A correria diária mata-nos. Estamos amarrados em objectivos. Em metas a abarcar. Em resultados. Perdemos o hábito de olhar para o lado. Sempre que lá chegamos
- Parabéns, as metas foram alcançadas.
a correria vai aumentando. Em nome de eficácias e eficiências. De concorrências e competitividades. Cada vez mais elevadas. O sucesso de ontem não garante o êxito de amanhã.
- Meus senhores, a reunião de hoje é para aprovar os objectivos para 2008.
O ciclo é vicioso. Corrupto. Amoleço as amarras no mar. Desligo o motor e o afã vai-me levando. Sem leme mas vigilante. Fujo para o largo. A bordo dos barcos no regresso da pesca. No mastro da vigÃlia da vigia. A quilha a anavalhar o mar. A espuma das metas na mesa. As gaivotas aos gritos. Contentes, pelo festim que se avizinha. O cabo de mar barrigudo
- A gente sempre se entendeu.
no cais de subornos. A mulher do cabo de mar barrigudo
- Ó mulher, não sei como vives… O teu homem ganha tão pouco.
que é mais que as outras. E os filhos
- Os meus só vestem roupa de marca.
são os mais bem vestidos do bairro. O mestre crestado pela vida em cima do cão. No meio do cão. O mar é muito cão. Quantas viúvas de mortos pelo cão. Mas é bom, é enorme. Alarga-me a razão. Os horizontes. Os braços abertos do cais. O costado a beijá-lo de saudade. As amarras a selarem a saudade. As amarras das metas salgadas. A peixeira
- Claro patrão, acho que podemos aumentar as vendas e cumprir esses objectivos.
a arrematar um cabaz. Um peixe que escorrega do cabaz. Ignorado. O gato que o leva. Incógnito. No meio da algazarra cega do leilão. A boca nos olhos. Os olhos na boca do cabeça-de-pau.
- É seu por 300 Euros.
Cabazes nas costas do cabo de mar barrigudo de subornos. Ele não vê, nem precisa de ver. Basta-lhe sabê-lo. A mangueira a lavar escamas do convés. As tripas que caem no mar de goelas abertas de gaivotas. A gritar. Os olhos na boca do cabeça-de-pau
- Pare de gritar homem, já todos disseram que os objectivos são bons.
e as mãos dos pescadores escamadas pelos anzóis de sal a lavar o convés. Impacientes por consolar
- Com os anzóis e iscas que temos não se alcançarão estes objectivos.
as suas viúvas de homem vivo crestado pelo cão. Elas à espera na cama para os ressarcirem do cão. Para vestirem os filhos nas guelras das roupas sem marca. O alarido dos objectivos e das gaivotas. As guelras no mar de metas salgadas.
- O Nilson tem razão meus senhores. A equipa de vendas e os nossos produtos devem ser renovados.
As gaivotas em terra de barriga cheia de tripas. A amurada da cama a gemer com o ressarcir do cão. As metas de anzóis e iscas. O mastro da decisão no cais das amarras. A boca nos olhos do cão. Os olhos na boca das metas.
- Meus senhores, os objectivos estão aprovados e a reunião terminada.
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