A cigarra e a formigaA formiga no Verão
não para de trabalhar,
carregando palha e grão
da seara para o lar.
Empurra, puxa, caminha
sem descansar um momento
até encher a casinha
de bom e farto alimento.
A formiga tão cansada
sucumbiria de triste,
quem lhe ajuda a caminhada?
quem lhe assiste?
A cigarra é quem lhe vale
porque canta todo o dia
uma doce melodia,
para ouvidos de animal.
O Inverno é frio
de cabelos ao vento
e os braços pendentes
no desalento
vazio,
só cheio de tempo.
É quando a vida se esconde
debaixo da terra,
onde a neve a guarda,
a prende,
a encerra.
A boa formiga
pode, enfim, dormir
de barriga cheia
celeiro de emir.
Mas dormir
quem pode
se tem consciência?
Enquanto cantava
a sua canção
certo é que à cigarra,
não lembrava o pão
que comer devia
na triste estação.
- É o que pensa a formiga
que gostara da cantiga -.
E logo ali determina
levar-lhe ajuda capaz
em grão de farinha fina.
E se bem o pensa,
melhor o faz.
É necessário
furar a neve
e a suportar o frio
ela se atreve.
À porta da outra
bate
truz, truz, truz,
tanto que a assusta.
Quem será, Jesus,
com este nevão?
Mas abre, que os pobres
não temem ladrão.
É você, vizinha,
O que a traz por cá?
Venha em boa hora.
Então, como está?
- A cigarra fala bem -.
Eu ... lembrei-me que a amiga
talvez não tivesse
comer para a barriga
o que a mantivesse.
Está tão magrinha!
- Respondeu, rude, a formiga,
com mais S menos S -.
Deixe lá, vizinha,
incomodar-se assim...
Vem tão carregada
por causa de mim.
Isto não é nada
vou trazer-lhe mais
que o Verão ainda tarda.
Mas eu não preciso,
estou a engordar
e faço dieta...
Isso não tem siso,
não seja pateta,
pare de fingir.
Você só sabe cantar
não sabe mentir.
E o que aqui lhe trago
é só emprestado
que em chegando o Verão,
você pagará dobrado
contado
- e cantado -
sob forma de canção
Geraldes de Carvalho