gdec2001
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« em: Novembro 25, 2013, 01:54:51 » |
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Um filho finalmente...?
Quando temos um filho adquirimos a certeza da imortalidade.
Quando chegou aos seis meses de gravidez, começou a notar-se muito o crescimento da barriga da Adélia e ela começou a ser felicitada. No local de trabalho, porém, muita gente se havia apercebido da intimidade que ela tivera com o António e por isso, as felicitações eram, à s vezes, bastante irónicas. Mas ela fingia não reparar nisso. O António olhou para ela, ao princÃpio intrigado mas depois pareceu começar a compreender. Um dia apanhou-a sozinha e perguntou-lhe: de quem é o bebé? Ela sorriu-se largamente e respondeu-lhe: Do meu marido, é claro. E ele sorriu-se, então, também. Apenas à sua grande amiga, Maria Inês, disse, claramente, toda a verdade e esta alegrava-se, tal como se preocupava, com ela. A Adélia é uma pessoa muito saudável, como já dissemos aà atrás, e, por isso, o parto foi extremamente fácil. Na verdade doeu-lhe um pouco mas tal dor encontrava-se associada, de uma forma inextricável, com um prazer que ela não sabia se era só de natureza moral ou, também, fÃsica. Nasceu um menino; um rapaz que, passados alguns dias, já se via que havia de ser muito bonito; como os dois pais, pensou ela. O Mário prestou-lhe toda a assistência necessária, mas só se mostrou verdadeiramente enternecedor para com a criança. Agora ela via como o olhar dele parecia torturado e não sabia o que fazer, porque ele tinha razão, embora não o soubesse . Ele não sabia precisamente o que se passava consigo.
O ciúme é um lobo vê-se pouco mas morde sempre. O seu território de caça é a nossa imaginação.
Lembrava-se sempre de que fora ele quem sugerira aquela maneira de terem um filho mas, desde que soube que ela estava grávida, sentia um mal-estar que se fora tornando cada dia mais acutilante. Repugnava-lhe sumamente que fosse ciúme o sentimento que estava sentindo, pois sempre entendera que ela era um ser diferente dele, a quem competia decidir de si e do seu corpo e quando ela, só a ele o entregava, considerava isso um privilégio para agradecer com idêntica dádiva de si e não um direito de que pudesse sentir-se privado se o perdesse. Por vezes, quando estas razões imperavam mais no seu espÃrito, quase conseguia esquecer e voltava a ser cheio de ternura, como era de seu natural. Mas, de costume, estas belas ideias, nenhuma influência tinham nos seus sentimentos. O pior era quando guiava sozinho numa estrada deserta . Os pensamentos voltavam-se então para o acto, que ela quisera apresentar como breve e sem importância, mas que ele sabia que não pudera ser assim, e tremia todo de raiva mal contida, trauteando sempre, como costumava, sem saber o quê. Temia a sua reacção ao chegar a casa, mas apaziguava-se, sempre, com a vista do rapazinho que estendia para ele os bracinhos ainda mal seguros. Tudo, na sua razão e na sua inteligência, advogava a compreensão por aquele acto que lhe dera um filho pelo qual tanto ansiara mas tudo, no seu coração e nos seus nervos, repudiava tal acto. Não queria, não podia admitir, que considerasse a Adélia como uma coisa sua, de que se sentisse roubado, porque outro homem a tivera, mas, nos pesadelos que vivia todos os dias, era exactamente isso que acontecia e a sua raiva era tanta que se sentia cheio dela, a rebentar. Passavam-lhe por vezes, as ideias mais loucas pela cabeça: Matá-la ou matar-se mas, na realidade, não a censurava de nada e, só de pensar em matar-se, nascia-lhe um verdadeiro terror do vazio. Não podia contar com ninguém, nem mesmo com a sua famÃlia, para discutir o problema ou apaziguar o seu tormento, porque não era capaz de imaginar senão que se ririam dele e isso aterrorizava-o. O seu único alÃvio é a própria Adélia nos dias em que dorme nos seus braços, exausto. E ela multiplica-se em carinhos que por vezes ele recebe como uma criança mimada e outras vezes repele disfarçadamente. Só teme que um dia não possa dominar-se e acabe por tratá-la mal, o que nem quer, sequer, conceber, uma vez que continua a amá-la com desespero. E ela vive como se tivesse duas vidas. Por um lado encantada, enamorada, pelo seu lindo filhinho, a que foi posto o nome, universal, de José. Brinca com ele, horas a fio, falando, e pegando. nos seus pezinhos, nas suas mãozinhas, no seu narizito, perdendo a noção do tempo e do lugar. Nele tudo lhe parece maravilhoso : O rir e o chorar , o mamar , o có-có e o chi-chi , o cheiro, o olhar, a mansidão e a irrequietude. Fala sempre com ele dizendo-lhe o que tenciona fazer e sonhar e não fazer. Considera-o um homenzinho e também um homenzão porque tem pureza e candura como nenhum outro. E quando lhe dá de mamar sente-se por vezes, como que, pequenina, toda dentro dele, tal como, anteriormente, o sentira dentro de si, plena e pleno da mesma candura e pureza . Por outro lado, vive a sua segunda vida, atormentada pelo desgosto que o Mário sofre, em silêncio. Às vezes sente vontade de contar-lhe, exactamente, como foi que aquilo aconteceu, para que ele sofra de uma vez tudo quanto tem de sofrer. Haveria então, de colhê-lo no seu seio e acalentá-lo como a uma criança dolorida. Sente, porém que já não pode ser assim; que certamente ele não aguentaria a verdade e não quereria consolação. E, no entanto, que pouca importância teve, para os seus sentimentos, aquela relação sexual. Recorda mais o António como o atento companheiro dos seus passeios à beira Tejo, do que como companheiro de cama. Agora entende ela que se diga que Cristo foi concebido pela graça de um santo espÃrito, porque o seu filho também foi concebido da mesma maneira. Não busca desculpa para si no facto de ter sido o marido a sugerir-lhe o que fizera, mas encontra-a no resultado maravilhoso que conseguiu. De maneira que não sente outra culpa senão a de lhe ter mentido.
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