Com licença - eu tive um avô americano. Chamava-se Opkinson, mas durante a infância chamei-lhe sempre Óbinsão, ou uma caterva de nomes inverosímeis, palavras inglesas que eu adaptava conforme podia.
- Pedro Eiras, Os Três Desejos de Octávio C.
Mais um novíssimo livro practicamente acabado de chegar ao mercado editorial português, passa também pelas minhas mãos. Desta vez foi Pedro Eiras, jovem dramaturgo, ficcionista e ensaísta português, que escreveu
Os Três Desejos de Octávio C.. Pedro Eiras é sem dúvida um dos nomes a reter, se já não o foi, uma vez que ganhou, em 2006, o Prémio Pen Clube Português do Ensaio com a sua obra
Esquecer Fausto. A fragmentação do sujeito em Raul Brandão, Fernando Pessoa, Herberto Helder e Maria Gabriela Llansol.
Os Três Desejos de Octávio C. são isso mesmo - os três desejos que um jovem funcionário público, altruísta, ou assim ele pensava, pede a um génio de uma lâmpada que o seu falecido avô lhe enviara. O livro começa precisamente com o excerto acima, uma frase que considero uma brilhante abertura, onde Octávio conta como era a relação com o seu estranho avô e como a lâmpada lhe vem parar às mãos. Octávio adormece e o génio aparece-lhe em sonho - para evitar complicações, segundo explicações do próprio - e concede-lhe os tradicionais três desejos que, no entanto, não podem ser realizados todos ao mesmo tempo mas com pelo menos vinte e quatro horas de intervalo. Como todos, Octávio pensa primeiro em desejar para si próprio, o génio chega até a incentivá-lo a pedir o amor de uma colega de trabalho, a frágil Anabela. Mas Octávio acaba por considerar isso demasiado egoísta e prefere fazer uma lista com desejos que considera de superior interesse para a humanidade - embora lhe pareçam mais fazer parte de uma redacção da escola primária. Pede o primeiro desejo e no dia seguinte vê as nefastas consequências do pedido que, julgava ele, seria bom. No entanto mantém a lista e na noite seguinte deseja o segundo item, e o mesmo na noite terceira. O pobre homem não imaginava as consequências que tão simples pedidos poderiam ter na humanidade.
O livro está carregado de simbolismos - vejamos por exemplo o emprego de Octávio, que trabalha nos divórcios de uma conservatória. Conservatória essa que está localizada na rua das Parcas, as mesmas que na mitologia teciam a vida e a morte, e que tem a secção dos óbitos escondida das outras secções, mais alegres por assim dizer. E claro, a secção da morte está obviamente regida por um velho que conhece a vida, o Sr. Honório, que acredita que o futuro já está escrito no passado e que cabe à humanidade lê-lo e adaptá-lo para não repetir os erros. A crítica está também bem clara, aliás, todo este livro é, permitam-me a redundância, um livro aberto nos seus propósitos. Enquanto o mundo entra em colapso, ouvem-se entrecortadas nas notícias aterradoras, o Vaticano a apelar à calma. Apenas.
A tese que embrulha a história é clara e irónica: não adianta fazer nada pela humanidade. Ou completando e retirando a ironia, não adianta tentar fazer nada pela humanidade se não conseguirmos fazer nada por nós próprios. Octávio acaba por perceber que os seus supostos desejos altruístas não eram assim tão altruístas quanto isso porque se baseavam nos seus próprios medos.
O que não funciona muito bem, na minha opinião, no texto são as constantes citações dos meios de comunicação - uma vez que a narração é feita na primeira pessoa, num discurso triste e quase patético do pobre Octávio, as citações soam a um meio fácil de fugir aos problemas que uma citação indirecta, por parte do personagem, poderia trazer, ou seja, se Octávio narrasse as notícias que via na televisão ver-se-ia forçado a reflectir sobre elas. Além do mais, são demasiado extensas e soam irreais enquanto notícias, o que acaba por distrair o leitor do resto da narrativa. Talvez a intenção tenha sido não levar Octávio a reflectir sobre os seus desejos mas antes levar o leitor a fazê-lo - nesse aspecto funciona. Mas o que se ganha em interacção perde-se em beleza literária. Também todo o imaginário do génio da lâmpada mágica não me atrai muito - mas isto trata-se apenas de um gosto pessoal que em nada prejudica a história e a mensagem.
O que eu não gosto, de todo, é do pormenor do asteróide. É um pormenor, de acordo, mas que tira seriedade a história, que apesar da leveza da linguagem é grave, e, não sei bem porquê, o seu nome, XB-43, remete-me para o imaginário do Tintim, o que, por alguma razão, não liga muito bem com génios em lâmpadas para mim.
Nota-se uma certa influência Saramaguiana ao nível da temática e do enredo, ou seja, um funcionário burocrático tem a hipótese de mudar a história e a humanidade (
Todos os Nomes,
História do Cerco de Lisboa) e de Gonçalo M. Tavares ao nível da linguagem, clara e, no entanto, bela (apesar de aqui as minhas conclusões se basearem mais na obra anterior de Pedro Eiras do que da simples análise deste texto).
Os Três Desejos de Octávio C. é um livro ambicioso na temática e talvez por isso saiba a pouco quando se chega ao fim. Era de esperar uma obra de maior fôlego para tratar uma questão desta dificuldade. Ou talvez também aqui se esconda a mensagem do autor, não duvido que seja deliberado, que reafirma até pela estrutura externa da história, de que a vida é mais simples do que se pensa e complicada de mais para se tentar mudar.
Os Três Desejos de Octávio C. não são mais do que os desejos da humanidade - a humanidade é que talvez já se devia ter apercebido que isto não vai lá com desejos.
Escrito originalmente aqui.