NELO INVENTOR

Desde muito miúdo que se habituara a inventar, mesmo que os inventos se destinassem à partida ao caixote do lixo depois de um período de quarentena debaixo da cama, escondidos dos pais por receio de represálias, dos primos por inveja e dos colegas por plágio. A sua capacidade inventiva era tal que se estendia
do material ao imaginário.
Atingiu o auge da fama aos sete anos quando através duma história bem contada conseguiu colocar toda a vizinhança de olhos postos dia e noite nas grades para entrada e saída dos esgotos para descobrirem os - homens que ele tinha visto passearem por debaixo do chão carregando crianças debaixo dos braços.- Só desistiram quando o Sôr Afonso, aposentado da guarda mas cultivando sempre que tinha oportunidade o espírito e as táticas de investigação dos seus tempos no activo, acabou por descobrir que se tratava dos funcionários da companhia dos telefones em trabalhos de manutenção.
Mas Nelo não desanimou nem desistiu. Muito pelo contrário. Atirou-se a inventar numa velocidade feroz. Mesmo violenta. Foi quando inventou a primeira lanterna sem pilhas nem carga nem coisa alguma que produzia um foco de luz intenso, principalmente nos dias de sol. Reduzida a um simples espelho que virado contra a luz tudo iluminava à sua frente. Abandonou o invento quando os viu à venda na drogaria do Sr. Américo.E desistiu porque não desejava entrar em letígio fosse com quem fosse.
Inventou também um bebedouro controlado à distância para toda e qualquer pocilga, com um alcance duma mangueira de dez a quinze metros, destruído ao fim de duas horas de teste pelo estúpido do Ricardo, porco que ele escolhera para cobaia.
E seguiram-se muitos mais. Uma faca que cortava de ambos os lados quando com os mesmos afiados, um carro de bébé com airbags produzidos com almofadas para protecção dos bébés quando largados rua abaixo, uma esferográfica que só deixava as letras, algarismos ou mesmo desenhos, quando pressionada sobre o papel, giz ecológico a partir dos restos de cal desperdiçados pelos trolhas, um carrinho de pesca adaptado duma bobine vazia de adesivo e um carro de rolamentos que descia as subidas de marcha-atrás.
E foi este seu invento que mais inveja e polémica gerou, ao ponto de Nelo ter gasto meses e meses e aperfeiçoá-lo. Como? Tinha de inventar um sistema que permitisse reduzir a velocidade nas descidas sem o habitual recurso ao raspar das solas dos sapatos no piso das calçadas. E surgiu-lhe um sistema tipo abs que ainda nenhum colega tinha inventado.
Vivia obcecado com tal objectivo ao ponto de quase perder o ano lectivo por reduzido aproveitamento, valera-lhe a professora de Ciências, muito sua amiga e entusiasta dos seus inventos que conseguiu comover os colegas a passarem-no de ano.
Depois de tanto pensar, tanto desenhar, construir e testar, chegou finalmente ao resultado que superou largamente o ambicionado propósito de reduzir a velocidade nas descidas. O seu invento permitia mesmo a paragem a imobilização total do carro.
E como?
Simplesmente munindo-os de rodas quadradas.