouco de originalidade no fluir do curso."

Sabe que a sua escrita é doce? 

[Tere Tavares]

Carlos,
Agrado-lhe a presença e leitura. Alinhavamos e tecemos incansavelmente!

Administração,
Entendo o que seja manter as características de continuidade da Coletânea, bem como a decisão da Adminsitração e da Editora. Tenho muito apreço por todos, e já é uma alegria participar como escritora! Grata pela cordial atenção.

Margarida,
Acho seu nome lindo como as margaridas! Grata pela vinda.

Abraço em cada um