Fui sempre o que senti...

[Vóny Ferreira]

As nuvens acercam-se de mim, por mais que o sol brilhe lá fora,e eu perplexa, olho para elas com a nostalgia de quem se senta na relva
ressequida pela fúria escaldante de um verão castigador.
O meu cansaço tem a amplitude do horizonte esquivo. Olho o que me rodeia e sinto náuseas, um vazio colossal. Sinto esse cansaço estranhamente ondulante,entre a névoa húmida do tempo que faz cócegas, teimosamente ao meu olhar apático.
Ocorre-me um pensamento fugaz:
- Porque dou importância ao que efectivamente não tem?

...Sempre achei indesculpável esta minha sensibilidade de baleia em sofrimento, que me faz sentar muitas vezes no fundo de um poço,com o mesmo medo aterrador que tinha em criança,
nos trovejantes Invernos de outrora.
Por vezes, não sei, se choro por dentro ou por fora. Se arranco o passado da memória para ver o que me espera o futuro.
Se busco (inconscientemente) na parte de mim carente,a menina vestida de branco que me visita a alma ainda, envergando o mesmo xaile amarrotado pela solidão da avó Júlia, louca, deitada numa cama a chorar como quem reza...
Transfiro-me para esses dias castigadores, húmidos, rendilhados de silêncios sórdidos. De perguntas contínuas, sem respostas.
Talvez o meu fatídico destino se transformasse inevitavelmente num amontoado de palavras inúteis, que fui arrancando à alma revestida de acácias, para as abandonar logo depois nas brancas folhas dos cadernos da escola, onde devia imperar apenas o ABC dos básicos ensinamentos que me eram incutidos.
Cedo, transformei as letras, as palavras que ia bordando no papel em pensamentos desconexos, elegi-os nos meus únicos amigos. Nos mais confiáveis.
O que fez a vida dos meus sonhos e do meu imaginário sem fronteiras?
Porque falei sempre baixo, quase em sussurro,como se tivesse medo que me ouvissem?
Como se só encontrasse amizade verdadeira no outro lado invisível de mim?
Inventei sempre amigas ao meu lado quando estava só e triste. Quando me sentia alegre, dispensava-as. Continuava só com a minha sombra.
Loucura eminente de quem aprendeu depressa que os amigos são raros?
Nasci num berço de palha. Esse não é o meu maior lamento. Mas sim o frio que tive que suportar muitas vez, quando o postigo rangente se recusava a fechar. Mais importante do que o frio da noite, era o facto de poder ver nas noites de verão o céu bordado de estrelas e a lua a espreitar luminosa, como se fosse uma Deusa que me oferecia o seu colo minguante.
Esses... sim, foram os meus primeiros grandes amigos, os que mais me fascinaram.
Hoje eu sei que a inexistência, do que planeamos só para não nos sentirmos tão sós, é uma espécie de sobrevivência mental e física. Só se torna em fracasso, a partir do momento em que deixamos de acreditar nessa mesma mistificação.
- Não há realidade que se compadeça de quem se veste de lirismo, para quem se habituou a ser feliz com as alucinações da alma.
Nascer Poeta é um pouco dessa loucura?
Nunca mo explicaram e agora já não busco respostas para as minhas duvidas.

Fui sempre o que senti não sendo jamais o que os outros viram.
Essa é a única certeza que ainda permanece dentro de mim, firme como uma rocha.

(VÓNY FERREIRA)

[Goreti Dias]

Muito poética esta saudade!
Bj

[M. Nogueira Borges]

SÓ A ALMA JUSTIFICA A ESCRITA....

[Vóny Ferreira]

Sabe?
Já nem me lembrava deste escrito.
Aqui passou despercebido, talvez por
não conseguir exprimir o que me ia
na alma no momento em que o escrevi.
Aproveitei para o rectificar, e mudar o
título, recriando as minhas próprias palavras.
Grata por me incentivar a fazê-lo...
Vóny Ferreira

[Tere Tavares]

Vóny
Re-ver escrituras ...como é bom fazer isso.
"Fui sempre o que senti não sendo jamais o que os outros viram".
Esse verso par amim foi o mais contundente sem desintegrar a beleza do conjunto, claro.
Parabéns

[Vóny Ferreira]

Tere, muito obrigada.
Na verdade sempre pensei isso...
"Fui sempre o que senti não sendo jamais o que os outros viram".
Abraço
Vóny Ferreira

[Guita Pimpolho Mc]

Ok muito giro! Parabéns!

[Vóny Ferreira]

Ok, muito obrigada!

[Manuela Matos]

Olá Vóny!

Acabei de ler o seu texto.
Sabe, chego à conclusão que todas nós temos dúvidas,
interrogações, lamentos, questões não respondidas...
Apreciei a maneira como se exprimiu, deixando transparecer
de uma forma tão real o que lhe vai na alma!...
Parabéns.
Bjs. Manela

[Eduarda]

Vóny,

Uma viagem pelas memórias reais e pelas dúvidas que acercam o poeta.

O desassossego de quem não mostra aos outros o que lhe vai na alma, mas que o escreve de uma maneira sublime.

bj
eduarda

[Vóny Ferreira]

Manuela e Eduarda,
feliz e aquele que ao escrever consegue
desanuviar um pouco o que lhe vai na alma.
Grata.
Bjs
Vony Ferreira

[marcopintoc]

Mesmo na prosa a marca da autora é visível perante o envolvimento poético que consegue dar a todo o texto.O dilema com que termina é fonte de reflexão.
Abraço
Marco

[Vóny Ferreira]

Marco,
sinto-me lisonjeada pelas
suas palavras
Muito obrigada
Abraço
Vóny Ferreira

[Guacira]

Olá,

sem dúvida um texto que transita em estados da alma como, de resto, acontece a todos nós; mas na percepção do poeta ele se reveste de uma incrível beleza escapulindo do peso do drama, embora desnudando o dilema que em algum momento afeta a todos nós também...
Eu gostei muito!
Beijo.
Guacira.

[Vóny Ferreira]

Guacira,
os meus sinceros agradecimentos.
Bj
Vóny Ferreira