O mundo é triste desde o dia em que Mingos Pinga morreu

[josé torres]

Emborrachava-se de tudo o que bulisse dentro de um copo. A sua vida era uma tempestade a transbordar até à última gota.
O melhor amigo do pai era um garrafão de cinco litros, pelo que não se podia queixar de fraca hereditariedade. Sua mãe ficou a dever nas tascas.
Era conhecido pelo Mingos Pinga.
Ninguém dava um chavo por ele, nem mesmo quando o pedia como esmola, sôfrego de mais um copo, mais um que o encharcasse até ao limite.
Contam que andou na guerra, pelos Moçambiques e Guinés de pretas fartas, nas tetas de Africas de que muitos falam e poucos conhecem.
Que matou gente, que viu empalar cabeças em troncos.
Contam, os que o desconhecem.
Mingos foi cravado pelo regime a fazer uma guerra que não era a dele. Crivaram-no de verdades para a época.
Foi numa Berllier, num dia azedo de mosquitos, que Mingos encontrou o seu caminho no caminho da bala.
Atravessou-lhe o crânio pela face mais oculta, aquela que depois de desperta revela um monstro.
Mingos não morreu nesse dia, mas afogou a vida inteira o demónio num copo, ciente de que essa era a sua verdadeira missão, aquela que nunca lhe tinham confiado.
Falei com ele várias vezes a pretexto dum cigarro cravado, crivado que estava da minha admiração muda pelo seu olhar de mato ainda.
Houve um dia até, que enquanto falávamos, uma ave de rapina saiu dos seus olhos e se esfumou no ar em rodopio.
Mais tarde, seco como um varapau, haveria de se empalar na alma de todos os que o conheceram e nunca se perguntaram quem eram.
O mundo é triste desde o dia em que Mingos Pinga morreu.
Digo eu.

[Goreti Dias]

Sempre fica mais triste quando morre um ser humano...
Beijo

[josé torres]

O Mingos vive em quem o recorda. Eu neste texto.