gdec2001
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« em: Junho 27, 2010, 00:14:45 » |
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... Quando Amadis se viu em frente de sua senhora, o coração saltava-lhe no peito, guiando os olhos. para que olhassem a cousa do Mundo que ele mais amava. Chegou-se a ela com muita humildade. Oriana saudou-o e, estendendo-lhe as mãos por entre as pontas do manto, tomou as dele, apertou-as em sinal de o abraçar, e disse-lhe: - Meu amigo, que pena e que aflição me fez passar aquele traidor que trouxe as novas da vossa morte! Podeis crer que nunca mulher esteve em tanto perigo como eu! E certamente, amigo e senhor, isto era com razão, porque nunca ninguém fizera tão grande perda como eu, perdendo a vós: que assim como sou mais amada que todas as outras, assim quis minha boa ventura que o fosse daquele que mais que todos vale. Quando Amadis assim se ouviu louvar de sua senhora, baixou os olhos a terra, não ousando olhá-la: parecia-lhe tão formosa, que os sentidos, alterados, lhe fizeram morrer as palavras na boca. E não pôde responder. Oriana, que tinha os olhos cravados nele, logo o conheceu e disse: - Ai, amigo e senhor! Como não vos havia eu de amar sobre todas as cousas, pois todos quantos vos conhecem vos amam e têm em alto apreço? Sendo eu aquela que amais e prezais, em muito mais que todos eles é razão que eu vos tenha. Amadis, que já estava mais refeito do seu enleio, disse-lhe: - Senhora, peço-vos que vos condoais daquela morte dolorosa que cada dia por vós padeço; que da outra, verdadeira, se ela me viesse, acharia nela grande descanso e consolação. Senhora, se este meu triste coração não fosse amparado daquele grande desejo que tem de servir-vos - que contra as muitas e amargas lágrimas que dele saem resiste sua grande força - já em elas seria de todo desfeito e consumido. Não porque deixe de conhecer serem já os seus mortais desejos em boa parte satisfeitos, pois que vos recordais dele; mas, como para a grandeza da sua necessidade se requer maior mercê da que lhe dais, para ser sustido e amparado, se essa não vier prestes, muito em breve será chegado a seu cruel fim. Dizendo Amadis estas palavras, as lágrimas caíam-lhe em fio pelas faces, sem que ninguém lhe pudesse dar remédio. Nesse instante ele era tão coitado que, se aquele verdadeiro amor, que lhe causava tais penas, o não consolasse com a esperança que em semelhantes transes costuma dar aos seus subjugados, não seria de maravilhar se a alma se lhe despedisse mesmo ali, na presença de sua senhora. - Ai, meu amigo - disse Oriana - por Deus não me faleis em vossa morte, que o coração me falece, como aqueIa que, sem vós, não esperaria viver uma única hora! Se eu tenho gosto no Mundo, é por vós, que nele viveis. Isto que me dizeis, sem dúvida o creio eu por mim própria, que me encontro no mesmo estado que vós. E se a vossa pena parece maior que a minha, é porque, sendo em mim o querer, como é em vós, e faltando-me o poder, que a vós não falta, para trazer a efeito aquilo que os nossos corações tanto desejam, muito maior que em mim se mostra em vós o amor e a dor. Contudo, como quer que seja, eu vos prometo que, se a fortuna ou o meu engenho nos não mostrarem algum modo de descanso, a minha fraca ousadia saberá encontrá-lo. Se disso nos vier perigo, seja antes com desamor de meu pai, minha mãe e outros; melhor seria que estarmos como estamos agora, suspensos, padecendo e sofrendo tão graves e cruéis desejos, que cada dia vão aumentando. Amadis, ao ouvir isto, suspirou e quis falar, mas não pôde; ela, parecendo-lhe que estava todo transportado, tomou-o pela mão, achegou-o a si e disse-lhe: - Amigo e senhor, não vos desconforteis,,,,que eu cumprirei a promessa que vos faço. Entretanto, ficai para assistirdes a estas cortes que el-rei meu pai quer fazer. Ele próprio vo-lo pedirá, pois sabe quanto convosco serão honradas e engrandecidas.
(Amadis de Gaula, livro I, cap.30):
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