As janelas altas abertas de par em par. As janelas que deixavam ver o jardim verde, os arbustos, o portão que dava para a piscina, o degrau de tijolo vermelho logo em frente à janela. A luz muito branca e forte a entrar pela sala, a ser uma luz como aquela que eu nunca antes tinha visto. Uma luz diferente: mais forte, mais luminosa, a conseguir desvendar cada detalhe, a mostrar cada imperfeição e, ao mesmo tempo, quase a cegar. Sentava-me num degrau da sala, entre os sofás e o patamar que dava para a cozinha, e olhava as paredes brancas que pareciam ainda mais brancas, sem quadros ainda. Os meus olhos viam pormenores, objectos e assistiam a caracterÃsticas que o meu cérebro não conseguia ainda verbalizar, cujas tentativas de conjecturar frases eram sempre dissolvidas em emoções tão velozes e tão fortes e, ao mesmo tempo, tão dinâmicas que, quando eu reparava, sobrepunham-se a todo o resto. Sentada, a luz forte batia-me no rosto e eu não conseguia ter olhos que chegassem para olhar para lá da janela, para ver o verde do jardim, para assistir ao portão que se abria para conduzir à piscina. Era uma luz que me deixava dormente e o frio do degrau, onde eu estava agora sentada, congelava-me o corpo, remetendo-o a um adormecimento entorpecido e inconsciente de cada vez que eu tentava que o meu corpo tivesse mais rapidez para agir e reagir perante as situações. O meu corpo e a minha cabeça viviam dormentes por dentro de mim, como se não conseguissem ter uma vida própria que não só se estendesse para além deles, mas sobretudo que conseguissem habitar e existir dentro deles próprios. E, por isso, toda aquela realidade me parecia estranha, com uma dimensão que eu mesma não conseguia, na maioria das vezes, associar. Era tudo novo. Era tudo estranho, diferente. Todas as emoções eram velozes de mais, dentro de mais e, como se não bastasse, eram, acima de tudo, demasiado inimigas umas das outras: ganhavam consciência de si mesmas e discutiam, umas com as outras, ou até consigo próprias, como se quisessem exterminar a outra, não a deixar ter mais dimensão, nem mais força, nem maior carisma, nem melhor definição. Sentada naquele degrau, que ficava entre a sala e o pequeno patamar que dava para a cozinha, carregava com a mão o meu ventre e as imagens, a preto e branco, com uma luminosidade tão mais viva do que a própria luz que entrava pela janela, eram pesos que se agarravam aos meus pés e que não me deixavam levantar, seguir rumo a uma outra direcção. As imagens das mãos à volta do meu pescoço, dos olhos redondos muito abertos de ódio e de descontrolo, da vertigem, do medo, da impotência, do desconhecido, da vergonha. A luminosidade, tão mais viva do que a própria luz que entrava pela janela, que me ofuscava tanto que me deixava dormente. E quase cega.
[Temos o mundo dentro da nossa experiência de vida, feita por tantos pormenores. E a sua dimensão não se vê quando olham para nós.]
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