Restaurante Aleatório
...— Já estamos a chegar. Vou ter de deixar o automóvel na oficina para mudar o óleo e como é de noite só podem fazer-me isso amanhã. Vamos ter que ir a pé até a casa. Não é muito longe, apanhamos o elevador, depois descemos, e num espaço de quinze minutos estamos lá.
— Ainda bem, estou cansada, atravessar o Atlântico e tentar falar inglês depois de tantos anos sem proferir uma palavra, é muito difícil! — Insinuou a senhora. Ela apenas propunha alegrar a interlocução, resultado de uma viagem pouco animada e tensa.
— Então o meu filho está bom? — Finalmente teve coragem de impor uma pergunta familiar, íntima, que dizia unicamente respeito a um determinado número de pessoas, com uma ligação, na viagem não o fizera por causa dos gestos escusados da sua esposa.
— Sim. Penso que neste momento… não tenho a certeza, mas se está com a minha filha. — Um retoque de vanglória, porém pareceu mais uma graça do que uma frase exibicionista.
— Por onde é que se desce? Grandes colinas!
— Pois são interessantes. Tornam a cidade agradável.
— Uma boa opinião! As pessoas, normalmente, depois de viverem tantos anos num local nem sabem opinar sobre ele de forma positiva, quem o faz demonstra que o local é mesmo bom.
— Não tenho razões de queixa. — Olhou num ápice a esposa de Carried, e repugnou-se por isso, pois não era bem isso que queria ter feito, se fosse hoje teria optado por dizer qualquer palavra que compensasse a escuridão do colóquio no automóvel.
Prosseguiram em frente até à casa de David. A Lua Nova cimentou o céu imprevistamente, as pessoas circulavam agitadas sem pensarem que poderiam estar a seguir o caminho errado, uma gaivota perdida no meio da cidade, apesar de muito perto do mar fresco e ameno que encenava o calor. David aliou-se ao pelotão deixando Carried passar-lhe à frente, passados alguns segundos o comandante da marcha pára e atenta na atitude de David, dizendo:
— Por onde é que é o caminho? — A sua expressão assemelhava-se à de um pobre menino perdido e desesperado por chegar a casa. David resistiu alguns segundos a deslindar a vitrina de uma loja, mas acabou por responder:
— Não esteja com pressa, acabaremos por chegar na mesma. — Não insistiu em prolongar a sua frase porque achou desnecessário e irrelevante naquele momento, em vez disso preferiu perseverar na caminhada e demonstrar que era muito incauto na linguagem e também pouco acolhedor.
Desceram a colina, aproximaram-se cada vez mais de casa. A estrada estava escorregadia, a descida tornava-se cada vez mais difícil, precedente do cansaço acumulado.
— David! — Tratou-o como se fosse conhecido e próximo de há muito. — Vamos parar um bocadinho, queres beber uma cerveja?
— Eu pago. — Isentava de se sobrepor.
— Tenho os calcanhares carbonizados. — Proclama Maria. Entraram dentro de um café que se chamava Turri. As pessoas jantavam, comiam em mesas envoltas de uma vidraria, outras aguardavam que o empregado trouxesse o solicitado. Os quatro decidiram jantar ali.
— Eu pago o jantar. Acho que já está na hora! — Anunciou David. A irmã do seu genro acabou por falar pela primeira vez, contudo pouco, porquanto não sabia falar muito bem inglês. O bebé começava a chorar, talvez de fome e não de intuições que rejam pela vida. Sentaram-se por fim, iniciaram um diálogo quase perene em que puderam conhecer-se melhor e mudar as visões que cada um tinha do desconhecido.
— Às vezes venho jantar aqui. — Declarou David com uma contracção muscular idêntica à de um riso ardiloso. — Parece-me um bom local, pacato e acolhedor, já tenho confiança com os chefes.
— Quem são?
— São dois. — Carried parou de perguntar e não persistiu mais no olhar expressivo que antes mirava o seu acolhedor: o Chileno. Se bem que David apercebeu-se e voltou a falar para não dar a sensação de não gostar dos convidados, apenas estava cansado como eles, a vida de marinheiro não se reduzia à simplicidade do descanso e da liberdade. — Vão gostar disto, amanhã mostrar-vos-ei a galeria municipal.
— Se tudo correr bem! — Riu majestosamente alegrando os convidados.
— Não aposto no que poderá não acontecer.
— É melhor assim. Eu também se fosse diferente apostava na lotaria.
— Eu… se tivesse essa sorte não trabalhava no porto.
— Porquê, não gosta de trabalhar na pesca?
— Não faço só isso, como estudei, não sou só um simples pescador, mas também tenho um grau mais elevado na empresa, sou chamado aos assuntos principais.
— Nunca teve medo de mergulhar no mar para sempre?
— Não, tenho medo é de o mar mergulhar em mim. — David estava a conduzir o diálogo à brincadeira. Um ambiente confortável confeccionou-se entre eles. — Traga a conta, por favor. — Pediu com algum espaço de tempo entre a última conversa.
Os homens levantaram-se primeiro enquanto as mulheres acabavam de comer, falaram em assuntos particulares. O empregado esquadrinhou-os com o seu olhar distante, por mero acaso, para se inserir no mundo.
— Porque é que a sua filha e o meu não vieram? — Perguntou Carried directamente sem hesitar. — Sinto que algo se passa de errado.
Continua...