marcopintoc
|
|
« em: Agosto 06, 2008, 22:25:28 » |
|
O baixo ecoava como um gigante coração no interior do cérebro de Daniel , MC sem Xeta. O volume altÃssimo do leitor de mp3 , o efeito de um bafo na ganza que o havia animado , caminhando sobre o alcatrão, voando num chão de algodão. Trauteava “Lá vai o MC que não tem medo de ti “ Um scratch imaginado na pausa da batida “ Saco da arma vês logo o teu fim†, Na pausa seguinte dos graves avistou-os. Quatro. Brancos. As botas não enganavam, as carecas confirmavam. Os rapados desciam a rua “Sempre em bando†pensou Daniel. Estava só. Só ele e o seu som. Não desligou , rodou a faixa , a voz de Curtis , “som da rua para quando parece que vai haver merdaâ€. Não apressou o passo , os olhares cruzaram-se .ódio branco contra orgulho negro , o palco era a rua , ninguém à vista . Os fascistas trocaram umas palavras entre eles, os olhares de esguelha fixavam o homem diferente da sua pretensa pureza ariana de Massamá. Nas mangas do blusão de aviador do mais alto de todos as bandeiras de Portugal e da Ucrânia. Segunda geração, ódio redobrado e amamentado em bairros sociais cheios de bandos e de armas. Os brancos, os pretos , os outros , até crews de curdos já patrulhavam as vielas empunhando canos serrados. Mas estes, que agora corriam para sovar Mc sem Xeta, eram da pior escumulha branca , poder e orgulho baseada em gritos irados de operários barrigudos que atribuÃam ao porco sionista e ao homem negro toda a merda que se passava com os lixÃvias. Daniel sabia que era o inimigo , sabia que vinham para ele. Parou e enfrentou-os. Ia levar nos cornos; esperava que eles não usassem os tacos de basebol que decerto ocultavam por baixo dos fechos de correr cerrados até ao pescoço. Estavam cada vez mais perto , entoavam à voz de comando : -Preto , Mata o Preto , Heil ,sieg Heil ! Daniel gritou pelo nome das suas cores e preparou-se para o espancamento. Distavam menos de três metros para o primeiro golpe. E então os carecas pararam. Mc sem Xeta viu-se subitamente coberto por uma sombra imensa. Atrás de si o velho Valério , antigo campeão angolano de pesos pesados , cento e quarenta quilos por dois metros e um . Os cinquenta e muitos anos não lhe tinham roubado os abdominais feitos tábua e grossos braços que terminavam em dois maços com cinco dedos cada. A ideia daquelas manápulas cerradas em formato de directo tinha uma promessa de inevitável fractura óssea. O campeão de Angola , o tipo que em setenta e oito limpara em dois rounds o campeão da ex-metrópole perante o êxtase dos brancos e pretos de Luanda. Daniel sentiu as costas mais quentes , Valério falou : - Tudo bem rapazes ? Um dos carecas ainda teve uma má ideia e abriu uma boca desafiante mas a voz do lÃder do grupo, Ivan Caçador, calou a bravata: - Tudo bem . Senhor, tudo. Não queremos problemas. Rodou sobre os calcanhares e o resto do grupo partiu no seu encalço. Rostos no chão, derrota. Daniel tirou os auscultadores e agradeceu com um aceno de cabeça. O antigo atleta retribuiu o cumprimento com um sorriso e ,levantando a mão, abalou no seu caminho. Mc sem Xeta voltou a rolar , o som de novo alto , baixo , sem palavras. Essas estavam na cabeça de Daniel. Não pensou em damas , nem em carros de chulo , nem em armas , não quis matar ninguém , não quis a sua AK a brilhar na noite. Usando uma malha onde se escutava a voz do comandante da revolução traçou uma rima de honra ao campeão que lhe salvara a pele. Começava assim: -Tyson do musseque que toma conta de nós...
|