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Autor Tópico: Um Simples Conto  (Lida 1644 vezes)
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Josefu
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Muito se engana quem pensa...


« em: Abril 17, 2011, 19:35:04 »

UM CONTO


Conto de Natal é todo aquele que transpira a espírito de Natal, ainda que não tenha por cenário a época de Natal. O Natal É SEMPRE QUE O HOMEM QUER – já diz a Sabedoria. Ora, como se vê, ainda hoje o Homem parece abrir-se ao Espírito de Natal, apenas uma vez por ano, e no final do mesmo…
Mas vamos ao conto de Natal.

Nicolau Petrescu era um entre muitos outros emigrantes num pequeno país: o Praquistão. Fora forçado a deixar o seu e a procurar sobreviver noutro, pelo motivo que mais emigração provoca no mundo: a falta de trabalho e de remuneração condigna. Ele que até era formado por uma universidade em ciências económicas e gestão!
Pois o Nicolau viera para o Praquistão cheio de esperança. Encontrou, porém, dificuldades com que não esperava. Apesar disso, e ajudado por uns compatriotas que encontrou, conseguiu emprego numa empresa de construção civil. O trabalho de trolha era para ele uma realidade bem dura, mas o Nicolau encontrou forças para a suportar.
Deixara a mulher no seu país natal e só isso é que ensombrava o seu dia-a-dia e lhe tirava o sono à noite. A sua ideia era conseguir trazê-la para a sua beira o mais rapidamente possível. Entretanto, poupava o mais que podia para, mensalmente, lhe ir enviando algum dinheiro. Era a melhor maneira de lhe dizer que a não esquecia.
Um ano se passou e o Nicolau ia fazendo contas à vida. Talvez no verão do ano seguinte pudesse ir buscar a mulher que amava, durante as férias…
O Natal aproximava-se e Nicolau passava os dias entre os festejos de alguns conterrâneos e as terríveis saudades da mulher. 
Um dia, foi chamado ao escritório do patrão: tinham notícias da família para lhe dar.
Sentiu uma pancada no coração. Não era normal uma coisa assim. A mulher contatava com ele ou através do telefone (raramente porque era caro) ou através de longas cartas.
Com o coração apertado entrou no escritório. De pé, atrás de uma escrivaninha estava o patrão com cara de quem tinha de fazer algo que o constrangia.
“Bom dia Nicolau. Senta-te, senta-te!†- disse-lhe o patrão indicando-lhe o sofá. “ Sou obrigado a dar-te uma má notícia: a tua esposa faleceu…â€
Nicolau sentiu que o mundo lhe caía em cima. Algo em si se recusava a aceitar o que ouvira da boca do patrão. Devia ter interpretado mal o que ele dissera.
“Lamento imenso Nicolau; dar-te-ei toda a ajuda de que precisares e ficas desde já dispensado do trabalho para poderes ir ao funeral da tua esposa.â€

….

O grupo estava animado. Contavam-se anedotas; as que falavam dos políticos da praça despertavam maiores gargalhadas. O jantar tinha sido delicioso e, após a sobremesa, os copos continuavam a ser enchidos e esvaziados a bom ritmo.
Em boa hora alguém tivera a feliz ideia de se juntarem e confraternizarem à volta de uma mesa bem recheada e no ambiente acolhedor do Splendor-Restaurante. Eram todos ainda jovens e empresários.
João Flores era um dos mais animados. Extrovertido, patrão de uma pequena mas próspera empresa de telecomunicações, era considerado a vedeta não só da reunião como do empresariado local.
Passava já muito da meia-noite quando se decidiu dar por terminado o encontro. Entre abraços e frases de despedida, foram saindo aos poucos e dirigindo-se para os respectivos automóveis.
Chovia a bom chover. João Flores abriu o guarda-chuva, ergueu as golas do casaco e dirigiu-se para o seu, um potente BMW.

…

Não lhe apetecia voltar ao pequeno quarto alugado em que vivia. Achava que nem tinha forças para lá chegar. A chuva, fria, molhara-o até aos ossos mas não a sentia. Aliás, perdera toda a sensibilidade. Sentia-se um morto-vivo. A rua, escura, não o abrigava da intempérie. Sentia-se tão fraco que se deixou cair na primeira entrada que encontrou. Ali, estava frio mas abrigado da chuva.
Na modorra que o invadiu, vieram-lhe à memória, em carne viva, os acontecimentos dos últimos dias e o sofrimento da perda de alguém a quem se quer muito, destroçara-lhe o coração e roubara-lhe qualquer gosto pela vida. Queria morrer. Desaparecer simplesmente.
A morte, alívio definitivo da dor, de toda a dor.
A chuva continuava a cair em bátegas sucessivas. Um relógio de um templo ali perto bateu as duas horas da madrugada.
O som despertou-o. Porém, aquela dor interior horrível que sentia e que o torturava persistia. Um rumor de forte corrente de água fê-lo perceber que ali perto correria um rio. Como um autómato, levantou-se e dirigiu-se nessa direção. Avistou a entrada de uma ponte.A morte…o fim definitivo da dor…Chovia intensamente.
De repente, ouviu um horrível chiar de pneus e mal teve tempo de olhar quando sentiu algo a bater-lhe de raspão e a derrubá-lo. Seguiu-se um enorme estrondo, como uma bomba que tivesse estourado.
Sem se aperceber ainda do que tinha acontecido, tentou pôr-se de pé e reparou que um automóvel se tinha espatifado contra a entrada da ponte. Salvara-se por pouco!
Do veículo, meio desfeito, saíam rolos de um fumo escuro e espesso e, de repente, uma pequena chama. O silêncio era de morte.
Nicolau chegou-se, meio trôpego, perto do carro. Lá dentro, imóvel o condutor. A chama, que saía de algures, aumentara.
Sem saber bem como, Nicolau arranjou forças para forçar a abertura da porta e puxar o condutor para fora do veículo. Não tinha forças para mais. Só conseguia arrastar o homem pelos braços para longe do carro. As costas doíam-lhe horrivelmente e o condutor parecia morto.
De repente, uma luz brilhante e outro estrondo ensurdecedor. Nicolau sentiu qualquer coisa a bater-lhe na cabeça e caiu redondo.

…

 Eram belas as cores! As coisas esvoaçavam com serenidade como plumas ao vento! Asas de anjos? E os odores! Nunca sentira nada de parecido!
Os contornos foram ganhando consistência e, de repente, tudo se tornou claro. Estava na cama de um hospital!
Porquê no hospital?! Tentou soerguer-se mas uma dor forte no peito fê-lo imobilizar-se de novo com um esgar. Deu-se então conta de ter a cabeça e o tronco entrapados. Mais parecia uma múmia!
Vieram-lhe então ao pensamento os últimos acontecimentos da sua vida: os bons momentos com os amigos, o regresso a casa, a chuva intensa, a curva, o despiste e… mais nada.

…

Nicolau Petrescu despertara ao som da sirene estridente. Ia numa ambulância a caminho do hospital. Não ia só. Dera-se conta de que alguém, noutra maca a seu lado, estava também ferido. Fora atendido nas urgências e disseram-lhe que deveria ficar internado, por precaução, para observações.
Naquela manhã acordou com a boa sensação que o calor dá e sem saber bem o que lhe acontecera. Lembrava-se apenas de quase ter sido atropelado, de arrastar para fora do carro estampado, o condutor, de alguma coisa lhe bater na cabeça e… de acordar dentro duma ambulância que corria a toda a velocidade pelas ruas da cidade…
Deitado, deixou o olhar percorrer todo o quarto em que se encontrava e pousou-o na cama ao lado. Tinha um colega de infortúnio. Ter de estar num hospital é sempre um infortúnio. Engraçado, achava que conhecia o homem que parecia dormitar na cama ao lado, apesar de ter a cabeça e parte do rosto enfaixados…
Pois! Era o…

…

Naquele momento o quarto do hospital foi invadido por uma série de gente que se colocou à volta da sua cama. Meio ensonado e muito dorido, abriu com alguma dificuldade os olhos. Era a irmã, e o pai e a mãe…e alguns amigos. Que bom revê-los de novo! Ainda no dia anterior estivera com eles e, no entanto, parecia-lhe ter decorrido uma eternidade! Nunca, como nesse momento, sentira como era bom tê-los por perto!
“Então João, como vais?!â€â€¦

…

Nicolau Petrescu voltara ao seu pequeno quarto após a alta do hospital. Deitara-se sem vontade de comer o que quer que fosse. Bebeu apenas um trago de conhaque que lhe fora oferecido no Natal por um colega. Abatido e esgotado, adormeceu rapidamente. O buzinar da campainha da porta fê-lo acordar. Ainda estremunhado, foi buscar o pão que uma padeirita lhe trazia todas as manhãs.
 Lembrou-se então que deveria retomar o trabalho. Preparou-se, tomou um mais que austero pequeno almoço e saiu quase a correr para apanhar o autocarro.
“ENCERRADAâ€. Este foi o cartaz que encontrou colado à porta de entrada da empresa onde trabalhara até viajar ao seu país para o funeral da sua mulher.
Sem compreender bem o sentido da mensagem ficou ali um pouco até que alguém passou. “Sabe porque está fechada esta fábrica?â€
“Faliu! Acabou!â€
Desorientado, Nicolau dirigiu-se ao cafezito onde por vezes encontrava colegas de trabalho e ali soube de tudo o que se passara. Estava, ele também, no desemprego. E agora?
Deambulou pela pequena cidade e só ao anoitecer tomou o caminho de regresso a casa, feito num trapo que é coisa que só se compreende completamente quando se passa pela mesma situação…
Havia um grande automóvel parado mesmo frente à sua entrada. Um casal, bem vestido saiu do carro quando se aproximou.
“É o senhor Petrescu? Nicolau Petrescu?
“ Sim.â€
Conhecia aquele senhor…e lembrava-se de já ter visto a mulher que o acompanhava…no hospital! Fora aquele o homem que retirara de dentro do carro em chamas!
Um pouco intimidado, apertou as mãos que lhe estenderam num cumprimento caloroso, para ele inesperado.
“Precisamos muito de falar consigoâ€.

…

As ondas mansas espreguiçavam-se na areia acolhedora. O sol caminhava para o ocaso dando ao horizonte, tonalidades douradas.
Nicolau Petrescu, óculos escuros e tez amorenada, gozava, naquela pequena praia, de umas férias bem merecidas. Tinha sido um ano arrasador como economista de uma empresa de telecomunicações.
Enquanto lia uma revista, deitava, de vez em quando, uma olhadela à filha, uma bela menina de talvez pouco mais de dois anitos que se divertia com a areia. A seu lado, a mulher, embevecida, semicerrava os olhos e deixava-se acariciar pelos raios solares daquele entardecer.
“Parecia um milagre, um dia assim!†– pensou ele.

FIM

José Machado


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« Responder #1 em: Abril 18, 2011, 10:33:13 »

Parabéns pela qualidade do texto. Aparece pouco por cá mas, quando escreve, é um prazer encontrá-lo.
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Bom dia. Para todos um FigasAbraço
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Sejam bem vindos às escritas!
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Boa tarde!
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Bom Ano! Obrigada pela companhia!
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Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
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Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
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Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
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Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
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Boa semana para todos.
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Boa tarde a todos.
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Boia noite para todos.
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