EscritArtes
Março 28, 2024, 15:50:37 *
Olá, Visitante. Por favor Entre ou Registe-se se ainda não for membro.

Entrar com nome de utilizador, password e duração da sessão
Notícias: Regulamento do site
http://www.escritartes.com/forum/index.php/topic,9145.0.html
 
   Início   Fórum Ajuda Entrar Registe-se   *
Páginas: 1 [2] 3 4 ... 10
 11 
 em: Março 05, 2024, 18:49:49  
Iniciado por Nação Valente - Última mensagem por Nação Valente
I - As minhas gatas
Quando senti o bafo de uma mina a acariciar-me a pele, numa picada da guerra  contra os turras, lembrei-me do meu avô Baltazar, no dia em me levou ,à feira anual  para ver a magia no circo. Quando nasceu em 1897, a monarquia agonizava, metida em escândalos e debaixo da pressão dos republicanos. No país pobre e atrasado, onde a pobreza era uma marca consentida, as elites citadinas com algum apoio no meio rural aburguesado, viam na República a solução para todos os males da nação. 
Cerca de cem anos depois, o mundo tinha mudado para melhor. Do meu avô resta a sua memória, por mais algum tempo, na lembrança dos seus descendentes e que se irá diluindo até se reduzir a um absoluto nada. Fui o primeiro neto que ele viu crescer. Hoje sou um sexagenário, a caminhar para o destino que nos é traçado no momento em que nascemos.
Desde os tempos longínquos da infância, fiz um percurso desconhecido, comum a qualquer vulgar cidadão, terminando a vida ativa como subinspetor da Polícia Judiciária, que fui forçado a abandonar por limite de idade. Com origens numa aldeia raiana, vivo hoje na capital. Quando me tiraram o crachá, não me vi, ocioso, a deambular pelas ruas e praças, quiçá a jogar às cartas em associações populares ou jardins públicos. Reinventei-me como detetive privado.
Na minha casa, situada na encosta de Alfama, abri o meu gabinete de investigação. Criei a personagem Jotacorreia, que se promoveu nas páginas de anúncios de jornais como prestador de serviços de investigação. Chamo-me Júlio César Correia e vivo sozinho. O nome pomposo de um político romano foi sugerido pelo meu avô, artesão rural, mas homem de muitas leituras.
O histórico Júlio César, um desconstrutor de nações e construtor dum império, para além da sua glória passada, tem as mãos vermelhas de sangue. Foi-lhe atribuída a frase, “nos confins da Ibéria existe um povo que não se governa, nem se deixa governarâ€. Depois de César vieram  “bárbarosâ€, muçulmanos, castelhanos, franceses. Vieram e foram e esse povo continua presente. Em comum com esse César, só tenho mesmo o nome. E talvez a solidão que acompanha a vivência do poder. As minhas memórias são apenas atos banais, de amores passageiros, de guerras pela sobrevivência pessoal.
A minha solidão foi assumida. Não casei nem me amancebei. Ainda tive dois relacionamentos que me marcaram durante a juventude, mas que se esfumaram tão depressa quanto nasceram no calor da paixão. Aida e Irene, foram as mulheres com quem me envolvi sentimentalmente e que deixaram marcas que nunca consegui apagar. Depois, casei com a polícia a tempo inteiro, de tal modo que a minha fidelidade continuou mesmo após ter sido descartado como uma peça usada.
Durante anos, meses, dias, horas, após o trabalho, num ritual repetitivo, calçava as pantufas, lia os jornais vespertinos, fazia uma refeição frugal, bebia os uísques que me desse na real gana e fumava um charuto aromático para reduzir a ansiedade. Nunca me imaginei, nem em pesadelos, na companhia de uma mulher a chatear-me a “cachimónia†“Ó Júlio chega aqui, arruma-me essa louça, descasca-me essas batatas…â€
Mas essa vida, de boémia e simplicidade, é apenas recordação. O tabaco, foi o primeiro vício que tive que abandonar, por causa de uma maldita bronquite, resquício da passagem pelo clima húmido da Guiné, na guerra colonial. Do álcool tive de me divorciar depois de aposentado, por causa de uma cirrose. E as relações ocasionais com as mulheres esfriaram após problemas de quem foi premiado com próstata. São as chagas acumuladas pelas peripécias da vida e pelo irreversível envelhecimento. Para ter algum consolo moral, têm lugar reservado na minha secretária de trabalho, uma garrafa de uísque e uma caixa de charutos, dos quais não usufruo o sabor, mas não dispenso o cheiro.
Neste momento, a minha companhia sempre fiel, é uma gata chamada Judite. Judite porque era o nome da minha avó e a designação popular da PJ, que faz parte do meu ADN. O nosso primeiro encontro foi ocasional, mas chego a pensar que estava traçado nas palmas das mãos. Aconteceu no tempo em que ainda chegava a casa com a mente toldada por uma excessiva elitização, que me libertava das canseiras da puta da vida.
Enquanto arrastava os pés pela calçada gasta por pés perdidos na poeira dos séculos, tinha o hábito de falar com um candeeiro que parecia atravessar-se no meu caminho. O monólogo com esse farol orientador do trajecto para casa, foi interrompido, certo dia, por um objeto fofo a esfregar-se nas minhas pernas. Com a visão algo turvada vi a gata. Sacudi-a mas ela não fez caso e seguiu-me até ao meu apartamento. Ficou a viver comigo. Faz-me companhia a troco de comida e de algumas carícias. Falo com ela de assuntos banais e até partilho inconfidências. Sei que não me contraria, não me responde nem me atazana a paciência, passe o plebeísmo, como uma gata de duas pernas. Depois de me formatar como detetive, contratei uma colaboradora para me ajudar na elaboração dos relatórios. Vem de manhã e sai à tarde. Chama-se Rosalinda. Ela e Judite são as gatas do meu presente.
Rosalinda exerce as suas funções de forma discreta. É muito reservada. Falamos apenas de assuntos de trabalho. Contratei-a depois de se candidatar ao lugar de secretária, em resposta a um anúncio. Quando entrou para a entrevista, impressionou-me pela simplicidade e pela beleza. Demonstrou ter conhecimentos para a função que queria que realizasse. Num primeiro momento pareceu-me que já a tinha visto. Procurei-a nos recantos da memória.
Recuei no tempo e vi-me no Rossio a ser interrompido no meu percurso por uma menina, a desabrochar para a juventude, que me queria vender flores. Recusei. Num impulso que me surpreendeu colocou-mas na mão. “Ofereço-tas gatãoâ€. Era então um jovem, neófito na cidade, para construir o futuro. Devolvi as flores, algo atrapalhado, e segui o meu caminho. Anos mais tarde, quando já era agente da PJ, entrou no meu gabinete, a menina das flores com perfume de mulher, como acompanhante do namorado, soldado da nação e preso militar, por ter vestido um casaco numa loja da baixa da cidade, com o qual ia sair, distraído, sem pagar. Com um choro estridente, a moça, suplicou misericórdia.
Durante a entrevista para minha colaboradora lembrei-lhe esses encontros: Disse-me que tinha casado com esse namorado, que agora era estivador. Tal como a Judite, foi outra gata que me pareceu ter sido fadada para fazer parte da minha vida.


 12 
 em: Fevereiro 26, 2024, 22:49:55  
Iniciado por Maria Gabriela de Sá - Última mensagem por Maria Gabriela de Sá
É verdade, as musas podem ser como a chuva....

 13 
 em: Fevereiro 26, 2024, 22:47:50  
Iniciado por Maria Gabriela de Sá - Última mensagem por Maria Gabriela de Sá
Obrigada, beijinho

 14 
 em: Fevereiro 26, 2024, 22:47:13  
Iniciado por Maria Gabriela de Sá - Última mensagem por Maria Gabriela de Sá
Obrigada, beijinho

 15 
 em: Fevereiro 26, 2024, 22:46:34  
Iniciado por Maria Gabriela de Sá - Última mensagem por Maria Gabriela de Sá
Obrigada...

Abraço a ambos

 16 
 em: Fevereiro 26, 2024, 22:45:10  
Iniciado por Maria Gabriela de Sá - Última mensagem por Maria Gabriela de Sá

Mostra-me a tua Lisboa
O Rio Tejo e os cacilheiros
As águas e as pontes que unem margens
Amigas ou em conflito de portagens
Mostra-me as pessoas e a cidade
Nos seus lazeres ou pueril leviandade
Mostra-me as avenidas largas, as casas  apontadas para o céu
Mostra-me as grandes praças, as estátuas,
As paralelas ruas desencontradas pela mais velha definição geométrica do mundo.
Mostra-me os becos dos boémios e as vielas do fado
Que nascem  de noite para melhor se ouvirem no silêncio as canções tristes.
Mostra-me os lugares que tuteias
O direito o avesso
As coisas bonitas e as feias.
Conta-me a história dos ilustres
Que a cidade celebra e o país venera
Sem excluir Santo António
O casamenteiro das moças solteiras.
Fala-me de Pessoa
Diz-me onde morou, ébrio, sóbrio ou apaixonado
Quando escrevia cartas de amor ridículas
à sua Ofélia que nunca foi
Ou pelo menos um dia deixou de o ser.
Que sítios frequentava
Onde tomava as bebidas inspiradoras
De poesia e dos seus mil e um heterónimos.
Sobretudo aponta-me a tabacaria onde comprava  os cigarros.
Talvez eu queira levar-lhe um maço de tabaco metafísico
Aos Jerónimos, ou ao Chiado
E fumar, até, um a meias com ele, do mesmo modo metafisico
Ate à última estrofe do poema ou do último morrão do cigarro.
Mostra-me os teatros e cinemas que ainda existem
Fala-me dos edifícios demolidos por causa do progresso
A ver se
Nos novos
Eu ainda lhes consigo ver na cara a alma antiga.
Fala-me dos vencidos da vida
De Eça de Fialho, de Ramalho
Do Grémio Literário, das tertúlias e das suas Honras
Mesmo daquelas que já não conduzem a duelos em campo aberto
Até à morte.
Mostra-te a Torre de Belém
O Museu dos Coches
O da Ãgua que agora tanto escasseia
Ou simplesmente leva-me à Estação do Oriente
A ousadia de Santiago Calatrava e suas árvores de ferro
Ainda sem nome na flora mundial ou autóctone
E ainda absolutamente imunes ao bicho da madeira.
Mostra-me os desenhos da calçada portuguesa
A cobalto preto e branco
E a cruz dos Templários aqui e a li em simetria
Símbolo de adoração a Cristo e à sua ordem-
Leva-me, mão  na mão
Por entre turistas de todas as nações,
Mesmo as que não andem no encalço de Jesus
Nem de qualquer conversão por simpatia.
Mostra-me a alma portuguesa
Num dia de sol
Quando Deus se passeie pela brisa da tarde
Antes de recolher para o sono no Olimpo
Enquanto nos aponte o caminho de casa
E o esboço de como as coisas deveriam sempre ser:
Bem-feitas.

Gabriela Sá

 17 
 em: Fevereiro 07, 2024, 18:48:59  
Iniciado por Nação Valente - Última mensagem por Nação Valente
Para quem gostou e para quem não leu.

E para quem não leu o meu romance "ZÉ NINGUÉM"- A minha vida não dava um romance, aconselho que o faça. Disponível nas livrarias Bertrand, Fnac, Wook, em livro e e-book. No Brasil no grupo Atlãntico.

 18 
 em: Fevereiro 04, 2024, 16:47:22  
Iniciado por Nação Valente - Última mensagem por Nação Valente
Dionísio, na arte de bem prosear, umas vezes acerta-se, noutras nem por isso.

 19 
 em: Fevereiro 01, 2024, 18:51:35  
Iniciado por Nação Valente - Última mensagem por Nação Valente
Diz quem sabe?  :fixe:

 20 
 em: Janeiro 30, 2024, 01:38:33  
Iniciado por Maria Gabriela de Sá - Última mensagem por Maria Gabriela de Sá
O MINISTÉRIO DA FELICIDADE

Rola o tempo como uma bola com vida nos pés de um jogador
Evitando a concorrência como se o jogo fora vital
Sentença de ganho ou perda de causa, justa ou injustamente
Onde o tribunal é o próprio tempo
Lesto na absolvição dos deuses sem culpa e muito menos remorso
Verosímil sentença logo nos indícios que alicerçaram a prova
Entre os factos e o direito que condena ou absolve os factos.

As águas de todos os rios correm para o mar
Sempre ou só em último caso e depois do apeadeiro único ou em cascata.

Poderoso é o Amor que resiste ao tempo
Entre águas calmas e ensanguentadas pelo azar
Nutrido pelos demónios que não gostam de nós
Débeis seres
Encolhidos na concha do mundo
No Polo Norte ou em qualquer outro lugar
Castelos de sonhos erguidos em toda a parte
Ilhas de palmeiras verdejantes
Atreitas a furacões do Pacífico ou de outros mares e terras
Sem lei ou com lei e grei e ainda um Ministério da Felicidade.

Sem Amor tudo o que nasce acaba por fenecer
Entre o excesso de sol ou o pipilar de sombras
Nocivos  ambos sem a grandeza dessa estrela maior
Timoneira da Vida
Ãnclita luz da Humanidade
Morada dos eleitos
Éden pré definido
Néon de festa
Taberna onde o vinho e alegria se misturam em equilíbrio
Asas nos pés de bailarinos
Insistentes até ao amanhecer
Sem sucumbirem ao cansaço do corpo e da alma.

Aqui estou eu
Nívea crente na eficiência do Ministério da Felicidade
Tonteando feminilmente
Estrofes sem rimas e risos deficientes
Sem saber se sou entendida ou simplesmente ignorada.

Dá-me o teu amor, a tua paixão
E salva-me da semivida que é ser sem-amor como se fora um sem-abrigo.

Ensina-me o abecedário do prazer e de mais coisas importantes
Une a tua vida à minha por uma cauda justa.

Amorável  causa e amorosa causa
Credível
Rejuvenescida num fim de tarde parecido com um amanhecer
Entre o acaso e o destino, escrito sobre nós, antes de qualquer coisa.
Dar-te-ei eu o que me restar de inocência
Ingenuidade
Tardança
Alegria
Realidade, simples ou complexa e tudo em que o meu eu acreditar.

Quimeras incluídas nesse acreditar
Utilidades e até pequenas leviandades
Estrofes hermenêuticas para as quais tu talvez tenhas a chave.

Medeie entre nós o amadurecimento das coisas bem feitas
Ensine-nos o tempo a arte da paciência tão cara aos artesãos.

Amemo-nos depois
Mil e uma vezes
Até ao fim dos tempos
Só assim o Ministério da Felicidade poderá continuar de pé.

Gabriela  Sá

Páginas: 1 [2] 3 4 ... 10
Recentemente
[Março 20, 2024, 16:42:39 ]

[Março 19, 2024, 20:20:16 ]

[Março 17, 2024, 22:17:37 ]

[Março 17, 2024, 22:16:43 ]

[Março 12, 2024, 00:13:37 ]

[Março 11, 2024, 23:55:47 ]

[Março 05, 2024, 18:49:49 ]

[Fevereiro 26, 2024, 22:47:50 ]

[Fevereiro 26, 2024, 22:47:13 ]

[Fevereiro 26, 2024, 22:46:34 ]
Membros
Total de Membros: 792
Ultimo: Leonardrox
Estatísticas
Total de Mensagens: 130129
Total de Tópicos: 26759
Online hoje: 683
Máximo Online: 964
(Março 18, 2024, 08:06:43 )
Utilizadores Online
Users: 0
Convidados: 533
Total: 533
Últimas 30 mensagens:
Novembro 30, 2023, 09:31:54
Bom dia. Para todos um FigasAbraço
Agosto 14, 2023, 16:53:06
Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
Janeiro 01, 2023, 20:15:54
Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
Março 16, 2021, 12:35:25
Olá para todos!
Março 13, 2021, 17:52:36
Olá para todos!
Março 10, 2021, 20:33:13
Boa feliz noite para todos.
Março 05, 2021, 20:17:07
Bom fim de semana para todos
Março 04, 2021, 20:58:41
Boa quinta para todos.
Março 03, 2021, 19:28:19
Boa noite para todos.
Março 02, 2021, 20:10:50
Boa noite feliz para todos.
Fevereiro 28, 2021, 17:12:44
Bom domingo para todos.
Powered by MySQL 5 Powered by PHP 5 CSS Valid
Powered by SMF 1.1.20 | SMF © 2006-2007, Simple Machines
TinyPortal v0.9.8 © Bloc
Página criada em 0.142 segundos com 24 procedimentos.