Usei luvas esse ano inteirinho. Lutei enlouquecidamente. Acordar este ano foi mais que um desafio, foi uma preocupação diária. Não quero lembrar dos piores dias, das dúvidas e dos medos, não quero olhar para trás e rever todas as lágrimas que derramei ou que vi minha mãe derramando por mim. Não quero contar todos os exames que fiz ou quantas vezes vi meu sangue em tubos tampouco lembrar da vaidade que foi por água abaixo quando o meu médico me proibiu de pintar o cabelo. Não quero mais sentir que eu estava tão perto do que desconheço e ainda temo. Ah Deus! Onde estava esse eu que eu concebia tão forte? Sim, fui um cristal e ainda estou cristal. Muitas rachaduras, mas não quebrei ainda. O som não será mais o mesmo. Nunca mais. Tudo que me apavorou esse ano, ainda carrego como tatuagem. Está aqui na alma.
Esse ano viajei dentro de mim. Descobri uma dimensão para as coisas que eu julgava não importantes. Percebi a grande incerteza da vida, a enorme beleza das pedras, a essencial delicadeza necessária que une e afasta as pessoas. Acima de tudo, senti o que é o medo da espera. No meio desse tumulto, sentia a morte tão mais que perto espreitanto, acenando enquanto eu apenas temia deixar minha filha que ainda está entrando na adolescência. Como fui fraca este ano! Como fui covarde! Confesso que encontrei forças na fé que carrego, nos braços de minha mãe, no amparo de dois amigos especiais. Confesso que aprendi algo que desconhecia sobre mim mesma.
Despedacei e vi muita coisa despedaçando ao meu redor. Lembrei da célebre frase de Nietszche; “ o que não me mata, me deixa forteâ€. Não sei se estou ou não mais forte, sei apenas que não sou mais a mesma. Tenho ainda um longo caminho para atravessar. Não sei se vou conseguir realmente atravessá-lo. O fim da jornada pressupõe um novo recomeço. A vida por um fio, a dúvida, o medo, a dor têm sabores que não desejo para ninguém.
Enfeitar o mundo com meus poemas foi o meu grande prazer este ano. Eles mantiveram meu coração batendo. O amor que tive e tenho foi meu ar. Senti que perdoar faz bem e é saudável também. O tempo foi meu inimigo e meu aliado, nada está completamente estável. No entanto, estou viva. Todo o resto deixei nas mãos de Deus. Que seja então o que Deus quiser.
Karla Bardanza