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Autor Tópico: Flash Gordon - Versão Integral  (Lida 2755 vezes)
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ÂngeloFerrão
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« em: Junho 10, 2009, 14:34:41 »


Tinha por hábito verter aquela lágrima, lágrima de embraiagem…
D. Teresa dos cilindros fémures era amantíssima de Flash e claro está, do Flash.
Flash queue flash, nay flash? Flash! Flash queer flash, nay flash? Flash!
Artur locupletou-se da vida que arrastava. Decidiu revigorar genica no estranho. Por lá se locomovia uma tareca que alcançara havia tempos. E como todas as tarecas, parecia-lhe mais apetecível quando não estava à sua honra.
Sentia que precisava parar de beber e de tomar todos aqueles comprimidos. Se cuidou que a fantasia seria afastar-se, melhor o compôs. O Chipre era bastante longe e se não fosse, mais distante iria.
São sobretudo elas que o dizem, que o nome assenta, que o Flash, Flash, que dá, que tem.
Protuberante nariz caminhava. Parecia-nos o Flash Gordon, assim de perfil, rei dessoutros universos paralelos. Era na realidade Artur Flashback, aliás Flash, como era sobejamente conhecido. Diz que, ou diz-se que (de forma menos popular), o nome lhe assenta como uma luva.

Artur Flashback, após se lhe revelar que o Chipre não era longe o suficiente, resolveu-se a sarar a ressaca das dívidas ao fisco e à segurança social numa travessia de Kathmandu para Lhasa.
As más-línguas. Sempre as más-línguas, agora a alvitrarem que Flash se havia metido em grandes cavalgadas. Que das dívidas ao estado ninguém falou. Apenas uma denúncia anónima às finanças, informando que vendera todos os bens aos amigos íntimos, mas a dita, sufocada.
Dizem por aí à boca enchente que lhe dava forte na heroína e na coca. A mim cheira-me que não passava de umas ganzas e ocasionalmente uns drunfes. O seu problema, se é que o podemos pôr assim, era mesmo o álcool.
Uma semana antes de partir, Flash, que até então não mexia uma perna, fosse para o que fosse, tratou sorrateiramente dos vistos e da angariação dos fundos necessários à empreitada que se avizinhava. Pediu avultados empréstimos a todos os amigos das ramboiadas, excepção feita aos íntimos, que não convinha.
Bom juiz de carácter, só tentou embrulhar aqueles que acabaram por se deixar levar (que aos outros também não pagou jantares, que os não há realmente de borla).
Sobrevoava agora Itália e aproveitava para ler um folheto que lhe tinham dado na agência, não secreta, mas de turismo:
«A travessia de Kathmandu para Lhasa oferece-nos a visita dos seus mais importantes centros monásticos acompanhados pelo magnífico panorama das grandiosas montanhas dos Himalaias. Iremos admirar a imponência e o esplendor dos seus mosteiros, santuários, palácios e fortalezas colocados em locais preponderantes na paisagem insólita do desértico planalto tibetano.»
Deu consigo a pensar: Realmente insólito! O mais que se me costuma atravessar é uma espinha na garganta…
Já no aeroporto de Nova Deli, enquanto esperava pelo voo para o Nepal:
– Pois pôs-se ao fresco, sem lágrimas! Pois foi fino como um rato, sem escrúpulos! – Cantava embevecido pelo arrojo e por muitos dias ainda, lhe saiu a lenga-lenga.

Nova Deli teria certamente os seus encantos e porque não experimentá-los?...
Passados estão, que os dias que por lá esteve, tendo decidido adiar o voo à última da hora, nada de novo acrescentam à história do nosso herói.
As grandes altitudes são propícias à meditação devido à rarefacção do oxigénio, dizem. E Flash não ficou imune ao ambiente que lhe era perfeitamente estranho. As pessoas que consigo faziam a travessia entre Kathmandu e Lhasa pareciam-lhe doutro planeta, o que também ajudava a toldar o discernimento.
Quem diria? Ainda há poucos dias lhe tinha escapado do goto um hino à ausência de consciência e eis que ela desperta. Ou talvez não.
Nunca houvera imaginado que pudessem surgir na mente fotografias tão nítidas, até filmes e para mais com cheiros, sabores, arrepios. Por momentos viu nitidamente D. Teresa, a das coxas roliças. Como ela fodia! Essa mulher madura tinha sido muito amiga da sua mãe. A sua mãe… Nem sabe porque não a matou… Não teve tomates. Nos últimos dias o cheiro era nauseabundo, pior era a tensão entre os presentes, essa sim, fedia. Nessa altura cantava, mas em surdina:
– Three prozacs a day keeps the madness away.
A máxima “mínimo custo, máximo benefício†cedo se lhe inculcara na cabeça e só a ferros e em situações muito peculiares não pautara toda a sua existência. Assim, comer a Teresa, como ele colocava a coisa, tinha o benefício da queca e o diminuto preço de ter que aguentar uns quantos “prontosâ€.
Já a morte da mãe era uma chatice, porque a morte cheirava mal, mas a herança era aguardada com brutal impaciência. O facto de o pai se ter finado havia uns anos tinha sido uma bênção e graças à providência, tinha-lhe passado praticamente ao lado.
Mas, perguntamo-nos:
– É isto meditação?
Não tenhamos a ilusão que tamanha metamorfose se dê a Flash logo no primeiro dia de jornada. 

Estava ali por ter sido aquele panfleto, que lera mais em pormenor no espaço aéreo italiano, o primeiro a encontrar-lhe as mãos. Mas questiona-se:
– Que faço aqui?
Mais do que pensar, sentiu:
– Balanço! Faço um balanço! E porque não um balancete? Ou um diário? Ou um razão?
“Mínimo custo, máximo benefícioâ€. Once homo economicus, always homo economicus. O rapaz tem o espírito toldado por uma linguagem técnica. Deformação profissional. Assim não vamos lá. Vai ter que se descascar, ou não, é com ele… Narrador, cala lá o neurónio. Abri a porta do devaneio e estava a ver que não a fechava, já está.
Para além do cansaço provocado pela rarefacção em oxigénio, Artur começa agora a sentir o que lhe é causado pela caminhada. Esta travessia tem como mercado alvo os místicos e os estetas do misticismo. Ora, Flash até tem Flash, mas não faz questão alguma de atingir estados alterados de consciência por vias que não a química. E se esta gente se põe a fazer chá de cogumelos, deverá alinhar?
O cansaço aumenta, aumenta, aumenta, começa a arfar. O guia aproxima-se do que lhe parece ser um cliente em apuros, perguntando-lhe se não prefere enfrentar os Himalaias com um extra de oxigénio, ao que Flash, ferido na sua virilidade, reponde com um categórico não.
O que quer que estivesse a correr menos bem cessa e o nosso Artur é invadido por um júbilo inaudito. Outra vez a máquina fotográfica de ontem. Surge-lhe a avó, a mãe da mãe. Seria tibetana, a senhora? Aqueles olhos rasgados fazem-lhe agora algum sentido. Não há coincidências, pensa, onde é que já me martelaram esta frase? A pesada ferramenta desaparece no nevoeiro.
Surgem-lhe, então, três das suas ex-namoradas, estão a tomar chá, em amena cavaqueira. Estranho, não sente as orelhas a arder, em verdade nem sequer as sente. Mas estão felizes, isso deve servir para alguma coisa, talvez sinal que não deixou mossas nas suas auras. Que raio vêm a ser as auras! Estarei a ser vítima de algum surto de telepatia? Talvez os seus confrades de travessia fossem místicos à séria.
A tareca que fora reencontrar em Paphos, no Chipre, de nome Laura, tinha-se revelado decepcionante, talvez bronzeada demais para o seu, por aqueles dias, refinado palato. Quatro dias, foi quantos lá passou, foi quantos aguentou na sua parcial companhia. Isaura trabalhava de dia num desses quaisquer programas da ONU, para o qual, naturalmente, Flash se estava a marimbar.
Era preciso ir mais além, de preferência onde nem o seu próprio advogado o encontrasse, por isso ali estava. E estava a ser carregado pelo guia e por um outro senhor, mais velho, em que ainda não tivera oportunidade de reparar. Tinham chegado ao mosteiro onde iam pernoitar e ao que tudo indica, tinha passado o efeito do que quer que fosse que o deixara naquele estado.

Na verdade endrominei-vos quando referi que os dias que Flash passou em Nova Deli, antes de voar para o Nepal, nada adicionavam à história do nosso herói.
Naturalmente, confeccionei de propósito, há toda uma série de acontecimentos por revelar. E foi o impulso das suas tendências biológicas recônditas, das quais até há pouco nem suspeitava (embora gostasse de apreciar os seus congéneres masculinos no duche, o que na altura lhe dava um especial gozo por achá-los a todos enfezados), que o levou a sair disparado no aeroporto de Nova Deli. Ali ninguém o conhecia, porque não dar largas ao saber?
Flash mete pastilha e diverte-se num bar em Nova Deli…
É engatado por um grupo de ingleses e fica surpreendido com o tamanho dos seus membros viris. Submete-se filiando-se no clube dos que estão convictos que só não gosta quem nunca experimentou, embora ponha a hipótese de tal se dever à excelente qualidade do lubrificante anestésico. Os ingleses eram três e deu-se por inteiro. A caminho do hotel pôde verificar que tinha enfim percebido a verdadeira acepção da expressão “novo andarâ€.
Tendo acordado sobressaltado, “The Queen of the Desert†continuava no ecrã em “The Adventures of Priscillaâ€. Deu consigo a cogitar se a realidade, a ficção e o onírico andariam de mãos dadas. Tinha acabado de sonhar que o narrador estaria a aviltar a sua história e ainda estremunhado, insultou-me.


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Goreti Dias
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« Responder #1 em: Junho 10, 2009, 20:31:19 »

Uma prosa bem desenhada, num bom estilo!
« Última modificação: Junho 10, 2009, 22:55:57 por Dionísio Dinis » Registado

Goretidias

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marcopintoc
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« Responder #2 em: Junho 11, 2009, 00:18:00 »

Reli com gosto este texto que conhecia em formato "fragmentado". Uma prosa com uma marca muito própria
Abraço
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« Responder #3 em: Junho 11, 2009, 17:55:47 »

Ângelo,
Uma prosa que leva o leitor na cantiga...
Bom texto.
Bj
Nanda
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ÂngeloFerrão
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« Responder #4 em: Junho 13, 2009, 12:42:05 »

goretidias,

Sim, é mais desenho o que por vezes me sai…
Obrigado pela leitura e comentário.


marcopintoc,

Tendo inicialmente sido escrito e publicado em pequenos fragmentos, foi também com gosto que agora republiquei, em versão integral. Espero que fique pelo menos uma leve marca de água…
Obrigado pela leitura e observação.


Nanda,

Pois, ele havia uma tentativa de endrominar o leitor, dizendo-lhe que tinha sido endrominado e afinal… talvez…
Obrigado pela nota e pela leitura atenta.


Abraço aos três,
AF
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Boa tarde
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Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
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Olá! Boas leituras e boas escritas!
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Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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Boa tarde a todos.
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