Falta muito para chegar às Laranjeiras?

E o barulho ensurdecedor do metro. E o barulho de todas as pessoas juntas a falar. E estas duas à minha frente mais alto para quem queira ouvir. E o meu livro aberto sem conseguir ler uma frase de seguida. E a detestável hora de ponta.
- Ouvi dizer que vem uma colega nova para o nosso sector. Ao que parece vem dos serviços financeiros. Desde que não seja nenhuma lambisgóia que se venha armar aos cucos...
- Sim, faz falta mais uma pessoa mas que não venha criar mau ambiente que mau ambiente não nos falta... Aquele serviço está um inferno! Esta noite não dormi nada com dores.
- E a fisioterapia, já acabaste?
- Faltam-me três sessões. Mas para ser sincera não sinto grandes melhoras. A dor vem por aqui abaixo... Trabalhar tantas horas sentada naquelas cadeiras também não ajuda. Esforçamo-nos e ninguém nos agradece. Dali o que levamos são as mazelas... Se a coisa não melhorar tenho de ir falar de novo com o Dr. Pascoalinho.

Próxima paragem, Marquês do Pombal.

(Falta muito para chegar às Laranjeiras?)

- Eu aos anos que tenho um problema na cervical, na C4. O médico bem que me queria operar há dois anos mas eu não quis. Enquanto puder aguentar sem ir à faca deixo-me andar. De vez em quando lá tenho de tomar um Voltaren...
- Dizem que o Voltaren para o estômago é uma bomba. Eu não posso tomar, só mesmo a pomada. Mas sozinha não consigo esfregar nas costas todas... Só quando a minha irmã vai lá casa é que me ajuda. Mas também são tão poucas as vezes que lá aparece... E a semana passada fui fazer uns exames e acho que tenho uma úlcera no estômago.
- Também te aparece tudo rapariga!
- Que hei-de fazer!

Próxima paragem, S. Sebastião.

(Falta muito para chegar às Laranjeiras?)

- E o teu gato? Ainda o tens?
- Sim! Até ver! Ultimamente tenho gasto bom dinheiro no veterinário. Está velhinho coitado!
- Sempre te faz alguma companhia.
- Já fez mais!.. Mas é tão engraçado, mal me ouve a meter a chave à porta ali está ele no corredor à espera que lhe dê comida. E enquanto não lha dou não pára de miar. Agora dá-lhe para dormir no sofá da sala...
E o barulho ensurdecedor do metro. E o barulho de todas as pessoas juntas a falar. E estas duas à minha frente mais alto para quem queira ouvir. E o meu livro agora fechado sem conseguir ler uma frase de seguida. E eu sem saber quantas paragens faltam. E uma delas que apenas tem um gato em casa. E uma delas que lhe aparece tudo menos um homem que lhe esfregue a pomada nas costas.

Próxima estação, Laranjeiras.