Djabal
Membro
 
Offline
Sexo: 
Mensagens: 191 Convidados: 0
|
 |
« em: Agosto 24, 2009, 13:57:57 » |
|
Faixa de couro debruada nas extremidades, preta, aberta e dividida em três abas. Pelo anverso e no centro, uma barra de metal cravada como cabeçalho dotado de encaixes para receber cada um dos olhais dos seis ganchos ou anzóis. A curvatura deles forma uma garganta de abertura estreita, cuja ponta, não tendo barbela, mas a minúscula glande, elegantemente se volta para fora, dispondo-se como amistosa clave para pescar, penetrando o orifÃcio de cada chave que agora por diante lhe pertence. Já existiram chaves que só abriam por fora, chamadas “lacônicasâ€, talvez originadas pelo desastre ocasionado pela última porta que esqueceram aberta em Constantinopla, a qual deu acesso à s tropas do sultão dominador; e outras que só abriam por dentro, restando delas apenas a mÃtica imagem do cavalo de Tróia com seus guerreiros aguerridos, embutidos e trancados. Elas têm diversos tamanhos e variados formatos, desde a pequena que abre a mala, ou o cadeado, até a grande, a pantográfica e a eletrônica. Também foi sinônimo de bens imóveis e da fidelidade da mulher. Esta deveria trazer consigo os utensÃlios e entregá-los quando solicitada, e se entregasse, por desgraça, algum falso, seria repudiada com o mesmo tratamento reservado à s putas. Chaves importantes eram guardadas no pescoço, enfiadas em correntes à vista de todos. Hoje, no centro de uma cidade, distante alguns quilômetros de Budapeste, existe um chaveiro com a forma de gradil, afixado no canto entre duas paredes. Nas suas barras, são guardadas chaves perdidas por toda a cidade. O segredo do qual a chave é a cifra e ardil se iniciou com duas argolas, uma em cada painel da porta, e o prego que as selava. Estes vieram limpos do latim clavus, transformando-se com o passar do tempo, tornando-se únicos, a ponto de apenas o proprietário descerrar o segredo. A cabeça se achatou e se arredondou para acomodar o polegar, a ponta recebeu um dente e um corte lateral. Depois o dente se espalhou pela haste e dela cresceram serrilhados. Multiplicando seu mistério. Um inventor inglês, nos tempos do rei George terceiro, filho mais novo dentre cinco, frequentou a escola até os dezesseis anos, aleijou-se em circunstâncias não esclarecidas; passou a estudar em casa, não podia mais trabalhar na fazenda do pai, escolheu mecânica e carpintaria. Colocou a mente para observar e conseguiu produzir o melhor cadeado da época. Vendeu milhares de exemplares e se tornou um homem rico. Oferecia um prêmio de duzentos guinéus à quele que conseguisse violar o segredo do seu invento: a tranca de Bramah, que servia como escudo contra os ladrões, na porta de sua loja, em Londres. Depois de trinta e cinco anos, um gaiato finalmente conseguiu a façanha. Após alguma controvérsia, tanto pelo tempo utilizado quanto pelo método, a promessa foi paga. Anos mais tarde, contraiu um resfriado, transformado em pneumonia, e sua alma inventiva o abandonou. Não sem antes ter inventado a bacia sanitária com descarga hÃdrica. Época em que outra famÃlia emigrada das montanhas de Gales para a planÃcie da republicana americana, em Connecticut, e conhecedora do funcionamento e andamento das coisas, enriqueceu-se concebendo artefatos agrÃcolas, debulhadoras e fechaduras. Seu filho mais ilustre, Linus Jr., interessou-se pela pintura, mas com a morte do pai tomou para si a administração dos negócios. Após estudar engenharia, apresentou o seu conjunto inexpugnável. O prêmio concedido para o improvável violador era de três mil dólares, à época uma soma respeitável. O seu invento correu o mundo e se metamorfoseou em fábricas (Yale), riqueza e poder. Entretanto, com uma mensagem é possÃvel ir se desvendando segredos, em um quarto, ou biblioteca, um banco, da igreja, da gaveta; ou abrir uma gaiola, exibir sem mostrar a fraqueza humana. Como sÃmbolos de segurança, ofereciam acesso exclusivo à queles que a penetravam, e suavemente conseguissem uniformizar pelo tamanho ou altura todos os tambores e molas embutidos na tranca após um tranqüilo clique. Outras chaves eram feitas de papel e ficavam à mostra nas paredes. Algumas elaboradas apenas como desenhos ou palavras. Agora, juntas, estão no chaveiro. Ele contém seis chaves e nenhuma delas é mixa ou mestra. A dobra lateral direita se fecha sobre o molho acolhido no metal. Elas estão deitadas em posição paralela, com a face dentada voltada para as costas da outra, afastadas milimetricamente para não se comunicarem entre si. No seu dorso, há uma presilha com uma reentrância. Aguarda a outra, à esquerda. Fechando o conjunto, exibindo outra presilha com a forma pontiaguda com um cone esférico na extremidade, acomodando-se sobre a ranhura, que com uma pressão estala e se fecha. O chaveiro tem o tamanho de um terço da tira, exibindo no exterior um brasão dourado sobre o couro, com um desenho que não se consegue decifrar. O conjunto não faz o barulho caracterÃstico das chaves se batendo e fica guardado no bolso. Hoje, o conjunto inteiro – exceto uma única chave – é guardado em uma gaveta, que contém, além do chaveiro, a BÃblia, algum dinheiro, jóias, folhas de contrato, bilhetes, inseticida, pomada para dores lombares, atlas históricos e diários. Doravante, ele perdeu o hábito de frequentar lugares que necessitam de chaves para se obter acesso. Nada com a corrente, não luta mais contra ela. Esqueceu como se faz para abrir as bandeiras e portas: apenas entra e sai dos lugares sem segredos. Avulsa, no bolso, fica pendurada no cadeado após ter aberto o viveiro com os tangarás. Deixou a portinhola aberta de par em par e observou a saÃda. De um em um, como um ritual, colocando a cabeça, vestida com a touca vermelho laranja, para fora, compondo a plumagem azul clara e ajustando as penas compridas da cauda para o vôo. A cerimônia da dança, dos machos se colocando diante das fêmeas, exibindo-se um de cada vez, ao cabo da qual cada um vai para o fim da fila, aguardando sua outra vez, até que a fêmea se decida, não mais será representada para outras testemunhas, nem o som intrincado da voz e do bater das asas não mais despertará a atenção pela originalidade. Ele segue o seu caminho de monótonas paredes. Resta a última chave, e toda vez que ele põe a mão para apanhá-la ela escapa, adiante, mais adiante.
“abre-se o portão gradeado do jardim com a docilidade da página que uma freqüente devoção interroga e lá dentro os olhares não necessitam fixar-se nos objetos.â€
|