Noite eterna

Finjo-me perdido e nervoso quando elas passam e me lançam olhares curiosos. Três regressam da casa-de-banho olhando umas para as outras com açúcar polvilhado sob os narizes, expressões risonhas e uma elevada taxa de alcoolémia a brilhar como tochas através dos seus olhos intoxicados. Desvio os meus. Elas pensam que por timidez. Não sabem que é nojo que sinto.

Uma rapariga e a sua tatuagem tribal nos ombros de um vestido que nunca teve costas. A melodia da sua voz perdida para mim no ruído da sala, mas o seu sorriso suave segura-se. Mãos que fazem amor amargo e triste com as teclas luminosas do seu telemóvel. Ali e longe. Um fantasma como eu.

A ruiva aflita muito no fim da fila para a casa-de-banho das senhoras, com a sua vida inteira dentro do soutien. Por razões que desconheço e que me assaltam de repente, agrada-me o estilo bombástico de auto-promoção daquela mulher de impacto mínimo no meio ambiente. O decote profundo faz parte. Tudo calculado para ajudar a torná-la numa opção viável e simplificada para aqueles que procuram sexo sem compromisso. Um luxo que me está proibido.

Não sou o único fingidor no clube nocturno. Vejo-a conversar com um dos malabaristas da bandeja, fazendo-se muito mais tonta do que na realidade está. É perigosa para a alma, a bela feiticeira encantada dos sentidos. Finca as garras, seduzindo a presa com algum tipo diabólico de tortura à base de enxofre que nos derrete o coração como a nossa jura de amor favorita. Ela sabe que estou aqui. Os nossos caminhos não se cruzarão.

Observo outras. Cinco mulheres dançam em grupo, julgando-se mais seguras em número. Beleza e motivação e confiança e cinismo e drogas e cigarros e descontrolo e sonhos e ferocidade. Cambaleiam foram do ritmo da música, deixam que os corpos absorvam o álcool e o reutilizem para confirmar com aquelas partes dos seus egos que ainda não tenham chegado à conclusão de que beberam demais.

Perto, a coisinha sorridente no pico do seu período generoso. Trouxe a dar uma volta a personalidade mais atrevida e excepcionalmente bem pensada das horas vagas. Uma única memória de infância martela-lhe o rosto. Aquilo que mais queria ser na vida quando crescesse era ser bonita. Os deuses, sempre relutantes, a esta fizeram a vontade. Demasiado jovem, digo eu. Nada contra. Acontece que já tenho as minhas miras assestadas noutra.

Levanto-me, abandonando a mesa e o meu copo de veneno à sua sorte. Aproximo-me sem me mover. O rosto perfeito, a atitude perfeita, a profundidade perfeita. O cheiro dela, perfeito também. Entra de imediata para a minha galeria de clássicos. Um original verdadeiro. O vestido de alças coloca-a bem dentro do meu território. É preto, a minha cor favorita. Brinco-lhe com o cabelo escuro, teço-lhe elogios.

Suponho que estar contigo será como fazer amor com um poema. Os nossos olhares juntam-se e tomo-te pelos braços. Dançamos em sítios onde a música não chega. Tenho-te, agora. Sorrio junto do teu pescoço quente e mordo. Duas gotas escarlate fluem para o decote.

Pronto. Já está. Agora, fazes parte da minha vida.