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Autor Tópico: A mulher da janela  (Lida 5229 vezes)
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Antonio
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« em: Novembro 26, 2007, 14:19:41 »

Luciano casou com Judite há cerca de dois anos.
Foi nessa altura que compraram um pequeno apartamento num arrabalde da grande cidade e para lá foram viver. Recorreram ao crédito bancário como é corrente depois de o mercado do arrendamento se ter degradado até ficar moribundo.
Todas as noites, depois do jantar, costumavam ir os dois tomar café num estabelecimento que ficava a uns quinhentos metros de casa. Iam a pé, salvo se as condições climatéricas não fossem as mais recomendadas para andar na rua.
Muito recentemente, a Judite deu à luz um rapazinho a quem puseram o nome de Carlos.
De então para cá, o homem começou a ir sozinho ao café depois de dar a ajuda habitual à mulher. Mas, normalmente, não demorava mais de uns vinte minutos, salvo se encontrasse alguém conhecido com quem conversava um pouco. Mesmo assim nunca se deixava retardar pois a Ju estava habituada à sua companhia e ao seu auxílio.
Numa das primeiras noites em que caminhou sozinho, a uma hora em que ainda havia muito claridade natural, reparou que numa janela de um primeiro andar elevado, situado a cerca de meio caminho entre a sua habitação e o seu destino, estava uma belíssima jovem que o olhava com os seus enormes olhos negros de forma insistentemente provocadora.
E a cena repetiu-se nas noites seguintes. Quando regressava, já ela não estava à janela.
Aquele rosto lindo era de tal forma apelativo que o Luciano começava a ficar ansioso por a ver ainda não tinha saído de casa.
Ela nada dizia e ele também não. Pensava que qualquer ousadia ali, tão perto da sua morada, teria um risco elevado que ele temia correr. Mas não lhe faltava vontade de entabular conversa.
Até que, certa noite, estava ele a uma escassa dezena de metros de passar sob a janela quando a misteriosa rapariga deixou cair um papel amarrotado em bola e desapareceu da vista do Luciano.
Ele baixou-se, meteu-o no bolso e só quando tomava o café é que o leu:

“Sou uma Rosa que tem falta de água e pode estiolar
Rosa367@netcabo.ptâ€

A partir do dia seguinte, quando o computador que partilhava com a mulher estava livre e ela na cama, trocava uns e-mails com a Rosa. Depois passaram a conversar em chat.
Ela era muito esquiva a todas as perguntas que ele lhe fazia, o que punha em redemoinho os seus pensamentos e lhe fazia crescer a vontade de a conhecer melhor. Porque não pessoalmente?
A situação prolongou-se durante mais de três semanas e, quando ele passava junto à janela já lhe abria um largo sorriso no que era correspondido pela Rosa.
Entretanto ela foi-lhe dizendo que vivia com os pais, que andava a cursar Direito, e que mal ele desaparecia na curva a caminho do café se retirava da janela e ía estudar.
O coração do Luciano começava a bater com mais força quando passava perto da enigmática mulher.
Até que, uma noite, recebeu um e-mail que dizia:
“Amanhã estou sozinha em casa. Vou deixar a porta do meu apartamento somente encostada. Entra sem medo. Se a do prédio estiver fechada, toca à campaínha que eu abro-a cá de dentro. Quero ver-te de perto e quero que me conheças melhorâ€.
Ele tremeu!
Finalmente iria poder estar perto da Rosa!
Na noite seguinte, enquanto caminhava ía olhando tão discretamente quanto possível para todos os lados e, quando se aproximou da porta 367 encostou-lhe o ombro e entrou rapidamente. Fez o mesmo no apartamento. Desta vez o coração parecia querer saltar-lhe do peito.
Ouviu uma voz linda, dizer:
- Eu estou aqui no meu quarto. Orienta-te pela voz e vem cá.
Ele assim fez até que parou diante de uma porta encostada. Era lá de dentro que vinha o cântico de sereia.
- Entra! – disse a jovem.
Empurrou-a lentamente com dois dedos e abriu-a.
Viu uma cadeira de rodas com uma mulher sentada, de costas para ele.
- Entra e vai para junto da janela, meu amor – orientou ela.
O Luciano assim fez. Agora, podia vê-la sentada numa cadeira de rodas com o rosto lindíssimo a sorrir e o peito a arfar. Desceu mais a mira do seu olhar e viu que a Rosa tinha ambas as pernas amputadas pouco abaixo das virilhas.
A surpresa deixou-o mudo e o rosto fechou-se.
- Desculpa, meu amor, mas queria que soubesses isto deste modo. Em directo e sem preparações.
- Pois! – balbuciou o homem – De facto apanhaste-me completamente desprevenido.
E não sabia se havia de sair imediatamente ou ser simpático e permanecer junto dela.
Ficou.
Conversaram durante mais de meia hora e ela contou-lhe, com as lágrimas a correr, o acidente que lhe transformara a vida. Disse-lhe que não se chamava Rosa mas Mafalda e se comparava a uma rosa desmembrada removida do roseiral.
Finalmente, ele despediu-se beijando aqueles lábios de framboesa.
Regressou a casa com uma confusão de sentimentos: tristeza, compaixão, irritação, ternura, fúria...
Dormiu mal. A Ju até lhe disse de manhã:
- Esta noite estavas muito agitado. Aliás, tens estado assim há várias noites. Que se passa contigo? – quis ela saber.
- Nada, mulherzinha! Nada de especial, é só algum stress do trabalho que vem comigo para casa e para a cama – mentiu ele.
E, na noite seguinte, fez um novo percurso para o café.
Um percurso mais longo e que não passava junto da janela da Rosa.
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Goreti Dias
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« Responder #1 em: Novembro 27, 2007, 07:23:40 »

Pois... é difícil aceitar a deficiência. Estes/as jovens já têm amargura que lhes baste na vida, serem rejeitados assim ainda os deixa piores. Mas só um grande amor ultrapassa a barreira que aquele homem tinha que ultrapassar. E aquilo era outra coisa que não amor. Esta personagem fez muito bem em mudar o seu percurso. Fez doer menos...a ela. A ele só o tempo o diria...
Mais um belo conto!
Bjs
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Goretidias

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Antonio
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« Responder #2 em: Novembro 27, 2007, 09:02:59 »

Olá!
Este é um conto amargo e sem pitada do humor que costumo introduzir nos meus escritos.
Às vezes até nem quero fazer humor mas as pessoas dizem que se riram...
Isto prova que sou um mau escritor...ah ah ah
Beijos
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« Responder #3 em: Novembro 27, 2007, 09:58:28 »

Um texto dramático que põe em evidencia os sentimentos dos portadores de deficiencia e o mundo que os rodeia. Este não dá mesmo vontade de rir.

Abraço
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Antonio
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« Responder #4 em: Novembro 27, 2007, 12:39:22 »

Este é mesmo para fazer chorar as pedras da calçada!

Abraço
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« Responder #5 em: Novembro 27, 2007, 17:50:11 »

Tens toda a razão! Não dá para rir... quase me apetecia publicar aquele conto "A desgraça bateu à porta"... mas já era desgraça a mais. Se bem que o meu termina em bem... são felizes apesar da deficiência... Qualquer dia, quem sabe...
Bjs
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Antonio
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« Responder #6 em: Novembro 27, 2007, 18:22:53 »

Eu uso pouco o "happy end".
Se me perguntares porquê não te sei responder, pois penso tratar-se de alguma coisa que está escondida no subconsciente ou mesmo no inconsciente.
Mas uma coisa é certa: nenhuma história acaba bem!
Porque se formos mesmo ao fim acaba sempre com a morte.
Até os famosos contos de fadas.
"...casaram, tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre".
Uma ova!
Morrem todos!

Beijos
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« Responder #7 em: Novembro 27, 2007, 22:42:10 »

Mas morrer feliz é perpetuar a felicidade na terra que nos acolhe...
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Antonio
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« Responder #8 em: Novembro 27, 2007, 22:45:24 »

E quem te disse que morreram felizes?
ihihihih
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Goreti Dias
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« Responder #9 em: Novembro 27, 2007, 22:50:29 »

Tu! Tu é que disseste que foram felizes para sempre... então foram felizes até à morte! Morreram felizes... a menos que perante a visão da velha da foice tivesses ficado infelizes...
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Antonio
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« Responder #10 em: Novembro 27, 2007, 23:03:18 »

Não fui eu!
É uma frase habitual para terminar as histórias infantis (ou era, no meu tempo).
Mas não diz que estavam infelizes na hora da morte porque isso iria converter um conto infantil num conto não infantil.
Ou será que alguém está feliz na hora da morte?
« Última modificação: Novembro 28, 2007, 09:36:40 por Antonio » Registado
Vera Silva
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« Responder #11 em: Novembro 28, 2007, 09:02:32 »

Mais um belíssimo texto!
Gostei muito! Um alerta que o que vemos nem sempre corresponde à realidade. E tanta loucura e desejo... que desaparecem como um passe de mágica perante a deficiência daquela Rosa/Mafalda. Deficiente é quem não aceita a diferença e neste texto o maior deficiente é o Luciano.

Beijinhos
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Vera Sousa Silva
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« Responder #12 em: Novembro 28, 2007, 09:39:35 »

Dite e Vera!
Obrigado pelos vossos comentários a este texto que, ao contrário do que é meu hábito (penso eu), não tem uma só linha para fazer sorrir.
Beijinhos
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Antonio
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« Responder #13 em: Janeiro 06, 2008, 01:01:51 »

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Sejam bem vindos às escritas!
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Boa tarde!
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Bom Ano! Obrigada pela companhia!
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Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
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Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
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Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
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Bom domingo para todos.
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