marcopintoc
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« em: Julho 03, 2008, 17:40:17 » |
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Movida
“Plaza de Colón “, quatro horas da madrugada. - Colón é uma cena por onde se caga não é? – Pergunta o Pedro cheio de pressa de chegar não sei bem onde. - Pedro! Colón é o Cristovão Colombo. – que secura tenho na boca , preciso de mais uma bebida – És um ignorante do caraças! - António ,António !!! – está a precisar de mais um bocadinho – quero que o Colón , o Colombo , o Vasco da Gama vão todos se foder! Onde é que o clube? - É já ali! O taxista com um galhardete do Atlético de Madrid pendurado no retrovisor desvia a rota da avenida principal em direcção ao pedaço de papel que lhe entreguei. Penso que ser do Atlético deve ser quase tão lixado como ser do Belenenses em Lisboa. Que se lixe ! Fogareiro não merece respeito ou comiseração. O local está cheio. Corpos cheios de suor . A alma latina mistura-se com a batida de Londres e de Ibiza. Aqui não há mar mas os rios correm soltos. Basta descer ao sanitário. Descer as escadas e cruzar-nos com olhos grandes e sorrisos largos. Junto ao lavatório um casal usa o cartão de crédito em pancadinhas repetitivas, em busca do risco perfeito. Tac , tac , tac. O Pedro olha-os esgazeado. Ponho-lhe a mão no ombro e arrasta-o para um dos cubÃculos. O chão tem mijo , sémen e restos de bebidas de nomes sonantes. O branco da sanita é pintado por um Picasso de merda e vomitado. Tenho saudades de ir visitar o Rainha Sofia e me deleitar com as obras do mestre. Infelizmente acordo sempre após o fecho do museu. Saco do espelho e da saqueta. - Que raio de merda é essa ? – Pedro espanta-se com o aspecto retro do meu espelho onde ligeiros traços de resÃduos brancos revelam o uso de tal artefacto. - Este é o espelho dos mortos. Usaram-no com o meu avô. Respeito palhaço! - Espelho dos mortos? - Sim idiota ! Antigamente passava-se um espelho junto aos lábios dos defuntos. Se não embaciasse tinha soado a última hora. -Ahhhh.? Faz lá mas é isso - é demasiada informação para aquele cérebro ,onde os neurónios se contraem à velocidade da luz num último esgar. Retiro a lâmina. O olhar de Pedro revela de novo espanto mas não sai palavra. Contudo não resisto a explicar. - Lembras-te das antigas máquinas de barbear. Aquelas que se abriam e se mudava a lâmina? Antes de tudo ser descartável como tu e eu ? Estas são as melhores ,cortam fino Em silêncio preparo o próximo sorriso radioso da noite e, após me assoar cuidadosamente para limpar as mucosas, contribuo para o aumento do PIB da Colômbia. Enquanto o calor me desce pelas vias respiratórias, caramelo feito adrenalina, fecho os olhos e lembro-me do meu antepassado. A fazer a espuma com o pincel e a cortar vagarosamente a barba com a “Gilette†recarregável. Ao lado eu menino observo fascinado . A mão rude de quem sabe o nome da enxada pousa na minha cabeça e diz. - Meu querido, um dia também vais usar uma destas. Se soubesses para que, Avô.
Santiago Barnabéu
Camarote de empresa. Vinte mil euros ano. Um preservativo de vidro protege-nos dos ruÃdos da populaça. Ao meu lado um cliente Japonês, o meu CFO britânico e um obscuro convidado de aspecto nórdico. Conversa de circunstância. Noite de Liga dos Campeões. Saio para fumar um cigarro, politicamente correcto quando fumado no exterior. Da porta do camarote contÃguo sai uma bela mulher com aspecto de relações públicas ,seguem-na dois ianques. O aspecto campónio de Bush tornou-se moda. Ouço a palavra “Soccer†dirigindo-se aos balneários. Retorno ao meu poiso no cubÃculo. O Nipónico dirige-me um sorriso e grita “ Real ! Real! “ . Dou-lhe uma palmada nas costas de contrato firmado e afago o cachecol de cinquenta euros. -Yes ! Real ! Real! Sento-me e olho para o relvado onde a constelação de estrelas entra ao som de uma ovação abafada. Que saudades de estar na curva a gritar pelo Levezinho.
Bosque del Recuerdo
Chamavas-te Pilar . Como a tua antepassada morta pelos Fascistas por não querer falar. Tinhas olhos negros e neles bailavam Zarzuelas quando o suor do amor enchia os lençóis. Gritavas de prazer mordendo a fronha ,porque o teu santo padroeiro podia ouvir e condenar-te ao Inferno. Morreste naquela manhã de Março, quando eu acordei em sobressalto com o estoiro em Atocha. Ias para o emprego no grande armazém. Acabaste em centenas de bocados disformes de carne e osso em El Pozo. Se quiser chorar a tua memoria que cipreste escolho ? Olho o horizonte e deixo o calor sufocante deste Agosto Madrileno fazer a sua escolha. Toco a arvore com uma mão receosa e tento escutar o verso. “Qué tengo Pobre de mÃ! hoy, de haber vivido ayer! solo tengo el no tener las horas que ayer vivÃ:â€
Gran Via
O Outono traz de volta à Gran Via um movimento constante. É uma avenida que começa a ser do mundo . No meu percurso ,vindo dos Recoletos, cruzo-me com fatos de bom corte e longas patilhas , com rostos queimados da fome e do sol abrasador das terras de Incas e Astecas . Do outro lado da via uma bela mulher de pernas longas , fato elegante e beleza loura sem nacionalidade faz rodar algumas cabeças masculinas. As mais latinas acompanham a rotação com um franzir de sobrolho e um contrair dos lábios. Um, mais obsceno, lambe-se explicitamente. Sinto o momento de apreensão da urbanidade moderna quando avisto, às costas de um jovem de origem magrebina uma volumosa mochila. O olhar determinado pode esconder ensinamentos de madrassa. Uma sirene ao longe aumenta a inquietude. Passa por mim, nada acontece. Rodo o olhar e vejo que nas costas do blusão tem estampada uma imagem de Bob Marley. Modero o passo uns momentos para contemplar o contra-senso de um grupo de mulheres e homens a suarem num Spa com montra para a rua. Suar em bica com todos os escapes a encherem-te a goela e milhares de olhos a verem o liquefazer da caloria. Acendo um cigarro, mais fumo menos fumo. Ao retomar a marcha avisto-o ao longe. Andrajoso, velho e muito gasto pela miséria e pelo álcool. Cambaleia, dirigindo frases, em tom exaltado aos transeuntes. Expressões que não consigo ainda distinguir. O que me chama a atenção é a sua indumentária. Sapatos miseráveis, calças de cinza manchadas com Rioja barato mas ,acima de tudo, a camisa e a boina. A camisa é azul e embora uma peça de vestuário em estado lamentável, nota-se que é vestida com orgulho pelo vagabundo. A boina, essa é vermelha. O serpentear aleatório da multidão faz com que as nossas rotas se cruzem frente a frente. Pára, olha-me e profere entre um bafejo com muitos graus: - Viva La Muerte! Olhos nos olhos, encaro aquela figura patética. Aquele “recuerdo†triste de uma era vergonhosa, dá-me a volta ao estômago. Quando a minha boca se encontra em linha com o seu ouvido, inclino-me e amaldiçoo: - La puta de tu madre . Falangista Cabron! Empurro-o para o lado e sigo o meu caminho.
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