Tino Saganho
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« em: Abril 16, 2009, 16:06:06 » |
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Depois da soga... A Toga!
O carreirinho, por entre campos, sobranceiro à presa onde abundavam as mais variadas plantas, arbustos silvestres, répteis e insectos das mais variadas espécies era, na época, o mais curto elo de ligação entre a aldeia e a escola primária. Por esse longo, mas estreitÃssimo caminho de terra saibrosa e pedras soltas passavam, diariamente, quase todas as crianças da aldeia, com destino ao único estabelecimento de ensino da freguesia. Nos dias de Inverno, especialmente nas manhãs mais nevosas e geosas, a passagem da pequenada era inconfundÃvel. O barulho que faziam era tal… que mais parecia uma “batucadaâ€, ao longo de todo o percurso, consequência do martelar dos tamancos e solipas – calçado em voga na época, nos meios mais pobres. Com o aproximar do Verão, reinava o pé – descalço, mas nem por isso havia mais sossego à sua passagem. O centeio, que crescia nos campos que ladeavam o carreiro, absorvia completamente toda aquela reduzida área de trânsito pedestre e transformava-a num sombrio túnel. Era aà que os alunos menos aplicados ao estudo se refugiavam, quando faltavam à s aulas, por não terem em ordem os “trabalhos de casaâ€. Ocupavam o tempo à procura do famoso dente – de – cão - uma espécie de grão de centeio de maior dimensão, de cor negra, que germinava em algumas espigas - para depois o vender à medicina popular e com o produto comprar guloseimas… Numa daquelas tardes escaldantes…, a professora quis “presentear†os seus alunos com uma falta de comparência à s aulas. Divulgada a notÃcia da sua ausência, os “putos†abandonaram a escola e, num ápice invadiram toda aquela área de cultivo, em procura do tão ambicionado grãozinho negro. A azáfama de toda aquela gente de “palmo e meio†foi, momentaneamente, interrompida por gritos de aflição, agudos e sucessivos. - Fugi, fugi que vem aà o meu pai - dizia um rapaz - que aparentava 12/13 anos de idade e corria esbaforido na direcção do grupo. Os traquinas, aterrorizados, fugiram – como ratos fogem dos celeiros, quando há predadores por perto – e, em poucos segundos, tudo ficou deserto e num estado tal… que mais parecia um campo de batalha em fim de combate! - Maldita canalha brava! – disse, com raiva e angústia o lavrador, ao ver toda aquela cena calamitosa… - É isto que vós aprendeis na escola? Só aprendeis garotices! Bem faço eu em não deixar o meu Tino andar na vossa companhia. Depois de um breve silêncio - talvez para avaliar os estragos – o homem do campo dirigiu-se ao filho – que amedrontado pela ira de seu pai se manteve a uma confortável distância – e, com voz rÃspida gritou: - Volta para a soga do gado e não me voltes a pedir para ires à escola! O rapaz explodiu em choro e soluços e, numa correria atabalhoada, pontapeou tudo o que encontrou pela frente, ao mesmo tempo que gritava de raiva: - Um dia fujo! Um dia fujo!
O Tino, mais conhecido por “Tino do Açude†– por viver junto a um açude na margem do rio Ave – era filho único de um pobre casal de rendeiros. Rapaz sadio, de fÃsico atlético, adorava ir à escola, mas o seu pai ocupava - lhe a maioria do tempo com o arado e a soga. Valia-lhe um amigo Ãntimo que, todas as noites, lhe deixava copiar os trabalhos do dia. Era assim que ele ia aprendendo alguma coisa, mas insuficiente para acompanhar os colegas da classe. O filho do agricultor sonhava ser um homem! Não o homem que seu pai queria que ele fosse – homem do campo – tampouco como aqueles que, terminada a instrução primária, iniciavam o trabalho em indústrias têxteis. Queria ser culto, instruÃdo, e fazer parte daquela sociedade que lhe conquistou a simpatia. Queria ser aquilo para que estava vocacionado… A sua vontade, inquebrantável, de vencer na vida, motivava-o para grandes projectos no futuro. Que grande revolução ia no seu peito de adolescente! Que luta terrÃvel contra tudo o que se opunha ao seu fervoroso desejo! Que grande sofrimento lhe atormentava a alma! O tempo entre os 13 e os 16 anos – idade em que concluiu a 4ª classe – pareceu-lhe uma eternidade! Sentia-se agora mais dono de si…, menos dependente e mais amadurecido. Os seus projectos eram agora mais claros e mais sólidos! A sua vontade de vencer era menos ilusória e mais realista! Por cada dia que passava sentia o êxito mais ao seu alcance! No dia em que completou 17 anos cumpriu a ameaça que fez aos 13. Ao romper do dia, partiu!
Acolheu-o a cidade de Lisboa. Dias depois enviou ao seu pai uma resumidÃssima mensagem: - “Pai, perdoa-me mas tinha que ser assim!...†O Tino do Açude esqueceu a famÃlia e os amigos. Na aldeia, onde ele era muito querido, o seu nome foi sendo gradualmente esquecido. Agora, toda a sua vida estava dependente de si próprio. Na capital, não esperou que o trabalho lhe batesse à porta. Foi ao seu encontro! foram várias as actividades profissionais que desenvolveu durante os primeiros cinco anos. Com a sua prestabilidade e humildade, cativava patrões e companheiros de trabalho. O rapaz da soga do gado – assim era conhecido nas empresas por onde passava - trabalhava de noite e estudava de dia. Pode dizer-se que a sua vida se resumia a trabalhar, estudar e dormir. Ele sabia bem o que queria!... De repente, como da noite para o dia..., desapareceu da empresa onde trabalhava e da casa onde vivia. Teceram-se as mais variadas considerações, mas ao certo ninguém sabia para onde fora. Passaram-se mais de vinte anos e, do jovem Tino do Açude, ninguém conhecia rasto.
Naquela manhã de Outubro chovia e ventava tempestuosamente! A rua estava repleta de gente que, curiosa, se concentrou à porta do tribunal para ver chegar os criminosos. A polÃcia, à s dezenas, tomava posições estratégicas na área daquele tribunal algarvio. Um importante julgamento ia ter lugar. Seis assaltantes iriam ser julgados e possivelmente condenados por assaltos a bancos. A sala de audiências estava a abarrotar de gente. A expectativa pairava no rosto das pessoas presentes. Abriu-se uma porta e por ela entraram vários polÃcias que escoltavam os réus. Aguardava -.se, a todo o instante, o inÃcio da audiência. Fez-se silêncio absoluto! Instantes depois, outra porta se abriu e por ela entrou um cavalheiro, de meia idade, corpo atlético e semblante airoso. Envergava toga preta. Dirigiu-se para o cadeirão principal e, depois de bater levemente com o “martelo da justiça...†disse: - “Está aberta a audiência!†A soga do gado tinha cedido o lugar à toga judicial!
Tino Saganho
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