AnaMar
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Por vezes descobrimo-nos através dos olhos dos out
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« em: Julho 28, 2009, 14:20:03 » |
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O calor sufoca as palavras secas de tanta sede de viver.
Sai para a rua, sandálias, vestido esvoaçante, decotado, sem costas, óculos de sol e um chapéu de abas largas.
Sente-se adolescente, vibrante sedutora. O perfume oferecido fá-la sentir viva.
Estrangula a memória das dores passadas, entra no jipe, solta os cabelos ao ar condicionado, o som do rádio alto numa musica que passa a propósito, sem acreditar em coincidências, aperta o cinto, arranca direita ao por de sol na praia secreta onde enterra as mágoas que as marés levam numa mensagem de garrafa.
Sem retorno.
Lusco fusco no Bairro de infância. Cheiro a sardinha assada, escadinhas da Bica.
Só, mas tão acompanhada.
Aos poucos regressa ao que era, à alegria infantil, ao sorriso fácil, às gargalhas cristalinas, às emoções à flor da pele.
Aos poucos regressa. A si. Reconhece-se no sentir apaixonado das flores no chão. O mesmo chão que pisava com passadas mais pequenas, apressadas para acompanhar as do homem alto, que lhe pegava na mão, a empurrava no baloiço, há tantos tantos anos atrás.
Parece que foi ontem que a pedra do anel do dedo do pai lhe magoava a mão.
O gradeamento do Jardim do Alto de Santa Catarina, tem impressões digitais de tantos familiares e amigos. E amores. Nem as camadas de tinta conseguem disfarçar as mãos fechadas, os olhos, as cabeças encostadas, a ver o rio, olhar a cidade de cima, tão pequeno que é o Jardim agora.
Sorri aos pares de namorados que passam, numa cumplicidade solitária em pensamentos de amor que preenche todo o seu ser.
É a noite que chega com as festas do seu antigo Bairro, os aromas da infância a lembrarem as ausências e o medo antigo que agora sente de ser orfã.
O amor existe em cada olhar que queira, mas não quer nenhum daqueles, quer o especial, o dela, o de sempre, que não sabe se ficou um dia perdido no olhar vago sobre o Tejo.
Avança decidida, conhece as ruas de cor, as lojas, até os rostos parecem conhecidos, amistosos, alegres.
Sente-se a flutuar, na leveza da alma duma nova vida.
Chega a casa. Cansada e feliz.
Amanhã tem que começar a estudar a sério, deixar-se de devaneios, de sonhos, aplicar-se no trabalho e no estudo.
Passa a segunda adolescência a doer devagar num amor proibido.
E adormece sozinha.
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