TERESÓPOLIS

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

 
TERESÓPOLIS

   Há muito tinha vontade de conhecer o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. O professor de Ciências sempre falava do lugar em suas aulas inesquecíveis. Fazia, inclusive, excursões para o local. Nunca me permitiam participar. Em casa tinham mania de achar tudo perigoso. Se fôssemos para a cidade, seríamos pisoteados. Por conta dessa ideia fixa da multidão atropeladora, não pude assistir à ópera Aída, de Verti, na Quinta da Boa Vista na década de 1980. Algo difícil de se perdoar, pois a montagem incluía a entrada de um barco em cena num canal de verdade nos jardins do parque. Um amigo meu assistiu e me contou tudo anos mais tarde. Esse não foi o único passeio que me impediram de participar. Não poderíamos ir a nenhuma floresta porque iríamos nos perder e morreríamos com fome e sede. Durante anos o professor organizava saídas para os parques nacionais fluminenses. Quando resolveram nos deixar ir, não quis viajar porque prometera comparecer ao possível último aniversário da minha tia mais velha. Graças a Deus ela vive até hoje. Perdi a oportunidade à-toa.
   Os anos passam e vamos conhecendo outros lugares. Outras pessoas. Meus pais já não nos vêem mais sendo pisoteados. Já podia sair sozinho aos dezoito anos com uma irmã de quinze e um irmão de treze para assistir ao Balé Bolshoi e ao Berioska quando em excursão pelo Brasil na mesma Quinta da Boa Vista próximo do mesmo lago navegado pelos barcos egípcios de Aída. Talvez fôssemos hebreus fugindo através do Mar Vermelho. Não. Vermelho só o da antiga União Soviética. Ficávamos absortos diante de cada movimento dos bailarinos em cena. Outra saída que fiz com minha irmã foi para comemorar os duzentos anos da Revolução Francesa no Aterro do Flamengo. Jorge Daum dançou ao som do Bolero de Ravel em coreografia de Maurice Bejar num palco montado no Parque. Era um pedaço da França no Brasil. Qualquer dia desses contarei o episódio.
Essas divagações são somente para mostrar quanto os pais podem ser ilógicos (e os filhos idem). Os escritores também. Já há dois parágrafos que não paro de escrever e nada de chegar a Teresópolis.  Daqui a pouco você entenderá melhor. Vamos entrar no ônibus. Eu te explico durante a viagem.
   Meus amigos professores da escola onde leciono organizaram um passeio ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos com entrada pela sede de Teresópolis. Eu não poderia ficar de fora. Ainda mais com alunos meus participando. Não tinha ideia de como é bonito o parque. Fizemos uma trilha leve de uma hora e meia. Víamos da mata o Dedo de Deus. Subimos até chegarmos a um mirante incrustado no meio da floresta. De lá observamos, entre nuvens transpassadas, outros picos na cadeia montanhosa. A visão era de tirar o fôlego e fazia valer cada passo dado. Os alunos estavam radiantes. As câmeras digitais não paravam (inclusive a minha). Naquele momento não éramos mais professores e alunos, mas um grupo de amigos. Senti-me como um deles. Às vezes faço isso. Paro de olhar para mim e me junto aos meus adolescentes. Enquanto não me vejo e o clima está calmo, parecemos da mesma idade (Isso na minha cabeça, claro!). Ao primeiro som de “Professor, posso tirar uma foto com o senhor?” caio na realidade. Sou um quase quarentão metido a garoto. O pior é quando vejo a fotografia e constato o quanto estou distante deles. Pareço enorme diante das suas silhuetas esguias mesmo sendo magro. A compleição física é diferente. A postura corporal nas poses é diferente. Não tenho a mesma idade deles. Mas tenho uma coisa maravilhosa. A capacidade de me adaptar aos mais jovens e aos mais velhos. Nisso somos praticamente iguais. Outra coisa que nos aproxima são o apreço pela natureza e a alegria de viver. Humor para mim é fundamental. Quando estou em companhia de gente cheia de energia, parece que absorvo um pouco de vitalidade para mim. Sinto o mesmo em relação aos meus colegas de trabalho. Somos tratados de forma muito carinhosa por nossos alunos. Saí de novo do foco Vamos voltar pro parque.
Já descemos a trilha. Encontramos com o outro grupo que resolveu fazer uma trilha menos cansativa. Descemos pela estrada asfaltada até o lago. A água estava geladíssima. Uma parte dos alunos tomou banho assim mesmo. Entrei mais senti as pernas congelarem. Sai rapidinho e fui conversar com os colegas. Um deles havia levado bolo de maracujá (receita da sua esposa). Andamos um bocado ao redor da água vendo nossos pupilos contentes. Naquele dia ganhamos mais alguns anos de vida. Estavam tão felizes e leves. O ar facilitava a respiração. O verde incrível. Os olhos descansavam. O cheiro da erva fresca entrava por nós como perfume inebriante.  Estaria entorpecido? Sinceramente não sei. Vi a mim há mais de vinte anos atrás saindo do colégio com meu professor e meus colegas. Na realidade, saí do colégio com meus colegas. E onde estava meu professor? Eu deveria perguntar onde estavam meus professores. Porque estavam todos lá. Eram mais de quarenta. Com suas espinhas e tênis coloridos cada um deles me ensinava a ser mais generoso como generosa é a natureza. Ensinavam-me a ser ousado como ousado é o vento que desgrenha os cabelos e levanta saias. Aprendi com eles a rir mais. Aprendi a chorar sem vergonha quando emocionado. Aprendi a não ser tão severo diante da vida e dos obstáculos. Somos lindos a despeito de nossos traços. Somos fortes independentemente do volume dos músculos e ricos mesmo com poucas moedas na carteira. Eles me contagiaram e por isso escrevi em 2010 reparando a falta dos anos oitenta. Finalmente havia entrado no parque! Diverti-me a valer. Descemos e comemos numa lanchonete com os sabores da Serra. Queijos e doces que não costumamos ver em nossa cidade são regalos! Descemos mais e mais. Chegamos a nossa origem. Assisti a uma reunião no ateliê. Confesso que nunca senti meu corpo tão solto numa cadeira. Quase levitei. O garoto de outrora recupera o tempo perdido. Na mesa não há madalenas. A toalha é verde. O suco de um amarelo dourado. Ouvi a tudo numa paz azul. Toda tensão sumira em brancas nuvens na serra.

[helenacosta]

 Oswaldo,

 Ao ler seu texto, vivi cada momento deste magnífico passeio.Senti-me completamente integrada no grupo.
 Já estive em Teresópolis e adorei. Pena não ter conhecido essa bela paisagem.

 Beijo

 Helena

[CAMPISTA CABRAL]

Olá Oswaldo!

Que belo passeio hein? Realmente foi um dia insquecível!! Precisamos agora é marcarmos de vez a ida para Petrópolis!

Um grande abraço!

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Oi, Helena!

Que bom que você conhece essa terra belíssima onde mora o Cabral e por onde passo para visitar minha família. Lá é tudo muito bonito e significativo para mim desde a infância.

Beijos da Serra para você.

Oi, Cabral!

Realmente foi uma das melhores saídas que fizemos com nossos alunos. Tomara que o sucesso se repita em Petrópolis. Estou aguardando para poder criar outra crônica.

Abração...

[Goreti Dias]

Se vossos passeios dão origem a tão belas crónicas, passeiem muito, muito mesmo!
Abraço

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Estamos passeando mesmo.
Beijos...

[Manuela Matos]

Olá Oswaldo!

Acabei de fazer esta "viagem maravilhosa" por TERESÓPOLIS e acredite, que pena, já ter chegado ao fim...
Dizem que seu país tem paisagens lindíssimas que eu certamente nunca irei conhecer. mas com o seu entusiasmo consegui vizualizar tudo ao pormenor.
Bjs. Nela

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Manuela, tenho de te corrigir. O país não é só meu. É seu também assim como Portugal é nosso. Somos uma só nação separada por uma porção d'água chamada Oceano Atlântico.
Teresópolis é apenas um grãozinho de areia se comparado ao país todo, que ainda não conheço. Já estive em treze das vinte e sete Unidades da Federação (e ainda falta muito para dizer "Conheço tudo").
Nunca diga nunca. Faça planos de vir ao Brasil. Você não vai se arrepender. Eu também sei que não me arrependerei quando estiver no meu querido Portugal dos meus antepassados.

Beijo grande (aproveite para descobrir outras cidades brasileiras no Escritartes. Entre elas, Paraty, um espetáculo, uma microveneza dos trópicos).

Beijos...

Abaixo fotos de Paraty (Sul do Rio de Janeiro, vizinha ao Estado de São Paulo)

[marcopintoc]

Bom texto que , como uma boa crónica o deve ser , partilha a experiência e a perceção do autor.
Abraço

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Muito honrado fico com seu comentário, Marcopintoc.

Abraço para você também.

[Guacira]

Muito boa, mesmo!  Já fui a muitos lugares lindos da Serra, mas não a Teresópolis...
Entretanto, fui um pouco hoje por suas mãos.
Parabens!
Beijo, Guacira.

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Aproveite sua estada no Rio e suba até Teresópolis. É pertinho. Tome um ônibus ou alugue um carro e vá até lá. São pouco mais de 1h30min. Vale a pena (ainda mais que sua alma não é pequena [rsrs])

Experimente e depois me conte.

Beijos...

[Goreti Dias]

Vim espreitar as novas fotos! Deliciosas!

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Goreti, que bom saber que gostou das fotos. Paraty é muito linda. Foi construída por portugueses no século XVII. Já fui inúmeras vezes, mas parece que sempre é a primeira vez.

Abraço

[valeriasoares]

Nasci em Teresópolis. Cresci em Teresópolis. Moro em Teresópolis!
Passei dias maravilhosos na infância fazendo piqueniques no Parque Nacional. Até hoje visito o Parque. Agora gosto mais dele no inverno, quando o número de visitantes é menor e a claridade do céu permite uma visão sem par.
Muito bom ler o seu texto. Fiquei orgulhosa!
Abraços.

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Que bom ter proporcionado uma leitura agradável, Valéria. Fico feliz!

Abraços...

Oswaldo