‘Juntos para sempre. Aferrados para sempre. Na procura da Terra do Nunca. Vívidos na escória das gentes.’ Duas das pessoas que Ujjwala com aquelas palavras rememorava de vez em vez quando sorria. Lembrando Nova Délhi, emancipando os trajes coloridos, a tecedura exótica da túnica, os famosos ‘mandalas’ e ‘mantras’ que são a única representação visual e auditiva vibrante de Deus na Terra, o elo divindade, das linhas pitorescas da obra do Criador, a única que os famosos hippies se davam ao trabalho de pintar nas Vans e nas paredes das ruas. Porém de hippies ela nada sabia, nem queria ter paranóias ao ponto de chegar a essa famosa conexão, uma vez que ela as rememorava num tom místico, religioso, de feições aos templos provectos, cuja peça a peça fora construída por coolie a coolie, numa sintonia difícil de compreender para a sua fase.
Mas naquela altura, sob o espectro da estrela iluminadora, meditava em frente a uma mesa de culto, o cheio a sândalo, as velas acesas, imagens de Deus, rodeada pela frescura das árvores, ao ar livro. Evitava o pensamento agarrado ao mundo real, abstraída em algo que nenhuma carne entende, que fica fora dos cinco sentidos. Todavia alguém interrompe. Alguém que nunca provara aquele estado, desconhecedor, alguém que os humanos chamariam de infiel, que os católicos chamariam de estrangeiro, que os astecas chamariam de Deus, que os ateus chamariam de moderno de propício a diálogos, mas que Ujjwala chamaria de alguém vazio de espírito, alguém que pelo ideal Hindu não puderia evitar mas que precisava de um guia, de uma chama, de uma candeia de sentimentos, que precisava da energia ininteligível Hindu que partilhava estados de consciência indescritíveis, o fundamentalismo do bem, das linhas que unem todo o ser vivo existente, uma a uma afiando uma cor característica, que quando nos damos com muita gente se agregam dando um fruto que os orientais ascéticos designaram de aura.
Um dinamismo negativo, de roupas de quem era agarrado à vida material, aos bens, ao estar e parecer, à ideia contrafeita de que bares, discotecas e cafés são os sítios para que se confraternize e sejamos sociais quando foram construídos na maioria das vezes sem qualquer aposentação espiritual, pois claramente Ujjwala reconhecia que as dificuldades da vida e do mundo material não se curavam a pagar cêntimos por uma bebida que nada proporciona além de estupidez, além disso é o vazio e haver sempre a energia negativa do ‘barman’ que pensa no lucro e no fingimento, na ideia de receber primeiro para que se dê, em outros terem iniciativa, em haver alguém que entre pela porta ou tenha respondido à publicidade daquele local que nada emite sobre as origens dos seres vivos existentes à superfície neste segundo, neste instante, nesta pequena plebe do tempo que nada é comparada com o segundo, o ‘barman’ aposentador de nunca tomar a iniciativa daquela bondade que todos ali procuram entre o grupo de conhecidos ou desconhecidos como a pessoa que se apaixona e que apresenta todos os sintomas da criação da natureza que luta pela pessoa que ama e ajuda o mundo para que consiga equilibrar a balança da felicidade e bem-estar no ponto de estabilidade que marca a igualdade entre a alegria que sentiremos e o que demos a sentir a todo o ser vivo existente, o ‘barman’ que tanto atende pessoas endinheiradas, capazes de descarregar trocos nada ressentidos, como perdidos da vida que o pouco que têm gastam em malefícios.
Nada disso Ujjwala era capaz de consentir. Via-se a mausoléus de distância que os olhos de Ujjwala brilhavam no requinte da clemência humana, incapaz de repugnar pessoas más ou boas ou de as excluir ou de lhes dar um tratamento diferente, estando consciente disso tudo em pé de igualdade porque como humana sorumbática era Ujjwwala que vestia um traje da Índia, que guiavam as almas perdidas pelas florestas em torno os templos, e tinha uma bracelete escura que ajudava a prender o cabelo juntamente com um gancho e uma fita para o rabo-de-cavalo, sandálias que mostravam as unhas pintadas e a pele morena, o Shanglon na testa, a adoração constante a Brahman, que nas conversas práticas reconhecia como aliado a Shiva, posto que não há criação sem destruição, as braceletes nos braços, de metal, fechadas e semi fechadas, em forma de toro, e outras nem tanto, e com uma muito especial que recebera na celebração de Thaipusam.
Mas aquele sentimento de retracção, fora da espiritualidade da Índia cerrada, longe, naquele estado de recordar agora em desarmonia com a adoração que praticava Nova Délhi, Daegal e Uttara, dois amigos de Calcutá que tiveram uma relação de amor verdadeiro, imprimia-lhe uma sensação oposta ao ser humano céptico que lhe interrompera a meditação com o intuito de lhe pedir uma indicação, a verdadeira metáfora que qualquer incrédulo apresaria na busca de um caminho. Ela estaria apta para lhe falar sobre as suas crenças, a sua filosofia de vida, a sabedoria dos escritos, as falas impressas em letras, em ilustrações do subconsciente dos antigos sábios, dos escrivãs, no entanto sorria-lhe, não controlando o sorriso de harmonia, que agitavam os seus fios e transformavam numa aura agitada de campos de energia que vibrava constantemente, enrodilhada em desenhos parecidos a figuras matemáticas chamadas de fractais, que figuravam a sua consciência e emoções a modificar a cada segundo, num festejo de divindade, estados de percepção e que faziam parar o tempo, dando-lhe todas as boas sensações da vida ao peito e coração naquela fracção de segundo. Era o amor, as flores de todas as cores que fluíam em torno da sua alma, a fonte luminosa que incandesce algo que nenhuma palavra ou livro ou biblioteca ou biblioteca de todas as bibliotecas seria capaz de explicar durante uma vida, o amor, a fonte do sentir que estremecia a sua Salwar Kameez, esventrando-a e deixando-a pousar ao sabor do vento, do agitar das folhas das árvores, o amor que se estabelecia com o desconhecido, os fios que puxavam o tal ocidental até a um local de culto, a força da natureza que esperara tantos anos, planeando tudo, criando estratagemas mais subtis que qualquer génio alguma vez faria, com a intenção de se encontrarem na chama de todos os sentimentos na mais banal das situações à escala de os tornar óbvio à vista desarmada de um e do outro. E aquela situação, em que velas acesas derretiam cera e as imagens de mandalas e yantras brilhavam com a pausa habitual do amor verdadeiro, o estremecer das folhas das árvores recordavam o ouvir da chuva lá fora quando estamos num lugar seguro, mostravam a força do Karma e da lei da atracção. E o discurso de seguida também, e o beijarem-se ternamente, no fim, na face. E a partilha da vida de cada um, o esquecimento dos problemas, da discrepância de doutrinas, do mau estar, permanecendo constantemente num estado de harmonia.
Os outros encontros não são precisos descrever, é como tentar interpretar os desenhos Hindus, as figuras geométricas entrelaçadas. A futura união também. E o fim ficou assim ao grado de cada um, de Ujjwala e de Hayes, primeiro porquanto ele encontrou o lugar que procurava, segundo porquanto a meditação a ajudou e terceiro porque eles subsistiam ambos na plenitude.
Por último, fora deles e de todo o Espaço, sabendo eles e os filhos, o Fim não os preocupava.