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Autor Tópico: Hishgàr - Capitulo III  (Lida 2592 vezes)
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JLMike
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« em: Janeiro 13, 2008, 00:41:09 »

Capitulo III

A missão. O Lobo. A partida apressada.

“Porque sou importante?” perguntou Laho imediatamente.
Enki ponderou alguns segundos antes de lhe responder. Era como que se um grande segredo estivesse por detrás daqueles lábios e que dizê-lo pudesse por em risco tudo e todos.
“És importante, “ começou Enki “e apenas precisas de saber isso. Tudo a seu tempo, Laho.”



Laho acordou cedo mas não saiu da cama. Ficou deitado a pensar em tudo o que tinha acontecido até agora.
Em apenas dois dias Laho havia aprendido mais que durante os doze anos que havia vivido em Falindûr. Sabia agora a razão para a existência do Mundo. Sabia agora que, inicialmente, todos os seres ali estavam apenas para prazer das duas entidades superiores, Naîr e Saûr. Mas será que já não era assim? Não seriam eles, de certa forma, ainda peões num jogo jogado por seres superiores?
De qualquer dos modos, fossem ou não, era algo que estava fora do seu alcance e sobre isso nada poderia fazer. Outra coisa sobre a qual ele nada podia fazer era os seus sonhos. Já era a segunda vez que sonhava com aquela cidade de pequenos palácios. Seria mesmo um sonho? Ou algum tipo de visão, ou previsão? Lugh estivera lá. Porquê? Que faria Lugh numa cidade daquelas – que faria Lugh numa cidade daquelas a acompanhar a filha de uma Imperatriz? Que fariam todas aquelas pessoas à espera da filha da Imperatriz para depois nem sequer olhar para ela? Que faria Peowny no meio deles?
Peowny era de certa forma familiar. Não sabia porquê mas sentia uma certa afinidade para com ela. Será que já alguma vez estiveram juntos? Quem seria esta rapariga?

A manhã foi preenchida por estes pensamentos e ainda mais alguns até que da porta veio um leve knock knock e uma voz perguntou.
“Laho, posso entrar?”
Era Enki.
Laho levantou-se apressadamente e abriu a porta.
”Claro que pode, mestre.” disse Laho baixando-se numa vénia.
“Levanta-te rapaz, não me faças vénias. Sabes muito bem que não gosto.”
“Desculpe. E desculpe também ainda não estar vestido nem preparado para a nossa aula, estive perdido em pensamentos na minha cama.”
Laho apressou-se a vestir-se. Enki sentou-se no banco perto da mesa tal como se havia sentado na sua ultima visita a Laho. Em meros segundos Laho já estava com um pergaminho e uma pena na mão pronto a escrever e sentou-se no outro lado da mesa virado para o seu mestre.
“Onde ficamos da última vez, podes lembrar-me? A minha memória já não funciona tão bem nestes dias. É o que dá ser – perdoa-me a expressão – demasiado inteligente, e ter que me ocupar de imensas coisas neste reino.” Enki sorria gentilmente enquanto falava, mas Laho sentiu que algo de errado se passava. Sentiu que esta reunião não era uma simples aula e que algo iria mudar nesta mesma manhã.
“Ficámos no Pacto. O Mestre mostrou-me o Pacto mas depois teve que ir embora.” respondeu Laho.
“Ah! Sim. Exacto, o Pacto.” exclamou Enki, meio distraído. “Ora, muito bem, ficámos no Pacto… estás pronto para escrever um pouco mais?”
Laho acenou com a cabeça e molhou a pena na tinta.
“Ora, ficámos no Pacto…” continuou Enki. “Depois do Pacto, como te contei, o mundo foi reconstruído e as duas deidades foram expulsas de novo para o Vazio. O mundo foi dividido em quatro Elementos e em duas facções. Os quatro elementos são o Ar, a Água, a Terra e o Fogo, creio até que isso já sabes.”
Laho acenou afirmativamente e disse “Li na biblioteca, isso eu sei. Mas sei pouco mais.”
“Pois bem, agora saberás mais. Os quatro Elementos são a fundação de todo o mundo. Todos nós provimos da fusão desses elementos. Todos nós e tudo o resto à nossa volta. Não existe nada neste mundo que não venha deles.
Enfim, posteriormente à criação desses Elementos, foram criados dois tipos de homens: os Luzes e os Sombras, e o Mundo ficou dividido em dois. O norte do mundo pertencia aos Sombras, o sul pertencia aos Luzes. No centro do mundo estava uma grande ilha inabitada.
Durante centenas de anos o mundo foi próspero. Os Luzes cultivavam e cresciam dentro das suas fronteiras e o mesmo acontecia com os Sombras. Tal como se haveria de esperar tanto uns como os outros desvendaram os segredos dos Elementos o que permitiu a alguns – principalmente os mais inteligentes e mais fortes de espírito – dominar os Elementos.
Embora tal acto tenha sido uma mais valia pois permitiu a ambas as nações uma grande evolução, também foi um acto que, mais tarde levou ao confronto entre as duas nações, ou “raças” se assim as quiseres chamar, embora eu ache esse termo um pouco forte demais. Luzes ou Sombras somos todos feitos do mesmo e devemos ser tratados da mesma forma. Estás a escrever tudo?”
“Sim, mestre.” disse Laho ao mestre enquanto escrevia velozmente.
“Eu espero que acabes. Não temos pressa, ou melhor, temos… Mas há coisas que devem ser feitas a seu tempo.”
Enki olhou para fora da janela. O tempo parecia mais escuro, haviam nuvens no céu e o sol era por vezes escurecido deixando a cidade envolta numa meia-escuridão sombria. Abanando a cabeça como que para se livrar de maus pensamentos Enki virou-se de novo para Laho e continuou.
“Ora bem… onde íamos?” perguntou honestamente.
“Os Luzes e os Sombras dominaram os Elementos. Mas o mestre dizia que não foi uma coisa boa.”
“Pois não, não foi uma coisa boa… ou, pondo de uma maneira mais simples, os Elementos foram uma faca de dois gumes. Tanto nos ajudaram como contribuíram para uma guerra entre nós.
Mas como eu dizia, ambos os lados, Luzes e Sombras, dominaram o poder da água, do fogo, da terra e do ar. Assim sendo ambos os lados tiveram uma evolução magnifica; as casas começaram a ser mais facilmente fabricadas, os alimentos eram mais fáceis de obter, os meios de transporte evoluíram e tornaram-se mais rápidos. Enfim… foi óptimo durante uns tempos.
Mas não durou para sempre. Essa felicidade que se fez sentir ao descobrir e dominar esse poder desvaneceu rapidamente quando alguns, que se julgavam ou mais fortes ou mais inteligentes que outros, abusaram do poder dos Elementos.
No reino dos Sombras nasceu um homem que depressa se tornou no maior guerreiro daquela nação. Esse homem chamava-se Hister.
Hister cresceu no ceio de uma família bem abonada e nunca sentiu falta de nada. Teve professores que o ensinaram tudo o que sabiam, posso até dizer que ele se tornou mais sábio que todos eles juntos. Teve também outras pessoas que o ensinaram a arte do escudo e da espada, e digo-te também que Hister ficou mais forte que todos eles juntos.
Era de facto um homem extremamente forte e inteligente. Se tal sabedoria estivesse posta a favor do bem-estar… Mas não. Hister seguiu outros caminhos. Durante anos Hister esteve isolado de todo o mundo e, quando finalmente regressou a casa, vinha com a notícia de que dominara um poder que nunca ninguém havia dominado. Dizia que aprendera a dominar um novo Elemento: o Elemento das Trevas.
Claro que tudo foi mentira. Não existe nem nunca existiu mais que quatro elementos. Mas Hister sabia o que estava a fazer e por isso continuou com a sua mentira. Afirmava que este era o seu Elemento por direito, que toda a nação dos Sombras se deveria curvar perante. E os Sombras, confundindo o nome da sua nação com o nome deste “novo” Elemento, deixaram-se iludir e seguiram Hister sem fazer perguntas. Esse foi o maior erro daquela nação.
Do outro lado do mundo os Luzes tomaram conhecimento de que alguns dos seus habitantes possuíam maior aptidão para controlar os Elementos. Mas, em vez de alguém se erguer e comandar os Luzes como um ditador, todos os Luzes se reuniram e decidiram tomar partido de todos aqueles que exibissem uma estranha aptidão para com este poder, de forma a que a nação tivesse um maior desempenho e evoluísse e prosperasse cada vez mais. E este é o raciocínio mais correcto.
Passadas algumas décadas um homem com uma estranha aptidão para os Elementos surgiu também do meio dos Luzes. Este homem era Ikari. Mas, ao contrário de Hister, Ikari não impôs nada aos Luzes, não tomou o poder só para si nem controlou ninguém. Ikari subiu ao poder depois de uma grande reunião entre Luzes onde todos decidiram que ele era o futuro da nação e que deveriam depositar nele toda a sua confiança.
Depois de mais alguns anos, anos os quais foram marcados, no lado dos Sombras, por grandes concentrações de tropas a sul das suas terras, Hister decidiu atacar o reino dos Luzes.
Mas não era um simples ataque, Hister era esperto. De forma alguma queria que as suas tropas confrontassem as tropas dos Luzes nas suas terras. Isso causaria demasiadas baixas na sua terra e demasiada coisa seria destruída. Em vez disso, Hister decidira confrontar-se com os Luzes na ilha que se encontrava no centro do Mundo. A ilha era o lugar perfeito pois era inabitada e assim nem umas terras nem outras sofreriam com a guerra.
Numa manhã de Outono, enquanto Ikari, no reino dos Luzes, descansava ao relento numa clareira perto da sua casa, um corvo cruzou os céus mesmo por cima dele, desenhando um grande “S” negro.
Não perguntes como mas Ikari entendeu logo o que se passava. Imediatamente reuniu os melhores soldados dos Luzes e cruzou o mar – anota aí que este mar se chama Fur’ingard, o Mar Esquecido – e foi ter às terras de Sarin’gard, chamadas na nossa língua de Terras Esquecidas.”
Enki respirou fundo, como que recuperando as forças para o resto da história. Depois esperou que Laho acabasse de escrever e continuou.
“Enfim… nessas terras travou-se o maior confronto da nossa história. De um lado, comandados por Ikari, os Luzes combatiam ferozmente. Do outro, comandados por Hister, os Sombras lutavam de forma bruta e suicida. Ikari liderava o seu exército na frente mas Hister mantinha-se nas linhas de trás e apenas dava ordens aos seus soldados.
Esta guerra durou anos e anos. Muitos homens morreram e os filhos desses homens também morreram pois assim que um rapaz fizesse dezasseis anos seria enviado para a guerra sem contestação.
Ao fim de todos aqueles anos e ao fim de todas aquelas mortes apenas dois homens ainda tinham forças para lutar: Ikari e Hister.
Entre esses dois travou-se o maior duelo de sempre… Nazir-Pall… a Luta do Destino… é assim que agora o chamamos. E com razão… com razão.
Não se sabe ainda hoje como decorreu essa batalha, sabe-se apenas que foi feroz e que, após muito esforço, Ikari ergueu-se do meio dos destroços com a cabeça de Hister na mão.
 Quando Hister morreu todos os Sombras pareciam sair de um transe e de uma ilusão. Foi aí que todos enchergaram a verdade e que o nosso destino foi traçado. A maior parte dos Luzes e dos Sombras ficaram naquelas terras, onde construíram novas casas. As mulheres navegavam para a ilha para encontrar os seus maridos e depressa toda a ilha ficara povoada. Todos decidiram não voltar mais às terras de Luzes ou de Sombras, e aqueles que decidiram voltar nunca mais foram vistos.
Certo dia, pouco tempo após ter vencido Hister, Ikari desapareceu das terras esquecidas e nunca mais foi visto. A única coisa que deixou para trás foi um desejo: que esta terra fosse chamada de Hishgàr… Esperança.”
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JLMike
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« Responder #1 em: Janeiro 13, 2008, 00:41:25 »

Laho parou de escrever repentinamente.
“Hishgàr?! Mas isso é esta terra!” disse estupefacto. “Isso quererá dizer que nós somos todos descendentes de Sombras e Luzes?”
Enki demorou alguns segundos a entender a pergunta, parecia demasiado atento ao tecto e continuava a olhá-lo com uma cara estranha e um pouco assustada.
Quando finalmente voltou a si respondeu, como que a pergunta tivesse sido feita nesse preciso momento.
”Claro que sim. Todos nós somos ou Sombras ou Luzes… ou ambos, pois podemos ser filhos de uma mãe Luz e um pai Sombra, ou vice-versa.”
A boca de Laho estava aberta. Nunca esperara uma noticia destas. Ia totalmente contra a crença de que todos tinham sido criados a partir do mesmo deus, crença essa que estava exposta em todos os livros de história da biblioteca da Torre.
“Bom, agora sabes a verdadeira história de Hishgàr. Creio que tudo o resto, desde a Luta do Destino até aos dias de hoje, está expressa nos livros que leste, embora nem sempre perfeitamente precisa, mas, no geral, está lá.”
“Fico contente por me ter contado tudo isto, mestre.” exclamou Laho com um grande sorriso na cara.
“É algo que deves – não, precisas! – saber. É algo que decerto te ajudará no futuro. Tal como te disse, és importante, Laho.”
“Porque sou importante?” perguntou Laho imediatamente. Poderia chegar àquela pergunta com alguns rodeios de forma a tentar levar Enki a responder mas sentia que agora, neste preciso momento, o ser-se directo teria melhores resultados.
Enki ponderou alguns segundos antes de lhe responder. Era como que se um grande segredo estivesse por detrás daqueles lábios e que dizê-lo pudesse por em risco tudo e todos.
“És importante, “ começou Enki “e apenas precisas de saber isso. Tudo a seu tempo, Laho.”
“Eu tenho o direito de saber! Porque sou importante?” perguntou Laho uma vez mais, elevando a voz de uma forma pouco habitual.
Enki ficou surpreso por tal acção mas não fez qualquer movimento de recuo.
“Queres mesmo saber?” perguntou Enki com uma expressão séria.
“Sim.”
“Então faz as tua malas, vais partir para Algorab.” concluiu Enki.
Laho arqueou as sobrancelhas. Seria mesmo verdade? Iria ele mesmo partir para Algorab? Ele que nunca havia saído de Falindûr todos estes anos?
“Vá, vai lá. Despacha-te. Faz as malas. Encontra-te comigo à saída da Torre quando escurecer. Partimos de noite. Ou melhor, tu partirás, eu não.”
“O mestre não vem? Irei sozinho? Eu não posso ir sozinho! Nunca daqui saí!” resmungou Laho levantando-se do seu banco e abrindo e agitando os braços.
Enki levantou-se também e dirigiu-se à porta do quarto.
“Não irás sozinho. Arranjar-te-ei companhia, não te preocupes. Até logo.”
E com isto virou-lhe as costas e saiu do quarto fechando a porta atrás de si.

O sol já havia desaparecido quase totalmente quando Laho abandonou o seu quarto em direcção às portas da Torre. Por todos os corredores da Torre estavam agora acesas inúmeras velas brancas, todas elas postas em magníficos castiçais púrpura. Enquanto Laho caminhava pelo corredor que dava acesso às escadas para a saída algo lhe chamou a atenção.
Bem lá no fundo do corredor, mesmo na ponta, estava uma porta, e estava aberta. Em todos estes anos nunca ninguém, nem Enki nem Lugh, alguma vez lhe disseram quem vivia, ou o que vivia naqueles aposentos. Sempre que ele lhes punha a questão eles diziam coisas como “não tens nada a ver com isso” ou, como Enki gostava muito de dizer, “tudo a seu tempo, Laho, tudo a seu tempo…”.
Mas, de facto, esta porta da Torre Beta era intrigante. Era diferente de qualquer outra porta, tanto em material como em design. A madeira da porta estava finamente trabalhada com desenhos estranhos e palavras em línguas que Laho desconhecia, e, por cima da porta, na parede, estava esculpido, na própria pedra da torre, um Circulo de Transição que tinha desenhado, mesmo no centro, um grande olho.
Laho já perdera algumas noites a pensar naquela porta mas, sem encontrar qualquer resposta, esse afinco em descobrir o que era foi-se esmorecendo até desaparecer completamente. Mas hoje, pela primeira vez, a porta estava aberta. Ou melhor, não. Laho já a tinha visto outra vez aberta, na noite anterior, quando Enki recebeu o Tyal dos Anciãos. Mas que faria ele naquele quarto? Os seus aposentos eram na Torre Beta, a torre para além do quarto de Laho. Que estaria escondido naquele quarto? Que mistérios estavam ali selados e escondidos dele?
A luz que banhava o corredor enfraqueceu e Laho reparou que uma das velas a seu lado havia-se apagado. De volta a seu espírito apressou-se até às portas da Torre. Elas abriram-se de par em par para lhe conceder passagem. Laho atravessou-as e ficou estático, parado, quando viu quem o esperava.
“Tu?” perguntou Laho extremamente desanimado.
“Sim, eu.” respondeu-lhe Lugh. O seu ar era, como sempre, bastante divertido. Tinha na cara um grande sorriso e parecia ansioso de fazer a viajem. “Esperavas quem?”
“Alguém mais competente, certamente.” respondeu Laho secamente.
“Peste! Peste! Peste! És uma peste, já to disse?!” contestou Lugh meio enfadado meio divertido. “Sou competente o suficiente, sou Chefe do Exército! Duvidas de mim?”
Laho pousou as suas coisas no chão – um bastão de madeira forte que na ponta tinha uma lenço agarrado de forma a que fazia um grande suporte para carregar coisas. O suporte estava cheio e pesado. Depois olhou em volta, esperando que mais alguém chegasse.
“Não duvido de ti.” disse, serenamente. “Tenho a certeza de que não és competente.”
“Seu!” Lugh dera um sopapo a Laho. Este riu-se e perguntou:
“Vamos sozinhos? Ou vais mais alguém?”
Lugh olhou também em volta.
“Sim, vai mais uma-“ parou a meio da frase “Bem… vai mais alguém, sim. É só o que precisas saber.”
Óptimo, pensou Laho, mais segredos! Será que algum dia lhe iriam falar como se ele não fosse uma criança? Será que um dia lhe falariam honestamente e lhe contariam tudo?
AHHHHHHHHHHHHHHHHHH!
Um gritou rasgou o silêncio desta quase-noite. Lugh e Laho olharam em volta, atentos a todos os movimentos. Do fundo da semi-escuridão apareceu um pequeno vulto a correr, apavorado. Era Mikhé.
“Mikhé!” gritou Laho saltando para a frente em direcção à criança. “Que se passou?”
Mikhé estava demasiado assustado para falar. Arfava continuamente e não conseguia dizer nem uma palavra. Mantinha o braço estendido para trás, apontado para a escuridão.
“Acalma-te, rapaz. Respira fundo e conta-nos o que se passou.” disse Lugh aproximando-se de Mikhé.
Mikhé levou um momento ou dois até se acalmar, Lugh e Laho impacientes a seu lado. Quando, finalmente, a sua respiração parecia normal, Mikhé sussurrou, baixinho.
“Ali.” Disse, numa voz tão baixa que Lugh e Laho tiveram de baixar as cabeças para ouvir. “Ali. Estava ali um monstro. Grande e peludo, um monstro.”
“Oh, rapaz, não digas isso. Monstros não existem” exclamou Lugh com um sorriso estranho nos lábios. Era como que se soubesse de que se tratava. Laho não reparou neste sorriso e agachou-se diante de Mikhé, olhando-o nos olhos.
“Como era esse monstro, Mikhé?” perguntou, numa voz calma, aquele tipo de voz que um irmão mais velho usa quando o seu irmão mais novo tem algum tipo de pesadelo.
Mikhé ainda estava aflito. Tinha os olhos muito aberto e continuava a olhar em todas as direcção, mas principalmente na direcção donde dissera estar o dito monstro.
“Era, era, ele era grande.” Abriu os braços mostrando a grandeza do animal. “E era preto, todo preto. Tinha dentes muito brancos e pareciam muito afiados. Vinha na minha direcção quando eu estava a chegar a casa.”
“Lugh, “ disse Laho erguendo-se e dirigindo-se ao Chefe do Exercito “devemos averiguar, não? Pode ser importante… algum inimigo? Que talvez tenha entrado na cidade sem ninguém ver?”
Lugh mantinha o seu sorriso misterioso. Laho reparou.
“Porque te ris dessa forma? Não vez que pode ser importante?! Parece perigoso.” disse Laho numa voz meio preocupada meio incrédula.
“Aí vem o teu monstro.” Lugh olhou na direcção antes indicada por Mikhé.
Do fundo da semi-escuridão apenas se via uma grande silhueta. Depois, lentamente, começou a distinguir-se mais facilmente de todas aquelas trevas. Era, de facto, um animal grande. Tinha quatro patas e um focinho comprido, as suas orelhas eram bicudas e apontavam para cima e estava coberto por um pêlo negro em toda a parte do corpo. Mikhé correu para trás de Laho e escondeu-se entre as suas pernas. Laho ficou apreensivo.
“É ele quem nos vai acompanhar na viajem.” disse Lugh aproximando-se do animal. Quando chegou junto do peludo animal este sentou-se nas patas traseiras e cheirou o ar. Depois fitou os seus olhos negros em Laho.
“É um lobo, Laho. Nunca tinhas visto nenhum, pois não?” perguntou uma voz do meio do nada.
Da sua esquerda apareceu um homem vestido com uma túnica verde-esmeralda que se estendia até aos pés. Era Enki. Trazia nas mãos uma carta selada.
“Ele vai acompanhar-vos nesta viajem. Caso necessitem de algo é só pedir-lhe, ele fará tudo para vos ajudar. Se precisarem de me enviar uma mensagem enviem-no a ele, será mais rápido que um próprio Tyal.” afirmou Enki enquanto se aproximava de Lugh e lhe dava a carta que tinha nas mãos, murmurando-lhe depois qualquer coisa ao ouvido, algo que Laho não conseguiu compreender. Depois, virou-se para Laho e para Mikhé.
“Pequeno Mikhé, vai para casa. E se vires de novo este lobo não tenhas medo. Ele é teu amigo.” Enki sorriu ternamente. Mikhé não disse nada e afastou-se lentamente continuando a lançar olhares assustados para o lobo. Depressa estava envolto na escuridão e desapareceu.
Enki aproximou-se de Laho e entregou-lhe uma pequena bolsa com aquilo que Laho supusera ser Sila.
“Leva-a contigo. Vai-te ser útil.” afirmou Enki. “ Vocês vão pelas florestas Agûr-tàg. Não deverá ser difícil chegarem a Murian. É sempre a direito. Se se perderem chamem as Óreades e elas vos guiarão.”
Enki afastou-se dois ou três passos, olhou de relance para Laho, disse “Boa viagem” e desapareceu na escuridão. O lobo uivou bem alto, dando a estranha sensação de que estava a dizer “adeus”.

Antarïs e Kvaga já iam alto quando Lugh, Laho e o estranho lobo deram os seus primeiros passos para fora de Falindûr. Para trás ficava a única coisa a que Laho alguma vez chamara casa, o único sitio onde fora feliz, e, no entanto, nem esses pensamentos tiravam da cara de Laho um sorriso de orelha a orelha. Nunca na vida estivera tão feliz.
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Goreti Dias
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« Responder #2 em: Janeiro 13, 2008, 11:09:58 »

Imaginação até mais! Muito bom!
Um abraço
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Goretidias

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« Responder #3 em: Janeiro 13, 2008, 17:12:45 »

Lindo!!!  Grin

Fico à espera de mais!

bjs*
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"...Voltará dançando, bela sendo,
Voltará criança pequena, correndo,
Voltará eterna sinfonia,
Voltará assim um dia."

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Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
Janeiro 01, 2023, 20:15:54
Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
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Olá para todos!
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Olá para todos!
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Boa feliz noite para todos.
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Bom fim de semana para todos
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Boa quinta para todos.
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Boa noite para todos.
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Boa noite feliz para todos.
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Bom domingo para todos.
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