Esta noite não me deitei. Tinha muito que fazer
no meu escritório . Faço muitas vezes estas
directas e sinto-me bem . A questão é que possa
dormir bastante nos dias seguintes.
Mas esta noite por volta das três horas deu-me
um sono terrÃvel. Procurei lutar contra ele mas
foi impossÃvel e acabei por por a testa em cima
do teclado. Algumas das letras do dito
começaram a fazer-me cócegas . O pior foi que
o R começou a arranhar-me. Ele é nitidamente
onomatopaico . Basta-nos olhar para ele para
começarmos a coçar-nos . O meu azar foi que
fiquei com o olho esquerdo mesmo encostado ao
dito R e como não tinha premida a tecla das
maiúsculas fiquei efectivamente encostado ao r ,
um r que, por ser pequenino, faz ainda uma
comichão mais irritante .
Comecei a pensar como é que devia livrar-me
daquilo . Uma solução seria a de desfazer-me
do computador e voltar a escrever à mão com
um lápis ou uma caneta e foi isso que
imediatamente pus em prática
para descobrir, com o desgosto que imaginam,
que dessa maneira já não sei escrever nada que
uma pessoa normal possa ler.
Também podia tentar escrever ignorando
propositadamente o r mas verifiquei que então
se me tornava impossÃvel escrever a palavra
amor e ficaria com o meu pior ar de tonto
escrevendo amo, amo . Ora sem amor nem vale
mesmo a pena escrever. Sem amor nem mesmo
somos nós mesmos mas um outro que
inteiramente desconhecemos e com o qual até
nos podÃamos dar muito mal . Não não,
concluà . Sem amor não, vale mais a comichão.
E fiquei muito contente com esta rima
involuntária que embora seja uma rima da mais
baixa categoria me deixou tão satisfeito que até
esqueci a comichão.
A comichão, concluà exultante não é senão a
falta de amor. E fiquei a cantar : A falta de
amor, a falta de amo..r..r..r.
A chatice toda foi que acordei enquanto
esfregava o olho esquerdo, furiosamente.
Geraldes de Carvalho