Antonio
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« em: Outubro 27, 2007, 18:06:12 » |
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Ano de 1958. Vivia eu na zona das Antas, bem perto do desaparecido estádio. Andava na 3ª classe. Um dos meus colegas era o Renato, filho único do Sr. Serafim e da D. Laura que moravam bem pertinho da escola. Esta famÃlia era bem nossa conhecida pois costumava ir veranear para Vila Praia de Âncora, alojando-se no hotel de minha tia Bela (na altura pensão). Era de lá que os conhecÃamos. Chegado a este ponto, não quero deixar de vos chamar a atenção para dois aspectos: O primeiro, o de esta narrativa ser absolutamente verÃdica, inclusivamente os nomes utilizados. Fiz essa opção, desta vez. O segundo, é que se estão a contar com uma novela policial, bem podem tirar o cavalinho da chuva. Nesse tipo de literatura o assassino só se descobre no fim, depois de o autor ter posto o leitor a suspeitar de quasi todas as personagens. Não posso deixar de recordar os imensos romances que li da famosa Agatha Christie em que o Hercule Poirot ou a Miss Marple, nomeadamente, me faziam só largar o livro depois de ter chegado ao fim. Mas, neste caso, não há nenhum suspense. Já sabem quem foi o assassino. Fui eu! Vamos então à história propriamente dita: Durante uma certa semana, o Renato não apareceu nas aulas. Estará doente, pensei. Chegou a sexta-feira e, mal entrei no edifÃcio escolar, comecei a ouvir: - Morreu o pai do Renato! - Morreu o pai do Renato! - Morreu o pai do Renato! Logo fiquei bem aborrecido pois, saber assim de supetão da morte de uma pessoa conhecida, e sobretudo com nove anitos, não deixa de ser um tanto traumatizante. A aula decorreu de forma um pouco esquisita, pelo menos foi o que me pareceu e, terminadas as lições do dia, fui para casa almoçar. A minha mãe abriu-me a porta e eu disparei de imediato: - Ó mamã! Morreu o pai do Renato! - O Sr. Serafim? Não me digas! Como é que soubeste? - Toda a gente na escola falava disso. - Coitado! E de que é que morreu? - Ouvi dizer que tinha sido de leucemia – apliquei-me a dizer uma palavra tão cara e que me dera algum trabalho a decorar. - Ah! Realmente ele sempre teve uma cor muito macilenta – comentou, inteligentemente, a mamã. Passados uns minutos chegou o meu pai. - Ó rapaz! E sabes quando é que ele faleceu? – perguntou-me ele. - Ouvi dizer que na 5ª feira. E o enterro foi hoje de manhã. - Então já foi o funeral! Agora só nos resta ir apresentar as condolências à viúva – decidiu rapidamente o papá. - E temos de avisar as pessoas – decidiu, de novo rapidamente como era seu hábito. E assim, a infausta notÃcia, ao inÃcio da tarde de sexta-feira propagou-se velozmente. Telefonema para aqui, telefonema para ali, ficou combinado que no domingo seguinte, depois do jogo do Porto, o Sr. Oliveira, amigo de ambas as famÃlias e que também Ãa a banhos para a vila minhota onde minha mãe nascera, bem como o meu primo Zé, segundo filho da minha tia Bela que estava a estudar Economia (melhor seria chamar-lhe Gastadoria), viriam ter a nossa casa para depois irem os três a casa do Renato apresentar os pêsames à viúva. E assim chegamos a domingo. Pouco antes da hora de comer, tocou a campainha. Era o Zé. Grande calmeirão, um verdadeiro “senhor-de-não-te-rales†que quando ficava atrapalhado gaguejava um pouco. Vinha, como habitualmente aos domingos, almoçar connosco. Aberta a porta, disse ele: - Sabem que ontem à tarde ia morrendo de susto? – solavanqueou . - Mas porquê? – perguntou o pai. - Vi o morto a passear em Santa Catarina – desabafou o coitado, ainda visivelmente afectado pela visão de um morto-vivo. - Mas como é possÃvel? Ele está vivo? Tu tens a certeza que ouviste bem? – atirou-me o pai com cara de poucos amigos. - Ouvi! Todos diziam “morreu o pai do Renatoâ€. - Bom! Vamos tirar isso a limpo. Ó mulher! Chega-me daà a lista telefónica! – ordenou o chefe da famÃlia. E passado um pouco, estava o meu pai a falar ao telefone com o morto-vivo, arranjando um pretexto qualquer para tão inopinado contacto. Enfim, estava tudo esclarecido! Tudo, não! Afinal porque é que toda a malta da escola dizia que tinha morrido o pai do Renato? Isso já seria mistério para eu desvendar. O resto do dia decorreu com a normalidade de um domingo de futebol. O Porto ganhou, o que era sempre bom para os humores estarem do lado positivo, Ah…já agora fiquem a saber que o Sr. Oliveira não tinha sido avisado de que o morto afinal estava vivo, pelo que depois do jogo apareceu vestido de escuro e gravata preta. - Ó amigo! Afinal o Serafim está vivo! – informou o meu progenitor. - Como? – balbuciou o Oliveira com a maior cara de parvo que se pode fazer. E lá lhe contaram a história. Afinal, a “morte†do Serafim tinha dado azo, não a uma romagem a casa da "viúva", com lágrimas e lamentações, mas a umas boas risadas. Na segunda-feira, perguntei a uns colegas se o pai do Renato Nuno sempre tinha morrido. Não! Afinal tinha sido o de um outro Renato, de que eu nunca ouvira falar e que vivia numa área um pouco afastada da minha casa, mas que era bem conhecido de muitos alunos que viviam para esses lados, embora ele fosse mais velho e não andasse naquela escola. Estão agora a perceber como é que eu, durante quasi quarenta e oito horas, fui o “assassino†de um pacato cidadão?
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