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A medo, pé ante pé
num sussurro
perdida a timidez
pressentindo ser correspondido
com este meu jeito, sem jeito
perguntar-te se queres ser meu amor
e eu teu querido

Talvez me perguntes
-“Para quê?”

-Ora, já se vê, para casar contigo
em regime de comunhão de bens
eu dou-te tudo que tenho
tu dás-me tudo o que tens
depois, os dois, diremos améns
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

Se eu não tivesse olhos não via
se não tivesse mãos não tateava
nem escrevia

Se não tivesse ouvidos não ouvia
se não tivesse olfato não olfatava
se não tivesse pernas não andava nem corria
se não tivesse boca não comia

Aqui chegado, sinto algo esquisito
pensar que quando como bom naco de carne
saber é matéria de carne de vaca
ou de boi bocado do seu espírito

Quem ama, ama a carne ou o espírito?
Esquisito!

Mas, coisa banal é
quando vemos boa miúda dizemos:
-“Ah, que bom material”

Quer-se lá saber do espírito!
Esquisito!
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

Apenas um fio, liga números
a uma distância enorme
entre quem na alma tem frio
e de amor cheio de fome

Palavras por um fio vão
entre números de telefones
por vezes de negócios
por vezes de ócios
ou sobre coisas tontas
vindas dum coração

O telefone é porta-voz do amor
mas, que se transforma em ódio
por causa…das contas
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

De mamilos da terra brotam fontes
que matam a sede de alguém

Rebentasse eu a fonte do meu amor
para matar a sede que dele me vem

Não há como ir a puras fontes
mais ao longe ou mais ao perto
e de pura água encher caneco
com amores de puros horizontes

Da virgindade de águas é preciso cuidado
evitar mágoas de partir o caneco

Caneco partido ganha má fama
deixando de servir a água pura
e passa a pura lama

No brotar das fontes sê caneco inteiro
e que partidos não contes
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

Num poema analisa-se cada palavra
põe-se no prato, leva-se ao palato
passa-se o dedo
deteta-se seu grau de acidez ou doçura
se com mensagem ou placebo
se de alegria, amargura ou embriaguez

Pesa-se seus resíduos tóxicos
vê-se a hipótese de aplicação medicinal
ou espiritual, para supositório
via anal ou oral

Verifica-se comprimento da palavra
sabe-se do autor e só no final
apura-se o resultado,
se genial ou apenas chalado,
tendo em conta que
tal acontece a quem muito chá bebe
assim como quem muito escreve
mas que, depois, lê e nada percebe
como música experimental, vinda de sons
de cordas, de paus, de tachos
de todos os metais ou até chafurdando
na água, afunilando tons

Tudo junto dá musical salada
de muita utilidade, para nos quintais enxotar pardais,
como este poema, que, depois de analisado
poesia não tem, porém  para algo há de servir
se não for para mais
dará para rir da música
ou da poesia experimental!
Ah ah ah ah ah

Rir é o melhor que há e não faz mal
Xô pardais dos quintais
com poesia ou música experimental
de cordas ou metais

Xô leitores de poemas normais
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

A noite pariu o dia
no dia há poesia
mas, sem olhar não há encantamento
sem visão tudo é escuridão
só o olhar ilumina o pensamento

Desgraçado de quem vive sem olhar;
é noite sem nunca luz a iluminar

O dia é poesia, e mesmo num céu
com estrelas, é preciso olhar para vê-las

O dia tem vinte e quatro horas
todo ele poesia; de noite e dia
mas, preciso é saber olhar

Desgraçado de quem, na vida
anda com olhar vendado
e se na poesia não reparar
será poema jamais declamado
Hoje, a noite pariu poesia
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

Milhões de anos atrás
mas, hoje que diferença faz
se o Homem foi sempre Homem
não outra coisa por que o tomem

Inventa crenças, inventa medos
inventa deuses, inventa milagres
porém, Verdade vista por qualquer cego
é que o Homem não é nada; ninguém
só da Natureza um placebo

Nada mudou
desde sempre com deuses viveu
desde sempre teve medo
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

Num ano eu fiz um filho
Que no mesmo ano nasceu
Só quem comeu meu milho
É que de mim fruto deu

O homem tem sua bolsa
Onde guarda semente
Em terra de mulher a solta
Para nascer nova gente

Cada homem tem espiga
Mas cuidado deve ter
Se a der a uma rapariga

Não vá ela a querer meter
Toda inteira na barriga
Sem primeiro a comer
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

Adolescente pôs a hipótese de namorar
olhou-se ao espelho
e pensou na hipótese de roupa a usar
se hipótese cor azul
hipótese cor amarela
hipótese dum combinado
hipótese de qual calçado
e de qual perfume impregnado

O tempo passava e de hipótese mudava
até que decidiu e como estava saiu

Do outro lado da rua
alguém se dirigiu
agarrou-o e a seus braços prendeu

Não lhe deu qualquer hipótese

Agora
ele tem a hipótese de tudo usar
exceto deixar de usar seu perfume
que a ela lhe fez atravessar a rua

Ela não lhe dá hipótese
quer sempre cheirar e ficar na lua
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque

Hipótese de chover
hipótese de fazer sol
Hipótese de fazer amor
Hipótese de ter sorte
Hipótese de ter paz

Hipótese de boa rapariga
ou bom rapaz

Hipótese de ter saúde
hipótese de ter virtudes
hipótese de ter alegria

Hipótese dum poema ter poesia

Tudo é uma hipótese
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque