Disseste que se ligasse a luz da varanda, me raptavas. Acendi-a e, cansada de esperar, adormeci.
O telemóvel vibra. Desperto.
Saio em direcção à varanda da sala, após um silêncio cuidado de passos flutuantes pelo granito reluzente das escadas. Abraço-te e o meu sorriso tem efeito boomerang em ti. Beijas-me. Reparo como
os teus olhos brilham e como isso nada tem a ver com a luminosidade dos
lampiões que envolvem a rua. Dás-me o capacete com reflexos cinzento-metálicos e perguntas-me qual o destino. Respondo-te em tom óbvio:
«Para onde estás a pensar levar-me».
Pelo caminho relembro-me de quando tivemos a ideia de cometer esta loucura de passares por minha casa de madrugada para assistirmos ao nascer-do-sol juntos, no nosso esconderijo. Surgiu do nada, de um impulso.
As ruas estavam desertas, só nós existÃamos. Pertencia-nos o mundo.
Levamos duas mantas e uns kit-kats semi-derretidos mas bem satisfatórios. O tempo pairava sobre nós e nós estávamos perdidos nele. A noção das horas passou-nos, nada nos prendia a algo concreto. Relógios, telemóveis, obrigações, movimento… as sensações eram criadas por nós.
Passaste-me a mão desde a testa até ao queixo. Perguntaste se eu tinha certeza, como da primeira vez. Dois dedos meus caminharam nos teus braços rumo ao pescoço. Beijei-to e, com a boca, continuei o trajecto Ãngreme. Lentamente, os nossos corpos foram-se unindo, unificando-se.
O meu peito sentia o teu, as respirações em unÃssono.
Tudo se passava como num filme mudo, havia uma ruidosa cacofonia de sons presente no silêncio perturbador do crepúsculo a desaparecer. Os primeiros raios de sol a perfurarem partes de nuvens, as respirações em compassos desconcertantes, a teimosa madeixa rebelde a baloiçar ora batendo-me na cara ora ficando suspensa no ar, pendurada em coisa nenhuma.
De repente, fica afastada do resto do cabelo.
Pergunto-te o que se passa e dizes-me:
«o sol».
Havia quentes. O quente dos corpos colados um no outro, o quente da tua boca contrariamente húmida e contrastar com o frio pousado nos teus lábios, o quente do sol a nascer.
Vi a minha silhueta nos teus olhos, recortada na sombra com o sol atrás, como pano de fundo.
Ficamos uma boa meia hora assim, a desfrutar do momento. Somente do nosso momento. Depois fixaste os teus olhos nos meus. «
Eu amo-te». Paralisei. Fiquei feliz. Ainda com os olhos presos nos teus, segundos após, os meus lábios articularam
«eu amo-te» – em voz não muito alta mas convicta e perceptÃvel: –
«… todos os dias».
Agora, uma hora e 42 minutos depois, no quente
(mas desta vez) do meu quarto, espero que o resto do mundo acorde, daqui a um quarto de hora.
* * *
O movimento começa, o dia surge, a cidade desperta.
[07.10am]