antónio paiva
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« em: Janeiro 14, 2008, 17:45:45 » |
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Fui gerado, nascido e cresci no campo, calcorreei atalhos sinuosos, por entre pinheiros e matagais. Perfumei-me nas pastagens floridas, escondi-me nos milheirais. Pastoreei ovelhas e cabras, espantei pardais. Escutei encantado o canto das rolas. Conheço o cheiro do estrume e da hortelã, o odor da terra arada. Chapinhei em riachos e ribeiras, mergulhei no rio, sei de cor o coaxar das rãs nos charcos. Ouvi melros, cotovias e rouxinóis. Procurei ninhos, apanhei pássaros e atirei pedras ao vento. Viajo no andar compassado e firme das juntas de bois lavrando a terra. Semeei, plantei e colhi. Sinto ainda a dor do frio nos dedos das mãos em Dezembro, quando apanhava azeitona por entre as ervas cobertas de geada, doÃam tanto até deixar de os sentir. Mas o cheiro do azeite nos lagares compensava todas as dores, o sabor no prato era a melhor recompensa. Adormeci vezes sem fim ao calor do lume, cabeça apoiada nos joelhos e pensamento deitado nos sonhos. Desfolhei massarocas ao luar, beijei moças afogueadas ao encontrar o milho rei. Colhi maçãs e roubei figos de mel a pingar. Das uvas sei todos os sabores, vindimei e pisei uvas, corei ao cheiro do mosto, provei o vinho. Retenho o perfume das acácias, do rosmaninho na Páscoa e do alecrim nas colheitas do mel. Laranjas e tangerinas perfumavam-me as mãos. Noites a fio acotovelado a sonhar e a contar as estrelas, escutando o cantar dos grilos. Na memória o chiar do balde na picota, onde a força dos braços retirava água dos poços para regar as hortas. O cantar das moças no lavadouro enquanto estendiam a roupa a corar no relvado e nos silvados. O barulho ronceiro dos carros de bois carregados de mato para os currais do gado. A caminho de montes e vales borboletas estonteadas exibiam-me os seus bailados. No meu álbum de memórias, guardo a fotografia do rosto pintado de preto em lagares de amoras silvestres. Nos bailaricos, nos arraiais das festas populares colei o meu rosto noutros rostos e me descobri homem, o estremecer do corpo, o estalar do coração, no primeiro beijo à s escondidas, o toque de jovens lábios carnudos, perfumados de inocência, mas ardentes na descoberta do desejo. Saltei fogueiras no São João, acendi o madeiro no Natal. Nas quentes madrugadas de Agosto o regressava a casa voando de pés no chão e cabeça no ar, sorriso nos lábios. Inquieto, irrequieto, criativo, brinquei, corri, joguei à bola, ao pião, ao berlinde, à malha. Conquistei troféus nas barracas de tiro, bebi pirolitos e namorisquei. Sou um eterno peregrino da liberdade, das sensações e das coisas belas, mesmo que as sombras teimem em me visitar. Por isso, sento-me, oiço música, leio, pego nas memórias e nas palavras e revisito-me. Aquieto-me e descanso.
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