Antonio
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« em: Dezembro 05, 2007, 14:30:34 » |
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Sónia Gonçalves conhecia Gustavo Galvão desde criança. Para falar com mais rigor, desde que foram colegas na escola primária e depois no preparatório e no secundário. Ela foi sempre uma boa aluna, estudiosa, interessada, mas ele era um rapaz brilhante, daquelas inteligências acima da média que sabia muito mais do que aquilo que os programas e os professores exigiam. Era também um excelente andebolista e não faltava a uma missa semanal pois era muito religioso, um católico praticante. Além disso eram quasi vizinhos. Eles e mais três rapazes e duas raparigas andaram sempre juntos até ao 9º ano. Depois separaram-se. Fizeram o 12º e cada um seguiu o seu curso: o Gustavo foi para Engenharia, a Sónia para Jornalismo, a Luciana para a Escola Superior de Educação, o Pedro para Direito, a Joana também para Jornalismo, e o LuÃs e o Carlos para Desporto. Os namoricos que até aà houvera tinham sido mais brincadeiras de adolescentes do que relações consistentes e sérias. Mas agora, na fase terminal dos seus cursos, mais crescidos e maduros, LuÃs e Joana bem como Pedro e Luciana andavam envolvidos numa relação bem intensa. Sónia sempre tivera um fraquinho por Gustavo e tentava demonstrá-lo com insistência, até que atingiu o seu intento conseguindo que o rapaz lhe pedisse namoro. Mas, em matéria de sexualidade, ele sempre dissera que queria ir virgem para o casamento e não queria ter qualquer tipo de sexualidade com a amiga de infância antes do matrimónio. A rapariga, magra mas elegante, com uns cabelos ruivos que condiziam muito bem com as sardas que tinha na cara e no resto do corpo, por vezes lamentava-se ao rapaz das opções dele. Mas o Gustavo era inflexÃvel. - É pecado! Por isso gasto as minhas energias no desporto. De vez em quando também se lamuriava com as amigas. - Mas gosto dele o suficiente para não discutir as suas ideias. Respeito-as e mantenho-me casta sem grande sacrifÃcio. Lá virá o dia em que vou tirar a barriga de misérias – dizia. O Gustavo, alto e espadaúdo, cabelo cortado muito curto, tez um pouco morena e olhos castanhos, estava agora no último ano do curso. Já dava aulas e preparava-se para seguir a carreira de docente universitário; eventualmente criar uma empresa de projecto para ter sempre contacto com a vida prática e tentar ganhar mais dinheiro. Ele era filho único ao contrário dela que tinha mais duas irmãs. Parecidas, todas elas. Tinham puxado à mãe.
Mas, um dia, seriam umas sete da tarde, o telemóvel da Sónia tocou: - És tu, Joana? - Sou! Estás bem? - Sempre, felizmente! – respondeu a namorada de Gustavo. - Olha! Preciso de falar urgentemente contigo – surpreendeu a também estudante de Jornalismo. - Urgentemente? Então porque não me dizes já o que tens a dizer? - Porque quero fazê-lo pessoalmente – disse, com firmeza, a Joana. - Estás a deixar-me intrigada. Há alguma coisa grave? – perguntou a Sony. - É relativamente grave mas não te preocupes pois não morreu ninguém nem vai morrer e nem sequer é um caso de doença – procurou sossegar a amiga. - Mas então não podes mesmo dizer nada? Nem uma dica? - Nada de nada! Encontramo-nos logo, depois de jantar, no café em frente dos Bombeiros. Não faltes, ok? – voltou a Joana a ser incisiva. - Pronto! Pronto! Eu estou lá por volta das nove horas. Agora deixaste-me ansiosa. - Está combinado minha querida! Logo te conto. Xau! – despediu-se a amiga, misteriosa como nunca o fora. Às nove horas da noite já a Sónia estava sentada numa mesa saboreando um café e um cigarro, coisa que só fazia raramente pois não era do agrado do Gustavo. - Olá! Olhou para cima e viu a Joana a despir um casacão e depois a sentar-se junto dela. Antes de começar a falar deu um beijo à amiga e pediu um café. - Olha, Sónia! – começou num tom solene. A outra olhava-a atentamente. - O que vais ouvir não te vai agradar nada. Mas eu não posso deixar de to dizer. - Diz! – ordenou a jovem sardenta. - Hoje à tarde vi o Gustavo e o Carlos a entrarem juntos para uma residencial. Não tenho a certeza absoluta, mas tudo me leva a pensar que eles têm uma relação homossexual – arrasou a Joana. A Sónia nada respondeu: ficou estática, olhar fixo na amiga mas de sobrolho franzido. E foi a morena quem continuou: - Depois disso estive a pensar em toda aquela religiosidade e desejo de se manter casto do teu homem. Sempre me pareceu um exagero mas cada um tem os seus princÃpios, e como ele teve ou tem, não me lembro ao certo, dois padres na famÃlia, não me levantou suspeitas. - Mas tu tens a certeza? – interrompeu a namorada traÃda. - Que os vi entrar juntos, isso vi. Mas só isso! Na minha opinião acho que se deve tirar tudo a limpo. Mas tu é que és a namorada dele e, um dia mais tarde, serás a sua esposa. Acho que deves saber com quem andas antes de te comprometeres mais – continuou a dissertar a morena. - Pois é! Até estou atordoada. Neste momento não sei o que fazer. Tenho de dormir sobre o assunto e deixar que tudo seja mais claro na minha cabeça. - Ó Sónia! Tu desculpa ter falado nisto, mas achei que esta era a única forma correcta de agir. - Fizeste bem! Agora vou-me deitar – e a desiludida jovem desligou o celular. - Vou perguntar ao LuÃs se o Carlos tem alguma namorada – pensou, em voz alta, a Joana. - Pode não ter, mas já teve relações com mulheres. Eu sei de uma que já foi com ele para a cama – afirmou a sardenta. - Então é capaz de ser bi. - Pois é! Olha! Vou-me embora! Depois falamos, está bem? – e a Sónia levantou-se, beijou a amiga, pagou ao balcão os dois cafés e saiu.
Deitada na cama, luz apagada e olhos molhados, a jovem ruiva começou a rever o filme da sua vida com o grande amigo, agora namorado, que a tinha desde sempre fascinado pela sua figura e inteligência. E lembrou que sempre que ela tentara aproximações ele reagira sempre da mesma forma: rejeitando todo e qualquer avanço. E lembrou-se ter lido numa qualquer revista que o actor americano Rock Hudson só assumiu a sua homossexualidade poucas semanas antes de morrer com sida e que, para evitar que se falasse dele, fizera um casamento de conveniência com uma rapariga que, aliás, durou pouco tempo. A jovem sentiu-se como a cortina que era usada para tapar o outro lado da vida do seu querido Gustavo, embora ela tivesse sido quem mais tentara uma aproximação séria. Agora tinha de o confrontar com o facto! De supetão! Não só para ouvir o que ele tinha para dizer como para ver as suas reacções. E fá-lo-Ãa com a maior brevidade possÃvel. Não queria viver situações falsas.
No dia seguinte, logo que acordou após uma noite mal dormida, ligou o celular e pouco depois entraram várias mensagens. Duas eram do Gustavo. Lavou a cara e a boca para despertar melhor e ligou para ele que atendeu logo de seguida. - Olá, Sony! Que te aconteceu ontem à noite que liguei várias vezes e deixei duas sms’s? E depois ainda fui a tua casa mas disseram-me que estavas cansada e tinhas ido dormir – falou o jovem. - E é verdade! Estava cansada e doÃa-me a cabeça. Não estava disposta para conversas. - E hoje estás bem? - Acho que sim! Vamos encontrar-nos hoje? – perguntou ela. - Podemos ir almoçar juntos. Eu passo pela tua escola à uma, serve? - Humm...está bem! - Então até logo e as melhoras! Beijinhos! – disse o rapaz. - Beijinhos para ti, também! – respondeu a moça. À hora de almoço, a Sónia saiu do edifÃcio escolar e logo viu o carro vermelho do namorado. Dirigiu-se a ele, entrou, beijou os lábios do Gustavo e este arrancou só parando no parque de estacionamento de um restaurante. - Gustavo! Não saias já! Quero esclarecer umas coisas contigo – disse ela, com uma voz diferente do habitual. O quasi engenheiro notou isso e aquiesceu: - Estão diz o que tens a dizer! - Gustavo! Tenho fortes suspeitas de que tu sejas homossexual, andes com um homem, um pelo menos, e me estejas a usar como máscara de hetero. Quero que me respondas com toda a sinceridade. Lembra-te que, qualquer que seja a resposta que me dês, a nossa amizade fica intocável. Só poderá ser abalada se tu continuares a mentir e a usar-me – despejou a rapariga. - Mas quem é que te meteu uma coisa dessas na cabeça? – disse ele, aparentemente descontraÃdo. - Alguém te viu ontem a entrar para uma residencial com o Carlos – atirou a Sónia. Agora o Gustavo Galvão ficou calado a pensar que tinha sido descoberto e que entre continuar com uma mentira que um dia seria inevitavelmente posta a nu e com consequências muito mais devastadoras ou dizer já a verdade e tentar que isso não se espalhasse, fez rapidamente a opção: - É verdade, Sónia! Eu sou gay e só tenho de te pedir desculpa por te ter usado. A minha intenção era não ter namorada para me ocultar dos preconceitos da sociedade, mas tu tanto insististe... Penso que o namoro acaba aqui. Mas quero continuar teu amigo porque sou mesmo muito teu amigo. As lágrimas deslizavam pela face sardenta da jovem. - Tenho de desaprender a amar-te e olhar para ti só como amigo. Eu adoro-te, tu sabes, e isto é muito violento para mim – disse ela. - Também gosto muito de ti, mas eu sou como sou e não consigo mudar. Só me admiro de não teres topado mais cedo. Ahh...e quem está a par do assunto? – procurou ele proteger o seu grande segredo. - Além do Carlos...deixa-me telefonar! Pegou no celular e ligou: - Sou eu! Acabo de ter a confirmação das nossas suspeitas por parte do Gustavo. Já contaste a mais alguém? Do outro lado respondeu a Joana: - Não! Ainda não! - Então faz de conta que isto foi um sonho do qual acordaste e vais esquecer. - Está bem! O namoro acabou? - Claro! – disse a rapariga traÃda. - E como vais justificar o fim da relação? – perguntou a estudante que estava do outro lado. - Isso, eu e ele vamos combinar. O importante é que ninguém saiba que o nosso grande amigo Gustavo é como é porque nenhuma de nós o quer ver sendo humilhado. Valeu? - Valeu! - Então depois encontramo-nos para falar de tudo menos de uma coisa que não passou de um sonho. Xau. Beijinhos – e a Sónia desligou. Virou-se para o rapaz e disse: - Só uma pessoa sabia. Quem te viu com o Carlos. Podes estar descansado que é alguém que gosta muito de ti e não te vai querer prejudicar. E agora vamos almoçar? E os dois encaminharam-se para a porta do restaurante de mãos dadas.
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