gdec2001
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« em: Março 31, 2017, 04:02:38 » |
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Desculpem o tamanho deste poema do meu livro "Novos e velhos cantos" Geraldes
Viagem à volta do teu corpo
Oh flâmulas douradas do teu corpo ardendo no negrume do meu sexo, estrela gémea, os cumes dos teus peitos, tecendo o ninho à sombra do meu braço. Oh enxame de abelhas os teus dedos fazendo o mel no vão das minhas pernas Oh mina de rubis, a tua boca, refúgio do meu pássaro nocturno; auras do meio-dia à meia-noite obscurecendo sóis na minha mente sobressaltantes rasgos da memória com buracos de queijo nos cabelos... Oh coroa de espinhos, oh lÃngua de enforcado, oh rosa na montanha oh estrela no cercado. Oh lagarto na laje oh aranha no canto, oh poço na fundura oh tristeza, oh quebranto oh cinzenta, oh escura oh minha, minha, minha sanguessuga desperta nas veias sãs da loucura. Oh cardo florescido sombra de primavera oh clarão acendido na noite, à minha espera. Oh boca silenciosa, pequenina e sequiosa. Oh nenúfar no lago, ora aberto, ora fechado. Oh fenda na lareira com grila... encantadeira. Oh arroio intermitente água da vida corrente. Oh sombra deliciosa onde o cheiro é mel e almÃscar e o sabor é mel e rosa. Oh pérola perdida porque encontrada nas breves dobras da noite, nas valvas da madrugada. Oh feijão germinado, na mesma hora colhido e semeado. Oh palavra entredita e interdita, Oh tÃmida folhazinha, rompendo ao cimo da terra tremeluzinha... Oh alfobre semeado das loucuras mais secretas, delÃrio das febres puras das feridas sempre abertas das alucinações maduras. Oh mapa-múndi da história impacÃfico oceano onde navegar é vão naufragar é bom e glória aportar simples, humano. Oh lago misterioso encantado e povoado com um só peixe de sombra assombrado. Oh vala comum da vida onde a noite encontra o dia e o dia é noite perdida. Almofada de veludo onde descanso a cabeça dolorida, no fim de tudo. Taça de obscuro cristal onde bebo o sangue-vinho e como o pão principal. Mesa posta para ceias, saturnais, onde a fome se alimenta e cresce cada vez mais. Fogo que tudo devora e tudo cria, na mesma hora. Esse teu corpo no centro esse teu centro do corpo, centro da terra e do mundo, centro do meu pensamento, é, no fundo... É uma praça pequena de Hespanha, praça mourisca, luz, sombra, luar absorto vaga, sonâmbula mesquita arcadas, fontes, pilares poço de águas circulares adagas, dobras, bainhas silhuetas diluÃdas por azinhagas, sozinhas, lâmina, espada, cristal onde lampeja, de noite, a minha luz natural. Rosa de vidro irisado eriçado quando inteiro macio quando estilhaçado. Oh minha noite de luz oh minha estrela sombria oh meu sol da meia-noite oh minha lua de dia, riso da minha tristeza choro da minha alegria espuma de branca angústia, - oh minha praia vazia – ruminada com volúpia num quebra-mar de magia... Dando meia volta ao mundo no teu corpo ou no meu corpo, surge um planeta rotundo à noite parece vivo de dia parece morto. É meu planeta secreto é meu planeta perdido, encontrado e então aberto desvendado e então proibido. Planeta desabitado salvo da minha esperança, oculto e inexplorado entre os astros meu bocado minha deixa, minha herança. Planeta de fundos vales, crateras de sombra funda onde reluzem tesouros - urânios, chumbos e ouros - mudando a sombra em penumbra. Planeta de grossos ares vulcânicas emanações, sulfúreos, fátuos luares, reflexos, reverberações. Praia de todos os mares fervendo o primeiro dia não já caos, mas ainda escombro de parto, negra alquimia em que me espasmo e me assombro. Vibração das infra - cores para lá do ultra espectro céu de gozosos horrores meu planeta, meu projecto. Planeta rubro que soa tão alto que maravilha nota só, que breve brilha, diapavibra e estilha. Se o teu olhar me olhasse como um sol, eu, só de ser olhado abrasaria; aqui e além um incêndio de amor da minha térrea crusta brotaria - monologa, poeta, o meu planeta -. Oh Ãgnea solidão, oh férrea estrela, oh preta escuridão. Estou aqui oh meu mundo, meu planeta rima de U vestido de plexiglass chapa de aço e cauchu orbitando no clÃmax como tu. É em ti, meu planeta, meu recanto, que eu quero ser desterrado, por esse crime, nefando, que é amar no outro lado. Cantaremos sozinhos, sendo dois, a tua e a minha precisão de amor e o nosso canto acordará mil sóis em mil galáxias como se fosse, sendo, um acto criador. É que... há mundos por voar além dos céus, junto aos muros do fim acocorados, Que luz se faça, oh, sim, esperam alvoroçados asas viradas ao amanhecer. E o amanhecer somos nós, eu no teu corpo pregado, ardendo em chamas louras frente a ti, queimando no outro lado...
Geraldes de Carvalho
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