Antonio
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« em: Novembro 21, 2007, 13:54:03 » |
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O Joaquim Silva era um antigo militar da Guarda Nacional Republicana que deixou a actividade depois de ter sido acometido de um enfarte de miocárdio. Tinha cerca de sessenta anos e um corpanzil de gorila. Apesar de não ter muita instrução, possuÃa uma boa biblioteca de livros policiais que já lera mais de uma vez. Desde Poirot a Sherlock Holmes, passando por Maigret, todos os detectives da ficção policial eram os seus heróis. Por isso, quando se reformou, resolveu tornar-se detective privado. Tinha a sua pistola Beretta 81, calibre 7.65, e a máquina fotográfica Canon que, apesar de antiga e desactualizada, lhe servia muito bem para fotografar, até com zoom. Criou um espaço na sua casa térrea para instalar um pequeno escritório em cuja secretária estavam pousados uma máquina de escrever e um telefone além de outros objectos menos importantes. Não se entendia muito bem com essa coisa dos computadores pois isso era para a malta mais nova, dizia. Nas estantes, além de uns dossiers, lá estava a livralhada policial. E não se pode esquecer o velho Ford Fiesta preto, companheiro fundamental para cumprir as missões que encarava com todo o empenho, nem o telefone celular, novinho e capaz de tirar fotografias de forma mais discreta mas cujo manejo lhe dera muito trabalho a aprender. A mulher com quem casara em segundas núpcias, Olinda de seu nome, tinha menos treze anos do que ele. Trabalhava em casa fazendo uns bordados e umas rendas que depois vendia sobretudo para lojas, mas também para alguns particulares. O uso de betabloqueadores resultante do problema cardÃaco que tivera e o obrigava a uma medicação constante acentuara aquilo que a idade já gerara naturalmente: disfunção eréctil (a que ele chamava, com tristeza, “falta de tusaâ€). Mas lá Ãa consolando a sua Olinda como podia. Os seus clientes eram sobretudo esposas ou maridos que supunham andar a ser traÃdos. Quando o trabalho começava a faltar, punha um anúncio no jornal e não tardavam a aparecer mais umas investigações para executar. As revelações fotográficas eram feitas num fotógrafo profissional com quem fizera um pacto de silêncio. E assim se Ãa entretendo e ganhando mais algum dinheirinho, evitando ter de sobreviver somente com a curta pensão que recebia depois de tantos anos de dedicação à GNR. Com maior ou menor dificuldade Ãa resolvendo quasi todos os casos que lhe apareciam. Por vezes nada descobria de comprometedor e os clientes recusavam-se a pagar. - Se o senhor não descobriu que o meu marido me trai, é porque não fez o trabalho como devia ser, portanto não lhe pago rigorosamente nada – dizia-lhe uma madame. - Mas, minha senhora, se o seu marido lhe é fiel a senhora até devia estar feliz – ripostava, na sua bonomia, o detective Silva. - E quem é que lhe disse que eu queria que ele fosse fiel? – surpreendia-o a cliente. - Bom! Sendo assim, além de um detective, devia ter contratado uma menina que o seduzisse – ironizou o Joaquim. - Não quero saber das suas sugestões para nada. Não descobriu, não recebe! – e a madame fechou-lhe a porta na cara. E lá voaram uns patacos ao paciente investigador policial. No entanto, felizmente, a maioria dos contratantes cumpriam o que haviam acordado com o determinado e zeloso fã de Hercule Poirot.
Num belo fim de tarde de primavera, o Joaquim Silva entrou em casa satisfeito da vida. Foi dar um beijo na sua querida Olinda e depois sentou-se na confortável cadeira que usava para trabalhar na secretária. O correio do dia ainda lá estava pois não tivera tempo de vir a casa desde que saÃra, de manhã. Deu uma olhadela por tudo e começou por abrir um envelope que trazia um cheque. - Aqui está ele! Deu trabalho mas valeu a pena – pensou. - E que será isto? Não tem remetente! E abriu um envelope grande e mais pesado que o normal. Tirou um papel e umas fotografias. Começou a vê-las e por cada uma que via Ãa ficando mais branco e com uma cara perfeitamente aparvalhada. Não conseguiu olhar para todas. Pegou no papel que as acompanhavam e leu:
Caro detective Joaquim Silva: Contratei um colega seu para seguir o meu marido e, como pode ver pelas fotos que anexo, ele comprovou que a puta da sua mulher é amante do sacana do meu homem. Agora espero que dê umas cornadas na sua Olinda que eu vou fazer o mesmo com o safado do meu marido que, brevemente, será ex-marido.
O corpulento ex-GNR estava lÃvido e permaneceu durante um tempo indeterminado sentado na cadeira. Começou a ficar mal disposto. Sentiu uma dor no peito e no braço que lhe era familiar. Levantou-se, deu dois passos e caiu redondo no chão.
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