Nação Valente
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outono
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« em: Junho 18, 2021, 19:25:10 » |
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Quem é o pai da criança? (que ainda não nasceu)
- Comadre, a Rosalina está prenha. - A Rosalina do Zé da Horta? Custa-me a acreditar, comadre Virgolina. - Nã diga isso, que me ofende, comadre Laurentina Nã sou nenhuma mentirosa. Andou a tentar esconder, mas a barriga sempre a crescer, é a prova provado. Sendo um pau de virar tripas, ainda se nota mais. - Desculpe comadre, a minha desconfiança. Nunca reparei. Nã tem a ver consigo. O que me faz “fornicoques”, é como isso pode ter acontecido. Não lhe conheço nenhum homem a rondar a porta. E “tamém” acho que não pode ser por obra e graça do Espírito Santo. - Fosse santo ou pecador algum diabo lhe meteu fedelho ou fedelha na barriga. E pelo que sei, comadre, ela não se descose, nem com o pai, nem com a mãe. O pai até já lhe prometeu uma surra, mas não adiantou. - Então quem lhe fez o trabalho nã pode ser nomeado. Deve ser algum figurão. - Isso não sei, mas tenho as minhas suspeitas. Não sei se diga. - Diga, diga , diga comadre, sem medo. Sabe que eu sou fechada como um túmulo. - Olhe, só aqui entre nós, para mim foi o descarado do irmão gémeo. Não é que tivesse presente, quando lhe saltou pra cima, e não posso jurar. O que me parece é que os vejo muito amigos, sempre juntinhos, para onde vai um vai o outro. Festinha “praqui”, festinha “prali”, e quando dão por ela acontece o mesmo que ao macaco que “xaringou” a mãe. - Credo, cruz canhoto, comadre Virgolina, isso é que não me entra cá na tola. São manos, sempre foram unha com carne, é normal que se deem bem. Não diga isso, nem a brincar. - Ah, digo e redigo. Essas coisas sempre aconteceram. A minha filha Juliana anda a ler um livro. lá pra escola, chama-se Os Maias, escrito por um tal, como se chama, como chama…Queiroz..Eça de Queiroz. Aquilo é uma pouca-vergonha entre irmãos. Ainda por cima gente fina e educada. Unha com unha, carne com carne. - Rimances ou romances, nem sei bem, que eu não sou de ler, são lérias, para nos endrominar. A Rosalina sempre me pareceu uma moça séria e muito recatada. Ainda se fosse com o primo-irmão que nos bailes a anda a “rapiocar”, vá que não vá… - Ó comadre nã seja “ingena. Quanto mais recatada mais sonsa. Até pode ser o tal primo tamém. Quem sabe se nã é ninfa manieca. - Ninfa quê, comadre? Nunca óvi essa palavra. - Chama-se isso às mulheres que nunca estão satisfeitas com a coisa. Quer dizer, acabam uma e já querem outra. Parece que é doentio. - Não me diga isso, comadre, que me arranho toda. - Não me diga que também é dessas? - Tarrenego mafarrico. O meu homem é que se calhar tamém é ninfo qualquer coisa. Por sua vontade, estava sempre com as pernas em cima das minhas. Não é que não goste, mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Além de gostar ou não, a porra é que já tenho cinco filhos. Já usei o que a minha mãe me ensinou para não emprenhar. Há só uma coisa que resulta: é tirar o coiso antes que saia a peçonha. Fica mais bravo que um cão danado…Paciência. - Tá tudo mal dividido, já o meu anda sempre cansado. Cada qual tem a sua pena. Mas voltando à vaca fria, ou antes quente, o certo é que deve tar quase a parir, e só ela sabe quem é o pai da criança. Se é que sabe? - Seja quem for, comadre Virgolina, ainda nem estou em mim. Uma moça tão recatada, que mais parece uma mosca morta, a rebolar-se com um marmanjão. E digo-lhe mais. Não há aqui na terra moça mais religiosa. Não falta a uma missa. Sempre a confessar-se e a comungar. E o senhor padre Pedro Paulo sempre a nomeá-la, como exemplo de boa ovelha. - E o que é que isso quer dizer, comadre Laurentina. Não levante falsos testemunhos. É pecado. - Que falsos testemunhos, comadre? - Com essa “converseta” até parece estar a querer dizer que o pai da prenda que a Roalina traz na barriga, é do senhor padre. O bom pastor deve é proteger as suas ovelhas, dos lobos maus. No segredo da confissão deve ser o único, que com a Rosalinda, sabe do segredo. - Nunca me passou, o que diz, pela cabeça. Mas não ponho as mãos no fogo por ninguém, e os padres não são santos. - Nisso concordamos, comadre Laurentina. Os padres são homens como os outros. E não estão capados. E até lhe digo, aqui entre nós que ninguém nos ouve, que o senhor padre Pedro, é um bom pedaço de homem. Às vezes, em noites de isónias, quando meu homem ressona mais que o porco na pocilga, dou comigo a pensar no senhor padre. Até me sobem os calores. - Nós somos assim. Não estamos contentes com o que temos. - Pois sim comadre Virgolina, mas estar a meter o padre ao barulho, parece-me má-língua. Embora a minha filha que é muito “lida”, me tivesse dito que leu outro romance do senhor Queiroz, O Crime do Padre Amaro, em que um padre engana uma moça de família. A minha Amélia até a compreende, porque tamém se perdia pelo padre Amaro. Mas tamém acha que o padre Pedro Paulo não lhe fica atrás. - Esse tal Queiroz que não conheço, nem vi, nem gordo, nem magro, parece que escreve coisas muito esquisitas. Veja lá comadre se a sua filha, com essas lérias, não lhe aparece prenha em casa. Quem sai aos seus não degenera. - Como assim? - Então a comadre não disse que pensa no padre Pedro? - Disse só em pensamento. Mas garanto que só o meu homem, põe as pernas em cima das minhas (pouco) e só foi depois de bem conversados. - Maus pensamentos tamém são pecado. E se há mais pessoas a pensar nele, não me admiro que a Rosalina, uma moça sem compromisso, se enrolasse com o padre. - Ora comadre até pode ser. O que sabemos, é que está prenha e bem prenha. O Que vai dar muito que falar é quem será o pai da criança .E se é o padre, é abençoado.
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