Vanda Paz
|
|
« em: Setembro 09, 2009, 17:45:42 » |
|
O sol ainda não tinha raiado. A luz era pouca. Ao longe via-se uma pequena luz no mar. O homem olhou em redor e encontrou um pequeno barco de pescador. O cão de um salto entrou lá para dentro. Poucos minutos depois, já com o motor desligado, estavam perto de um pequeno iate. Encostaram o barco, o homem subiu e ajudou o cão. Cheirava a cerveja. O cão estava inquieto, quase louco. O homem pediu-lhe para ter calma, mas desta vez ele não lhe obedeceu e desapareceu. O homem foi caminhando até chegar a uma escotilha. Havia homens e mulheres nus a dormir, cada um para seu canto. Reconhecia bem aquele tipo de festas. Musica, droga, sexo e muito álcool. Parecia-lhe que a maior parte deles não iria acordar tão cedo. De repente sentiu um aperto forte no coração, a sua mulher de porcelana não estava naquele local. E que estava ele ali a fazer? Talvez ela tenha ido porque quis, talvez fosse mesmo uma mulher que ganha a vida em orgias de gente rica. Sentiu-se tão pequeno naquele momento. Lembrou-se do cão, onde estaria? Andou mais um pouco. O sol já tinha nascido. Pensou que seria dele se o encontrassem ali e fizessem queixa, perderia o emprego para sempre. Mas algo lhe dizia que alguma coisa não estava bem. Mais à frente, por outra escotilha conseguiu ver uns pacotes bem conhecidos dele, contrabando de droga, nada que não se tivesse já lembrado. Uma pequena orgia para festejar a entrega… estúpidos, pensou, devem ser principiantes, estas coisas nunca acabam bem. Pensava no que fazer quando sentiu alguém a segurar-lhe os braços e a falar alto com uma língua esquisita. Agora sim, estava tudo estragado. Tentou falar com o homem de barbas, mas pela maneira violenta com que lhe repostou viu logo que ele não estava para brincadeiras. Não acordou os outros. Arrastava-o pelo convés quando sentiu uma dor forte na cabeça. Acordou completamente nas nuvens, o sonho era lindo, a sua boneca de porcelana a falar-lhe baixinho, sentia o calor do seu peito. Sentia-lhe a pele. Sentia-lhe o aroma selvagem. Voltou a si. Era mesmo a sua mulher de porcelana, branquinha e frágil. Era tão bonita com o sol da manhã… depois, acordou para a vida. Ela pediu-lhe para ele falar baixo. Pediu-lhe desculpa, sabia porque vinha. Disse-lhe que tinha sido levada por um cliente para a praia e que tinha sido obrigada a entrar no iate. Não passava de uma pobre mulher que vendia o corpo para comer e para dar de comer à família, disse-lhe num tom quase inaudível. Doeu-lhe o peito. Agora nada tinha importância, tinham de sair dali. Sentiram os motores do iate a trabalhar. Olharam um para o outro e levantaram-se ambos de um salto. Tentaram sair mas a porta estava fechada, ouviram passos, apareceu o homem de barbas, estava armado. Disse-lhes para segui-lo. Eles olharam-se como se a saudade nascesse naquele momento. Ela trazia a palavra medo escrita nos seus olhos. De mãos atadas seguiram à frente do barbas. Levou-os para uma das bordas do iate. Este navegava em alta velocidade. Estavam muito longe de terra. Agora sim sentia-se perdido. O barbas agarrou no braço da mulher e disse-lhe para se atirar ao mar, esta começou a chorar e disse que não sabia nadar. O homem das barbas riu-se e disse que não importava. Para morrer não precisava de nadar. Ele olhou para ela sem saber o que fazer. Nisto viu o cão, que o olhava nos olhos. Depois olhou fixamente para a arma que tinha o homem das barbas. Entendeu. Num segundo o cão saltou e agarrou com os dentes o braço do homem que empurrava a sua dona. Este caiu e largou a pistola. Ao mesmo tempo caiu a mulher, que não sabia nadar e era frágil como uma porcelana. O cão atirou-se à água como se fosse defender a própria vida. Prendeu-a pelos dentes fazendo com que boiasse. A luta no barco continuou. Mas a droga e o álcool tinham sido em grandes doses e o homem de barbas acabou por se render. Depressa parou o barco, fechou os outros que ainda dormiam e foi buscar a mulher e o cão. Olhou para ela e disse-lhe para procurar um cobertor. Ela sentiu-o frio, sentiu uma frieza no seu olhar que tanto a magoou, mais do que a que sentia na pele naquele momento. Ele chamou a polícia e depois agarrou-se ao cão, pensava que me tinhas abandonado, disse-lhe em voz baixa, o cão uivou várias vezes enquanto abanava a cauda de contente. Rapidamente chegou a polícia. Depois das formalidades e de finalmente estarem livres o silêncio amachucava qualquer tarde que se tentava deitar sobre a noite que ainda não tinha chegado por inteiro. Em casa da sua frágil porcelana tentou que ela ficasse bem e despediu-se com um longo beijo na testa e a promessa que voltaria sempre que ela precisa-se dele. Voltou para casa, desta vez com a alma mais ausente que nunca, mas de peito quente por ter salvado a sua, agora amiga, mulher de porcelana. O fogo, o sexo, a paixão, tinham ficado naquele barco, algures no meio do mar. Chegou a casa e deitou-se, o gato deitou-se com ele… em silêncio. Amanhã, finalmente, poderei descansar. A noite passou, o sol nasceu, a casa encheu-se de gente. A família tinha voltado, sorriu, tudo tinha voltado à normalidade. Sentiu-se feliz por isso.
|