Gemma

[pedrojorge]

O palco fulgurava intensamente, a roda colorida caprichava, as colunas pulavam, o público a estremecer, o coro vacilava, o fogo de artifício intensificava o céu, apesar disso Gemma teimava a estabilizar a bracelete preta espinhada.
O guitarrista zombava entusiasmado, ela incorporava uma maleta estável, que esvaída mantinha a mesma massa. O fumo a propalar-se na multidão, ela a usar a mão sem bracelete, erva-santa, duas passas profundas.
Arremessou o isqueiro. A banda incendiou-se. Cada rosto corado do esforço, cordas vocais consumidas. O esturro dispersava, a alameda purificava-se, beers bota-fora.
— São horas? — De camisa de dormir.
A porta do quarto cicatrizou a ferida que os pais observavam na parede.
Aulas, quadro, caderno. Casa, escola, concerto. Missa, exposição, casa, escola, professor, colegas, senhoras da limpeza.
Posto isto, acordava de manhã, assistira a 7 dias numa só noite. Quarto, sem brechas, bateria e guitarra a abalroarem, janela sorrateira, destrancada. Às 5 da manhã acordaram-na para lhe darem um certo chá, de momento os olhos eram incapazes de se rotularem. A caminho do colégio, habitações, de piscina, com jardins, desde plantas de culto a árvores, jardins, crianças, imensos carros na estrada, infracções, pessoas certinhas, velhotes a transitarem de berma, autocarros que cumpriam certos paradeiros, placares publicitários, Coca Cola 0, Seven Up, SG, Martini, Lion, Corn Flakes, Mimosa, Formas Luso, Ciência Viva, Sumol Z, Nestea, parques de recreio, serviço das finanças, Cafés, Centros Comerciais, Belavista, a noite comutada correctamente no dia, bibliotecas, serviços de apoio ao cliente, serviços de apoio social, Universidade, até que sobrou meramente mais uma avenida, a escola já se avistava, assomava entre as grades de 3,5m que dali aspiravam a picos para furar pneus às viaturas que por lá passassem, contudo estudou repentinamente os flancos dessa tela, a Terra instalada naquelas últimas centenas de passos, 80 dias que tinha evitado em cada ida à “aldeia do estudo”.