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Autor Tópico: Hishgàr - Capitulo V  (Lida 1916 vezes)
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JLMike
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« em: Janeiro 28, 2008, 18:17:52 »

Capitulo V

Agûr-tàg. As Oréades. As Montanhas Guaraltis.

“Sempre que te perderes numa floresta ou nas montanhas chama uma Óreade que ela mostra-te o caminho. Lembra-te disso.”


Quando Laho acordou o sol ainda não tinha nascido. Lugh já estava a pé, a levantar o pequeno acampamento que ambos tinham construído na noite anterior, mesmo à entrada da Floresta Agûr-tàg. O estranho lobo estava deitado um pouco mais a frente, entre o acampamento deles e a entrada para a floresta. Laho voltou a fechar os olhos, fingindo estar a dormir. Não queria levantar-se tão cedo, mal havia dormido por causa do sonho que tinha tido. Nele estavam dois homens, Enki e um outro que parecia de certa forma familiar, e ambos pareciam conhecer-se bem, quase como amigos. Haviam discutido, Laho não entendera porquê. Parecia que o homem de pêra havia cometido algum tipo de crime e que Enki não havia gostado disso. Mas Laho depressa esqueceu o seu sonho porque Lugh estava em pé ao seu lado espetando um pequeno pau na sua barriga.
“Toca a acordar. Já são mais que horas.” disse Lugh, entusiasmado.
Laho levantou-se resmungando baixinho para que Lugh não ouvisse. Estava cansado, como se tivesse percorrido quilómetros e quilómetros durante anos seguidos. Certamente seria por ter dormido no chão, coisa a que não estava acostumado pois sempre dormira numa cama bastante confortável em Falindûr. Passar de uma cama feita de palha e de pele de um animal de quatro patas que Laho apenas vira em pinturas e lhe fora dito que se chamava Manticore para um chão de terra batida cheio de altos e baixos era uma mudança um tanto ou quanto radical. Com a certeza de que teria de passar muitos dias a dormir assim, Laho pegou nos pequenos cobertores que usara para se tapar à noite e usou-os para enrolar o resto dos seus pertences que ele havia espalhado pelo chão no dia anterior. Pegando no cobertor (agora enrolado e com a forma de uma bola) colocou-o na ponta de um bocado de madeira castanha que meteu ao ombro. O lobo levantou o focinho, cheirou o ar e voltou para o seu sono. As linhas do seu focinho curvavam-se estranhamente dando a impressão de que o animal ostentava um sorriso.
“Vamos?” perguntou Laho a Lugh, curioso e algo apressado.
“Vamos onde?” perguntou-lhe Lugh de volta.
“Não sei, tu é que sabes. Ou não sabes?” Foi uma pergunta sincera. Laho acreditava que ainda havia a hipótese de Lugh não saber o caminho.
“Nós não vamos a lado nenhum, pelo menos não agora.” Lugh pegou no bocado de madeira que estava ao ombro de Laho e pouso-o no chão. “Só depois de comermos. Ou achas-te forte o suficiente para continuar sem teres o pequeno-almoço no estômago?”
A mão de Laho foi instintivamente tocar na barriga. Era verdade que ele tinha uma certa fome.
“Pois, tens razão.” admitiu Laho, agora com um pequeno sorriso nos lábios. “Mas onde arranjamos comida?”
“Poderíamos andar um bocado a procurar mas eu tenho uma maneira um pouco mais fácil.” Lugh respirou fundo e caminhou em direcção à entrada da floresta. O lobo ergueu-se e seguiu-o, lado a lado.
“Onde vais? Não me vais deixar sozinho pois não?!” gritou Laho indignado.
“’Tá calado e observa-me bem.”
Lugh aproximou-se de uma árvore. Era tão grande que nem Lugh, com os seus compridos braços, a conseguiria abraçar. Certamente teria muitos anos, tal qual a própria floresta.
Lugh parou em frente da árvore e começou a olhar para a árvore muito seriamente, com que se estivesse a estudar cada centímetro da casca, cada ramo, cada folha. Depois exclamou qualquer coisa como “É esta mesmo.” acariciou a casca da árvore gentilmente e afastou-se um ou dois passos. O lobo seguiu-o e sentou-se a seu lado, o seu olhar fixo na árvore.
Nada aconteceu durante uns segundos. Depois, vindo do nada, chegou um canto numa voz muito fina e encantadora, quase hipnótica. O canto era numa língua que Laho não conhecia mas parecia que o envolvia por todos os lados e lhe tocava em toda a parte do corpo e até na alma. A música penetrou-lhe nos ouvidos e pareceu percorrer as suas veias acompanhando o seu próprio sangue e o pulsar do seu coração. Depois, tão depressa como havia começado, o canto cessou e ouviu-se um rasgar de qualquer coisa, uma mistura entre o vidro a partir e um pedaço de pergaminho a rasgar.
A casca da árvore, que antes parecia totalmente sólida e impenetrável, abria-se aos poucos. Dela saiu um pequeno braço que mais parecia um dos pequeno ramos da árvore. Depois um pequeno tronco feito do mesmo material e depois ainda uma cabeça e o resto do corpo de um ser estranho que Laho nunca tinha visto e que parecia uma pessoa em miniatura mas feita de madeira. Este ser agarrou-se ao tronco da árvore de uma forma tal que parecia ter ventosas nas mãos e pés, mas, na verdade, conforme este ser andava pelo tronco, os seus pés e mãos fundiam-se com a casca da árvore permitindo-lhe uma mobilidade magnifica.
De costas para Lugh e Laho, agarrando a árvore com mãos e pés, o ser virou a cabeça quase totalmente para eles e falou, na mesma voz fina e hipnotizante.
“Que procurais, viajantes?” Embora a sua cabeça fosse bastante pequena, tendo pouco mais que o tamanho de um polegar, as suas feições distinguiam-se na perfeição e a sua cara apresentava-se bastante simpática, embora parecesse, de estranha forma, ser uma criatura já com alguma idade.
“Desculpa incomodar-te L’Arachel mas precisava da tua ajuda.”
A criatura, L’Arachel, retirou as mãos da árvore e deixou-se cair um pouco ficando apenas suspensa pelos pés, perpendicular ao chão. Olhou Lugh durante uns segundos, analisando cada cicatriz na sua face.
“Oh, por Ikari, és tu Lugh!” L’Arachel saltou para o ombro de Lugh com uma agilidade demasiada para a sua pequena forma. A sua voz deixou de ser fina e hipnótica, era agora uma voz normal, comum com a do próprio humano.
“Perdoas a esta velha Óreade por não te reconhecer? A minha visão já não é o que era, é da idade, sabes… que fazes aqui?”
“Estou numa missão de novo. Mas já falamos disso, quero apresentar-vos primeiro. Laho, esta é L’Arachel, uma Óreade. L’Arachel, este é Laho, o rapaz de que te falei da outra vez que tivemos juntos, lembras-te? Que Enki acolheu?”
Lugh aproximou-se de Laho e L’Arachel estendeu o seu pequenino braço a Laho para o cumprimentar, o que Laho fez com o maior cuidado, não fosse por acidente arrancar-lhe o braço. “E este é um amigo nosso, que nos faz companhia nesta viagem.” continuou Lugh apontando para o lobo. Este baixou a cabeça no que parecia ser uma estranha vénia e L’Arachel fez o mesmo. Depois Lugh continuou a falar.
“Bem, esperava que nos ajudasses, L’Arachel. Precisávamos de comida mas demoraríamos muito se a fossemos procurar nós mesmos. Não te importas de nos ajudar?”
A pequenina boca de L’Arachel abriu-se num sorriso terno e ela saltou de novo para a árvore, subiu até ao galho mais alto e voltou a cantar na sua voz fina e hipnótica. Segundos depois as redondezas estavam cheias daquelas minúsculas criaturas feitas de galhos, umas agarradas ao tronco das árvores outras pendendo dos ramos, seguras apenas pelos próprios pés. L’Arachel falou-lhes numa língua que Laho desconhecia e, num ápice, todos eles desapareceram. L’Arachel aproximou-se de Lugh, murmurou qualquer coisa sobre ir buscar o seu marido, e desapareceu entre as árvores deixando Lugh, Laho e o lobo uma vez mais, sozinhos.
“O que era aquilo? Que criaturas eram aquelas?” perguntou Laho com um imenso interesse, sentando-se no chão, ao lado do lobo e em cima de umas raízes grossas que pareciam sair da árvore donde antes saíra L’Arachel. O lobo aproximou-se dele e sentou-se ao seu lado começando a coçar-se com a pata traseira. Lugh acercou-se deles e também se sentou.
“Aquilo são Oréades. Seres mágicos. Já ouviste falar de seres mágicos não já?” inquiriu Lugh, olhando-o com espanto.
“Sim, já. Dragões, por exemplo. E já vi alguns Fyalt. Também li um pouco sobre o temível Peryton, a lenda de que foi ele que destruiu Eleniri e a tornou num deserto. E já ouvi falar de Manticores embora não saiba o que são.”
“Manticores?” perguntou Lugh surpreso. “Onde ouviste tu falar de Manticores?”
“Acho que foi num sonho, não sei. Certamente ouvi nalgum lado…” respondeu Laho tentando desviar a conversa pois não queria falar dos seus sonhos.
“Bem, os Manticores são seres mágicos muito raros de se ver. Dizem que têm o corpo de um leão, um animal que apenas viveu no Primeiro Mundo mas que se extinguiu na Primeira Batalha. Dizem que são bastante inteligentes e que sabem mais que os próprios humanos. Vivem escondidos, ninguém sabe onde.”
Laho compreendeu que a pintura que tinha visto de um Manticore quando se deparou com um livro sobre criaturas mágicas na biblioteca da Torre era totalmente diferente do que agora Lugh lhe contava. Nela o Manticore era retratado como sendo um meio gigante de quatro patas, com quase cinco metros de altura, e com grande par de asas verdes a brotar das costas. Mas quem estaria certo? O livro ou Lugh?
“Gostava de ver um.”, disse Laho com um olhar vago, “Fala-me mais das Óreades. Todas elas são mulheres? Vivem mesmo nas árvores?”
“Não, nem todas são mulheres. Em muitos aspectos são parecidas connosco. Também formam casais e vivem juntos em família. Onde vivem é um mistério. Suponho que vivem dentro das árvores mas quando perguntamos elas esquivam-se sempre e nunca respondem. Sabemos muito pouco sobre elas. A maior parte das pessoas vê as Óreades como seres inferiores e não lhes presta o devido respeito. Pelo que eu sei, do pouco que convivi com algumas delas, são seres encantadores e extremamente amáveis, e têm um sentido de orientação excelente. Sempre que te perderes numa floresta ou nas montanhas chama uma Óreade que ela mostra-te o caminho. Lembra-te disso.”
Depois aconteceu uma coisa muito estranha: o lobo levantou o focinho e acenou positivamente, como que para reforçar a ideia de Lugh.
“Lembrar-me-ei de certeza.” assegurou Laho meio apreensivo, falando tanto para Lugh como para o lobo. “Agora diz-me… Porque tem L’Arachel duas vozes diferentes? Aquela “normal” e a outra que mais parecia um canto?”
“Ah! Isso… A voz delas é “normal” se assim quiseres chamar. O que tu ouviste também foi o Canto Reflexo. É um encantamento delas. Se, quando as chamas, tens uma boa intenção e um bom coração, ouvirás um canto muito belo. Se, pelo contrário, as estiveres a chamar para as magoares, então ouvirás um canto muito estridente e penoso que te irá imobilizar durante algum tempo. É uma medida defensiva delas. Muito inteligente, devo admitir.”
Laho não teve tempo para digerir toda a informação porque segundos depois L’Arachel apareceu aos saltos por entre os galhos das árvores juntamente com cerca de trinta ou quarenta outras Óreades, cada uma delas carregando um molhinho de bagas ou uma peça de fruta.
Quando L’Arachel se chegou junto a Lugh subiu-lhe de novo para os ombros. Este abriu um pano comprido no chão, junto à grande árvore, e o resto das Óreades pousou lá a comida, desaparecendo de seguida para o interior da floresta. O lobo correu até à comida imediatamente começando o seu festim. Além de L’Arachel apenas ali ficou uma outra Óreade, que se aproximou de Laho e curvou-se numa vénia.
“É assim que vocês se cumprimentam, não é?” perguntou a pequena criatura a Laho. A sua voz era mais grave que a de L’Arachel. Laho conseguiu entender de que ele era do sexo masculino, talvez o companheiro de L’Arachel.
“Sim, é.” disse Laho numa pequena gargalhada. “Vocês costumam apertar as mãos uns dos outros, não é?” perguntou de seguida.
O Óreade esticou o braço e sorriu para Laho que logo de seguida lhe apertou a pequenina mão com extremo cuidado.
“Assim é. O meu nome é Iodem, sou o companheiro de L’Arachel.”
“O meu é Laho. Suponho que já conheças Lugh e… ele.” afirmou Laho apontando para o lobo negro de focinho mergulhado na comida.
Iodem olhou em volta e fixou os seus pequenos olhos cor de mel em Lugh. “Sim, sim, já o vi várias vezes embora pouco tenha falado com ele. Não sou pessoa de sair da minha casa, gosto muito da minha paz.” Depois olhou de relance para o lobo mas não proferiu qualquer palavra.
“Que fazes aí, Iodem, junta-te a nós e come. Laho, vem para aqui também.” Lugh parecia já estar a meio de uma grande peça de fruta de forma arredondada e cor vermelha. Iodem e Laho aproximaram-se e sentaram-se ao lado de L’Arachel que, por sua vez, estava sentada à direita de Lugh. O lobo estava meio sentado meio deitado do outro lado daquela mesa improvisada e comia com gosto uma grande peça de fruta verde-esmeralda, com um interior de cor laranja. Iodem pegou numa pequenina baga de cor castanha e Laho numa peça de fruta igual à de Lugh. Todos comeram sem trocar qualquer palavra.
Pouco tempo depois já todos estavam cheios e sem fome. Lugh estendera-se ao comprido no chão, um pouco mais ao lado da grande árvore. Iodem e L’Arachel estavam os dois em cima da sua barriga a olhar o horizonte. O lobo afastara-se e dormitava encostado a uma árvore. Embora estivesse com ambos os olhos fechados, Laho sentia que ele estava a observá-lo.
O Sol começava a espreitar por entre as árvores e o céu passeava por inúmeras cores. Laho aproximou-se deles devagar e com o desejo de pedir mais uma coisa a L’Arachel, embora tivesse vergonha.
“L’Arachel… eu, eu… será que podias…” tentou ele explicar, mas L’Arachel, que parecia ter entendido perfeitamente que ele estava morto de vergonha, interrompeu-o.
“Rapaz, é assim, não há que ter vergonha. Pede-me tudo o que precisares e eu farei o meu melhor para te ajudar.” disse ela na voz mais meiga que Laho alguma vez escutara.
“Eu… tenho sede. Será que poderias arranjar água?”
L’Arachel levantou-se sem dizer uma única palavra, aproximou-se da grande árvore, bateu com o seu minúsculo punho na casca e nesta abriu-se uma pequena fenda. L’Arachel entrou e saiu segundos depois com uma pequena garrafa transparente com um líquido azul-turquesa dentro. A garrafa era quase do seu tamanho e custava-lhe a transportar. Laho apressou-se até ela e pegou na garrafa. L’Arachel saltou-lhe para o ombro e voltaram para junto de Lugh e Iodem.
Quando se sentaram todos juntos Iodem olhou para L’Arachel de uma forma estranha mas nada disse. Lugh pegou na garrafa, tirou-lhe a rolha e bebeu um pouco do líquido. Laho fez o mesmo. O líquido turquesa tinha um paladar muito doce e parecia saciar a sua sede completamente. Laho bebeu até ao fim da garrafa.
“Pena que não tenhas trazido mais.” afirmou Lugh, levantando-se e espreguiçando-se, os braços bem esticados para cima. Quem falou depois foi Iodem, enquanto subia até aos ombros de Lugh.
“Não trouxe nem precisa.” Todos olharam para ele à espera de uma explicação. “Isso é um frasco especial, embebido com a nossa magia. Está exposto a um encantamento que faz com que se volte a encher sempre que chegar ao fim.”
E o que ele disse estava correcto. Quando todos olharam de novo para o frasco ele estava novamente cheio daquele líquido azul-turquesa.
“E o líquido que lá está dentro, “ continuou L’Arachel, tomando a vez do marido. “ é um líquido especial que apenas nós possuímos. Chamamos-lhe Ërnêl. É feito a partir da seiva de certas plantas, mas como é óbvio nós não podemos dizer quais, pois, se todos soubessem, certamente que as plantas seriam todas arrancadas.”
Laho olhou para o frasco e na sua cara era espelhado o brilho azul claro do liquido. L’Arachel saltou dos seus ombros para os de Lugh juntando-se a Iodem.
“Esse líquido tirar-vos-á a sede com apenas um gole. E sempre que precisarem de uma luz que vos guie basta empunharem o Ërnêl bem alto que ele servir-vos-á de olhos. Apreciem-no bem… a última pessoa a quem oferecemos isso foi a-“
“L’ARACHEL! Já chega!” interrompeu Iodem, subindo para cima da cabeça de Lugh que ficou com um aspecto engraçado, de boca aberta e com os olhos a tentarem ver para cima. “Tenho a certeza que lhes basta saber o que sabem… o resto não é preciso, certo?” afirmou Iodem severamente. Estava mais que expresso no seu olhar de que ambos escondiam algum tipo de segredo acerca do Ërnêl.
“Foi a quem que vocês ofereceram Ërnêl?” tentou Laho.
“A ninguém, a ninguém.” disse L’Arachel entendendo as preocupações do seu marido e resolvendo manter o segredo. “Basta saberem que vos saciará a sede e vos servirá de olhos quando nada conseguirem ver.”
Tanto Iodem como L’Arachel saltaram de novo para o tronco da grande árvore. A casca da árvore abriu-se novamente e Iodem entrou sem dizer mais nenhuma palavra. L’Arachel olhou para Lugh e disse-lhe para seguir sempre em frente que encontraria uma pequena estrada de terra batida que os levaria até ao outro lado da floresta, até às montanhas. Depois entrou para dentro da árvore e a fenda fechou-se deixando o tronco completamente intacto como que nada se tivesse passado.
“Porquê tantos segredos?” perguntou Laho enquanto caminhavam por entre as árvores, o lobo um pouco mais atrás. O chão estava coberto por raízes e era difícil encontrar um passo certo tendo que, por vezes, voltar atrás e seguir um outro caminho pois as raízes eram tão grandes que não os deixavam passar. Por causa disso era difícil distinguir o que era frente e o que era trás. O único que parecia confortável com aquilo era mesmo o lobo que saltava com uma agilidade magnífica e nunca parecia cansar-se.
“Não nos devemos meter na vida deles.” respondeu Lugh saltando por cima de umas raízes quase do tamanho das suas pernas e estendendo uma mão para que Laho se apoiasse e subisse também. “Já devíamos estar contentes por nos terem ajudado, não achas?”
“Suponho que sim.” disse Laho puxando do braço de Lugh e galgando as raízes. “Olha lá, estamos no caminho certo?” inquiriu olhando em volta, não vendo mais que árvores e mais árvores. “Tenho a sensação de que já passamos por aqui.”
O lobo cheirou o ar e Lugh também olhou em volta. Depois chegou-se ao pé de uma árvore, acariciou-lhe o tronco, e afastou-se um pouco. De novo surgiu aquele som belo e hipnótico, o Canto Reflexo. Depois abriu-se uma fenda na casca daquela árvore e saiu de lá outra Óreade. Era exactamente igual a L’Arachel embora tivesse uma grande folha verde que lhe cobria a cabeça. Os seus braços também pareciam ser um pouco mais grossos e fortes. Se calhar é mais jovem, pensou Laho.
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Nunquam magnum ingenium sine mixtura dementea fuit...
JLMike
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« Responder #1 em: Janeiro 28, 2008, 18:18:14 »

“Posso ajudar-vos?” perguntou a Óreade.
“Poderias indicar-nos o caminho para as montanhas?” perguntou Lugh por sua vez. A Óreade riu um pouco, baixinho, e Laho pôde ver o lobo a fixar os seus olhos nela muito seriamente. Depois a Óreade apontou para a sua direita, onde, segundo parecia, a floresta ficava mais densa e as árvores juntavam-se mais. Um grande agrupamento de raízes fazia parecer que seria um caminho difícil de seguir.
“É por ali?” perguntou Laho à Óreade. Mas esta nada mais disse e voltou para dentro da árvore, fechando a fenda atrás de si. O lobo uivou fazendo com que tanto Lugh como Laho se assustassem.
“Bom, sigamos.” decidiu Lugh, mão apertando o peito e respiração meio ofegante. Olhou repreensivamente para o lobo mas manteve-se em silêncio. Depois dirigiu-se para a direita, para onde a Óreade lhes havia indicado.
“Vais seguir assim? Só porque ela te disse?” inquiriu Laho meio indignado. Confiar a sua sorte e o seu destino a alguém que ele nunca vira era algo que não parecia gostar muito.
Lugh virou-se para ele, encolheu os ombros e disse:
“As Óreades são boas a orientar-se. Até Enki nos disse para seguirmos os seus conselhos. Eu acredito nela.”
“Pois eu não!” contestou Laho cruzando os braços e batendo com o pé no chão. “Não gostei nada daquele risinho que ela deu. Acho que ela nos está a enganar.”
“Porque razão iria ela enganar-nos? Pelo prazer de nos fazer ficar aqui mais do que duas noites?” disse Lugh num tom de ironia. Laho não teve resposta. Encolheu os ombros, murmurou qualquer coisa como “Está bem.” e os três seguiram viajem pelo caminho indicado pela pequena criatura de madeira.

O sol percorreu todo o céu e eles ainda não tinham chegado a estrada alguma. Quando estava demasiado escuro para poder ver pararam, esticaram os cobertores e deitaram-se para passar a noite. Lugh acendeu uma fogueira para que não passassem frio mas uma estranha rajada de vento fê-la apagar-se completamente. Voltou a tentar acender umas madeiras mas o resultado foi idêntico. Era como que se a própria floresta estivesse contra eles e quisesse que passassem frio durante a noite. Depois da terceira tentativa ter falhado decidiram dormir sem uma fogueira, deram as boas noites uns aos outros (Laho sentindo-se parvo por dar as boas noites a um animal) e deixaram-se envolver no sono e nos seus sonhos.

O sono de Laho foi continuamente interrompido por sonhos estranhos que envolviam Óreades gigantescas e um horrível monstro de quatro patas e grandes asas que cuspia fogo da sua boca. Num outro sonho aparecia um animal grande e peludo que se transformava num homem de cabelos negros e feições belas, proferindo continuamente “És fraco” numa voz gélida e assombrosa. Num outro sonho dessa noite Laho visitou uma vez mais a estranha cidade onde vira Peowny. Mas a sua visita foi bastante rápida e apenas conseguiu ver Lugh correndo atrás da filha da Imperatriz até à entrada do grande palácio de telhados vermelhos.
O seu último sonho da noite foi de novo sobre Wvögh.


A manhã ia a meio. O sol estava bem alto no céu e os seus raios eram quentes e incómodos para quem estivesse fora de casa. O lugar era o mesmo: uma escadaria grande que ia dar a três portas. O sonho seguia um homem já meio calvo e com o cabelo um pouco grisalho que andava apressadamente, quase a correr, de uma forma cómica, pois parecia coxear a cada três passos. O homem subiu a grande escadaria com esforço, respirando violentamente, e entrou na porta à sua direita. Essa porta dava lugar a outro corredor mas aqui o homem parou. Atravessou o corredor devagar parando de vez em vez e murmurando algumas palavras estranhas. Era como que se tivesse barreiras à sua frente e tivesse de dar uma palavra passe para poder atravessa-las. No fundo do corredor estavam mais duas portas. A da direita era de uma cor dourada, a da esquerda prateada. Ele entrou na da esquerda.
A sala era rectangular e muito comprida, tendo a parede direita coberta de livros, todos eles muito velhos, muitos já re-encadernados com capas negras e rebordos brancos, e a parede esquerda coberta de prateleiras do chão ao tecto cheias de garrafas com líquidos estranhos, ou então frascos com medonhos olhos e cérebros. A meio dessa parede, encostado às prateleiras, estava um escadote que certamente serviria para se alcançar os objectos das prateleiras mais altas. No fundo da sala estava uma máquina esquisita, meio metálica meio de vidro. A parte de baixo era quadrada e era feita de metal. Tinha vários botões de várias cores. A parte de cima assemelhava-se a uma cúpula e estava cheia de um líquido esverdeado e translúcido. Esta parte era feita de vidro e dava para ver perfeitamente o que lá estava dentro: um estranho animal, ou então seria, talvez, um estranho humano. Era um pequeno embrião que parecia ter umas pequenas asinhas a brotar das costas
De cada lado daquela máquina encontravam-se um bloco de pedra, cinzentos-escuros. O homem caminhou calmamente (parecia que ter parado no corredor anterior o tinha feito recuperar o fôlego e acalmar-se), pegando em alguns livros de uma prateleira da esquerda e num frasco opaco de uma prateleira da direita. Caminhou até ao bloco cinzento da esquerda e nele pousou os livros. Pegou no frasco, retirou-lhe a rolha e espalhou uma generosa porção de um pó púrpura no bloco da direita, onde desenhou um Circulo de Transição. Depois consultou alguns apontamentos dos livros, lendo e relendo várias passagens, repetindo-as em voz alta para não se esquecer, e, quando se achou pronto, voltou a arrumar os livros nos seus lugares e desenhou outro Circulo de Transição, este no bloco cinzento da direita. Guardou o frasco na prateleira da esquerda e saiu a sala, atravessando o corredor (desta vez já sem paragens) e entrando na porta da outra ponta. Era o quarto dele. Já não era a primeira vez que Laho sonhava com o quarto, mas desta vez parecia diferente, havia qualquer coisa que ele não tinha notado da outra vez. O homem chegou-se ao pé da cama e afastou-a com algum esforço revelando um estreito alçapão que dava para umas escadas íngremes que desciam até atingir uma espécie de arrecadação, não muito grande não muito pequena. O coração do homem batia cada vez mais depressa, estava quase. Remexeu numas caixas com o pé, afastando-as para o lado. Baixou-se e pegou em qualquer coisa de dentro de uma das caixas. Era um feto morto, pequenino e enrugado. Com ele nos braços caminhou até à outra ponta da arrecadação e pegou numa gaiola que estava coberta por um pano negro. Ouviam-se guinchos vindos de dentro da gaiola e o barulho de asas a bater furiosa e futilmente contra a armação de ferro.
O homem apressou-se a voltar à sala da estranha máquina, tentando correr de novo, o seu coração a bater a grandes velocidades, estava mesmo mesmo quase. Quando chegou à frente da máquina pousou o feto morto no bloco cinzento da direita e a gaiola no bloco da direita. Retirou o pano de cima da gaiola revelando um morcego negro que batia as asas violentamente numa desesperada tentativa de fugir, mas a gaiola era demasiado forte e a armação não cedia. O homem correu uma vez mais à prateleira dos livros consultando um deles apressadamente, o seu coração a bater tão violentamente que parecia que ia saltar-lhe do peito e continuar a bater cá fora durante horas e horas. Pousou o livro na prateleira e, decidido e preparado, encaminhou-se da máquina no centro. Respirou fundo, fechou os olhos, e carregou num botão azul no centro da máquina. O liquido que estava dentro da cúpula tornou-se verde-escuro e depois um azul-escuro até que ficou tão negro que já nada se via lá dentro. Os círculos de transição começaram a brilhar intensamente, uma luz que ora era branca num segundo ora era lilás no outro. Ouviu-se o morcego a bater as asas, desesperado, guinchando mais alto do que os ouvidos conseguiam suportar. O homem levou as mãos aos ouvidos a ajoelhou-se no chão com a dor. Segundos depois o som cessou, a luz esvaneceu-se, o feto e o morcego desapareceram, e o líquido da cúpula voltou ao seu estado e cor normal, esverdeado e translúcido, revelando lá dentro um corpo de um recém-nascido (embora não nascido naturalmente). Tinha umas asas negras, pequeninas, que lhe saíam das costas de forma natural.
O homem saltou de alegria. Tudo estava mudado, conseguira. Revolucionara a Alquimia para todo o sempre. Mas a excitação não durou muito. Um som estridente veio de fora da sala, da grande escadaria. Depois sentiu-se o chão tremer, como que de um tremor de terra se tratasse. O medo subiu-lhe acima elevando-lhe o coração até à sua maçã-de-adão, onde o sentiu pulsar dolorosamente. Enki estava aqui… e sabia de tudo.

Laho acordou sobressaltado, o seu próprio coração a bater furiosamente, o seu corpo encharcado em suor. Ainda era de noite. Tanto podia ter passado dez minutos desde que Laho adormecera como podia ter passado uma ou duas horas, Laho simplesmente não fazia ideia. Olhou em volta alarmado, tentando sentir e ver – com o Sétimo Sentido – o que se passava à sua volta. Algo estava mal, era o que sentia, apenas não entendia o quê. Lugh estava ali, ferrado a dormir, boca aberta e a roncar alto. Os seus pertences também ali estavam, mesmo ao seu lado. Mas qualquer coisa faltava, qualquer coisa…
O lobo! Era isso, o lobo não estava ali.
“Acorda! Lugh, acorda, vá, já!” Laho empurrava Lugh com força, mas mal o conseguia mexer e Lugh não dava qualquer sinal. Estava a dormir profundamente.
“Serves de muito quando eu preciso…” replicou Laho mais para consigo mesmo do que para o Lugh adormecido. Deu-lhe um pontapé forte na barriga mas foi o mesmo que tocar-lhe com um dedo. Lugh simplesmente se recusava a despertar.
Estava uma noite muito escura, as árvores que agora estavam minuciosamente juntas cobriam-nos com as suas folhas não deixando passar o luar ou qualquer outra luz. Laho lembrou-se do que L’Arachel lhe tinha dito sobre o Ërnêl: “servirá de olhos quando nada conseguirem ver”. Agora era a altura para testar isso. Pegou no frasco de Ërnêl que estava num dos bolsos do casaco de Lugh e levantou-o bem alto, esticando o braço. O frasco brilhou intensamente, uma luz extremamente branca e brilhante embora não ofuscasse. Laho sentiu-se esquisito. Ele próprio já precisava do Sétimo Sentido para lhe permitir ver, agora estava a usar Ërnêl para o mesmo efeito. Era como se estivesse a usar seis olhos em vez de dois ou algo parecido.
A luz que vinha do Ërnêl parecia levantar a escuridão como se ela fosse um manto. Laho chegou até a pensar que a própria escuridão nem parecia muito real, parecia demasiado forte, forçada, como que se ele estivesse envolvido em algum feitiço ou encantamento.
Laho andou uns metros para a frente empunhando o Ërnêl bem alto para conseguir ver. Mas nada. Não havia nada além de árvores e mais árvores, nenhum sinal do lobo negro, nenhum sinal de qualquer ser vivo até, o que era estranho. Laho aproximou-se de uma árvore e tentou, ingenuamente, invocar uma Óreade, acariciando o tronco da árvore. Mas nada aconteceu. Seria preciso mais alguma coisa além de acariciar o tronco?, pensou ele.
Crack. Um pequeno som, um quebrar de um galho, saltou-lhe aos ouvidos, vindo de uns metros mais à esquerda. Laho concentrou-se ao máximo, tentando sentir alguma coisa, mas não sentia nada. O Ërnêl foi levantando a escuridão aos poucos enquanto Laho se aproximava do som corajosamente.
Crack. De novo. Mais um quebrar de um galho, seguido depois do que pareceu ser um espirro abafado. Laho levantou o Ërnêl ainda mais alto.
“Quem está aí?” perguntou debilmente, a voz a falhar de medo. “Está aí alguém?”
Mas apenas o silêncio lhe respondeu.
Durante segundos nada se passou e Laho não se mexeu com receio de despoletar alguma coisa indesejada. Depois varias coisas aconteceram ao mesmo tempo e muito depressa.
Mais um crack, este ainda mais forte, o som de um corpo a esbarrar contra uma árvore, um gemido meio de dor meio de frustração. Laho sentiu qualquer coisa, fria, dolorosa. Sentia o coração gelar sem compreender a razão. Esperava que o coração disparasse e começasse a bater a grande velocidade mas isso não aconteceu. Era uma aflição calma, embora estivesse a tremer de medo. Deu dois passos para a frente e vislumbrou uma fenda a fechar numa árvore ali ao pé e, ao lado, uma silhueta negra que parecia um homem. Num piscar de olhos a silhueta já lá não estava, Laho correu tentando ver para onde tinha ido, mas foi esbarrado pelo lobo negro que saiu de nenhures. A sensação fria e aflitiva desapareceu mas um estranho tilintar preenchia-lhe os ouvidos.
“Que fazes aqui?” perguntou Laho à criatura negra, embora a pergunta fosse mais retórica pois não esperava qualquer resposta de um animal. “Pregaste-me um susto, tu! Vá, vamos embora, temos de voltar para junto de Lugh.”
Laho baixou o braço e agora o Ërnêl apenas lhe alumiava uns metros de caminho, nada mais que três ou quatro passos. Não demorou muito até chegarem junto de Lugh, que continuava a roncar no seu sono profundo. Laho ainda olhou instintivamente para trás, questionando-se sobre o que se passara, mas desistiu rapidamente, estava muito cansado. O lobo deitou-se perto de Lugh e Laho acomodou-se um pouco mais ao lado. Enrolou o Ërnêl a um pano e o frasco deixou de cintilar. A escuridão voltou a envolve-lo e desejou voltar a dormir, mas o sono não o visitou. Passou o resto da noite entre um sono desperto e um despertar ensonado e com a cabeça vazia de pensamentos..

De manhã – quando conseguiu ver um leve brilhar de sol entre as folhas das árvores e pensou ser manhã – levantou-se e preparou a mesa com alguns dos frutos que sobraram do dia anterior. O lobo foi o primeiro a despertar, aproximando-se nele, cheirando os frutos mas não comendo, e ficando a olhar-lhe nos olhos de forma tão intensa que se tornava incomodativo. Lugh acordou passado algum tempo, como se nada tivesse acontecido durante a noite, e comeu com deleite a refeição preparada por Laho. Quando terminou disse que hoje iriam treinar.
“Quero que pendures o frasco de Ërnêl num ramo alto para podermos ter alguma luz, nestes lados da floresta parece ser sempre noite.” resmungou ele para Laho, parecia ter acordado um pouco mal disposto. “Fá-lo sem pegares no frasco. E ai de ti que o partas, é o único que temos!”
Nervoso e com as pernas a tremer Laho lá conseguiu levitar o frasco e pô-lo numas ramagens bem altas para que ele iluminasse quase todo o cenário. Era a primeira vez com conseguira tal feito, pelos vistos estar sobre pressão ajuda. Esperou receber um “muito bem!” ou um “óptimo trabalho, Laho.” mas Lugh nada disse.
“Hoje vamos treinar com espadas… Bom, com paus porque não me atrevo a pôr-te uma espada nas mãos, tenho a certeza de que cortarias o teu próprio pescoço sem querer.” riu-se da piada mas Laho não gostou minimamente. Quão difícil seria manejar uma espada? Seria uma das coisas mais fáceis, pensou ele, tinha a certeza disso.
Lugh estendeu-lhe uma espada feita de madeira que conjurara com o auxílio da bolsinha de Sila que Laho recebera de Enki e ambos começaram o treino. O lobo deitou-se ali perto a assistir ao espectáculo.
Passaram cerca de uma hora apenas para fazer com que Laho entendesse todos os movimentos possíveis com a espada e outra hora para lhe ensinar como mexer os pés, contrabalançando o seu peso para tirar o melhor partido do golpe. Laho até nem achou os exercícios difíceis e estava confiante o suficiente para desafiar Lugh para um duelo.
“O que disseste?” perguntou Lugh incrédulo quando os pensamentos de Laho se tornaram palavras reais. “Queres um duelo comigo? Mas tu queres morrer, rapaz?”
Laho riu-se, pensava que era uma piada, mas Lugh não participou no riso e por isso ele calou-se, entendendo que Lugh falava verdade.
“Ataca-me” disse Lugh para o seu aluno de espada. “Vá ataca-me.”
Laho estava mortinho por aquela oportunidade. Lançou-se para a frente, proferindo um golpe na vertical, direccionado à cabeça de Lugh. Mas o seu mestre era demasiado experiente. Desviou-se para o lado, deixou-o golpear o ar, e depois largou a sua própria espada meteu os seus braços por debaixo das axilas de Laho, mãos fechadas por detrás da cabeça dele num cadeado impossível de quebrar. Laho ficou imóvel, a sua mão deixou cair a espada de madeira e deu-se por vencido.
“Larga-me!” gritou enfurecido. “Isso não vale, isto é um duelo de espadas devias usar uma espada! É batota!”
“Na guerra…” proferiu Lugh com algum esforço tentando segurar Laho naquela posição embora ele se debatesse ferozmente “… na guerra tudo vale. Aprende isso. O teu inimigo usará todos os truques que tiver na manga para te derrotar, não se vai preocupar se é batota ou não.”
“LARGA-ME!” o grito em si merecia respeito. Uma estranha energia saiu do corpo de Laho queimando Lugh tão dolorosamente que este teve que soltar o seu aluno.
“Que foi que fizeste?” perguntou o mestre surpreendido.
Mas Laho estava tão surpreendido quanto ele e não sabia o que responder. Encolheu os ombros e esboçou um sorriso que dizia claramente “desculpa”.
“Acho que o nosso treino acaba aqui, por hoje. Temos ainda muito que andar.” Lugh afastou-se e Laho notou que ele olhou de relance para o lobo que, por mais incrível que pareça, lhe pareceu devolver o gesto.


Lugh perguntou-lhe indicações e o ser deu-lhas embora ostentando um riso bastante suspeito.
“Nós devíamos estar a ir para Norte, porque nos mandas para Oeste?”, perguntou Lugh, ele próprio já a ficar desconfiado.
“Estais desorientado Lugh Ombros-Largos, ide para Oeste e encontrareis o caminho.” A criatura virou-lhes as costas e enfiou-se de novo dentro da pedra, selando a entrada atrás de si.
“Estas criaturas… hmmf, estão a enganar-nos! Bem que a minha mãe me dizia em pequeno:

«Óreades das Montanhas,
Não deves fiar.
Estão cheias de manhas
E não dá p’ra escapar!»”

Laho riu-se com a rima.
“Então isto também são Óreades?”, perguntou mirando a pequena pedra donde a criatura tinha saído, “Mas são diferentes… onde está o Canto Reflexo?”
“São Óreades, sim senhor, mas uma espécie totalmente diferente. Não deves fiar muito nelas, espanta-me até que me tenham respondido… Há boatos de que se aliaram a Hjûd. Não são boas criaturas.”
Os músculos de Laho contorceram-se quando ouviu o nome de Hjûd e os seus pulsos fecharam-se com tanta força que magoou a palma da mão com as unhas.
“Elas não têm o Canto…”, continuou Lugh começando a andar, “… porque não são boas criaturas… Não precisam do Canto… ou melhor, não conseguem produzi-lo. Para que as Óreades cantem o Canto Reflexo é preciso que saibam o que é amar. E poucas das Óreades das Montanhas alguma vez amaram ou foram amadas. São criaturas muito matreiras e muito azedas, se é que me entendes…”
O lobo empurrou Laho por trás com o focinho pois Laho ainda estava preso àquela pequenina pedra. Ambos apressaram o passo para chegar junto de Lugh.
Embora a noite estivesse bastante escura não foi preciso usarem o precioso Ërnêl pois Kvaga juntara-se a Antarïs e juntas banhavam-nos com uma luz pálida que lhes permitia ver o caminho. Embora apreensivos, seguiram o caminho indicado pela Óreade da Montanha sempre com o pensamento de que aquele caminho iria dar a algum lado. Andaram, andaram e andaram mas não chegaram a lado nenhum. Acamparam quando o sol começou a espreitar o dia e a expulsar as luas dos céus. Lugh, com o auxílio da Sila, transmutou um monte de pedras criando um pequeno abrigo com pouca luz para que pudessem descansar. Estavam todos cansados, Lugh, Laho e o Lobo. Adormeceram depressa e o corpo fatigado não lhes permitiu sonhos.
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« Responder #2 em: Janeiro 29, 2008, 15:45:22 »

O que andaria o lobo a fazer? hum... suspeito.

Mas muito bom como sempre  Wink
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« Responder #3 em: Janeiro 29, 2008, 21:06:03 »

Que magnífica imaginação! E que óptimo seria descobrirmos um líquido azul como o do conto que substituisse com vantagem a nossa água!
Um abraço
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Bom dia. Para todos um FigasAbraço
Agosto 14, 2023, 16:53:06
Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
Janeiro 01, 2023, 20:15:54
Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
Março 16, 2021, 12:35:25
Olá para todos!
Março 13, 2021, 17:52:36
Olá para todos!
Março 10, 2021, 20:33:13
Boa feliz noite para todos.
Março 05, 2021, 20:17:07
Bom fim de semana para todos
Março 04, 2021, 20:58:41
Boa quinta para todos.
Março 03, 2021, 19:28:19
Boa noite para todos.
Março 02, 2021, 20:10:50
Boa noite feliz para todos.
Fevereiro 28, 2021, 17:12:44
Bom domingo para todos.
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