gdec2001
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« em: Agosto 02, 2009, 21:58:08 » |
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Aí vai um dos poemas da literatura portuguesa de que mais gosto . Sei-o de cor talvez há mais de 50 anos . Espero que gostem também Geraldes de Carvalho
CANTATA DE DIDO de Correia Garção
Já no roxo oriente branqueando, As prenhes velas da troiana frota Entre as vagas azuis do mar dourado Sobre as asas dos ventos se escondiam. A misérrima Dido, Pelos paços reais vaga ululando, C'os turvos olhos inda em vão procura O fugitivo Eneias. Só ermas ruas, só desertas praças A recente Cartago lhe apresenta; Com medonho fragor, na praia nua Fremem de noite as solitárias ondas; E nas douradas grimpas Das cúpulas soberbas Piam nocturnas, agoureiras aves. Do marmóreo sepulcro Atónita imagina Que mil vezes ouviu as frias cinzas De defunto Siqueu, com débeis vozes, Suspirando, chamar: – Elisa! Elisa! D'Orco aos tremendos numens Sacrifícios prepara; Mas viu esmorecida Em torno dos turícremos altares, Negra escuma ferver nas ricas taças, E o derramado vinho Em pélagos de sangue converter-se. Frenética, delira, Pálido o rosto lindo A madeixa subtil desentrançada; Já com trémulo pé entra sem tino No ditoso aposento, Onde do infido amante Ouviu, enternecida, Magoados suspiros, brandas queixas. Ali as cruéis Parcas lhe mostraram As ilíacas roupas que, pendentes Do tálamo dourado, descobriam O lustroso pavês, a teucra espada. Com a convulsa mão súbito arranca A lâmina fulgente da bainha, E sobre o duro ferro penetrante Arroja o tenro, cristalino peito; E em borbotões de espuma murmurando, O quente sangue da ferida salta: De roxas espadanas rociadas, Tremem da sala as dóricas colunas. Três vezes tenta erguer-se, Três vezes desmaiada, sobre o leito O corpo revolvendo, ao céu levanta Os macerados olhos. Despois, atenta na lustrosa malha Do prófugo dardânio, Estas últimas vozes repetia, E os lastimosos, lúgubres acentos, Pelas áureas abóbadas voando Longo tempo depois gemer se ouviram: «Doces despojos, Tão bem logrados Dos olhos meus, Enquanto os fados, Enquanto Deus O consentiam, Da triste Dido A alma aceitai, Destes cuidados Me libertai. «Dido infelice Assaz viveu; D'alta Cartago O muro ergueu; Agora, nua, Já de Caronte, A sombra sua Na barca feia, De Flegetonte A negra veia Surcando vai.
Correia Garção
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