Laura Azevedo
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« em: Outubro 24, 2009, 21:41:49 » |
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Redondo, dando voltas elegantes sobre a palma da minha mão, o sonho, que fica silenciosamente a sorrir e a olhar para mim, persiste. Persiste nas voltas redondas que vai dando e no olhar vivo que vai caindo sobre mim, que analisa o contorno dos meus lábios – à procura do leve traço erguido no canto, a significar inconformismo – e que sente o bafo quente da minha boca, sem que os seus olhos se embaciem e sem que o seu rosto se afaste do incómodo calor. Altivo, estendendo-se para parecer ainda maior, para ser visto, para não persistirem dúvidas disso, o sonho, que se coloca de bicos dos pés sobre a palma da minha mão, enche de ar o peito. Enche de ar o peito e fica todo esticadinho, segurado na ponta dos seus pés, contendo a respiração para manter o equilÃbrio. Paciente, de braços dobrados, de cotovelos deitados sobre a palma da minha mão, de queixo apoiado nas palmas das suas mãos, de olhos abertos na direcção dos meus, de sorriso ténue e permanente nos seus lábios alaranjados, de pestanas longas e muito negras a abrirem e a fecharem docemente, o sonho, que assim fica muito tempo, sem pressas nem agonias, espera que eu olhe para ele, que eu precise de lhe dizer «não saias de mim», «fica», «mostra-me as tuas mãos e agarra as minhas com força». Não que ele saÃsse, não que ele não as mostrasse, não que ele não as agarrasse com força, mas o sonho, sendo paciente, aguarda que seja eu a pedir-lho, não se impondo, não invadindo. E, quando não me fico apenas por chamá-lo, quando dialogamos de olhos nos olhos, calmamente, pergunto-lhe: «Ficas comigo?». E ele, embora num tom doce e cordial, devolve-me uma pergunta: «O que farás para isso?» E penso. Reflicto. Redondo, altivo e paciente, estando ali, apesar de não se dar logo por inteiro, o sonho diz-me, nas suas entrelinhas, nas palavras que não profere em voz alta, no olhar calmo que intercepta o meu, que só pode ficar assim: permanecido, mas não detido. Porque o sonho não fica só porque sim, só porque lhe pedimos que fique, só porque queremos, só porque o desejamos mais do que tudo o resto que não é o sonho. O sonho, no seu jeito paciente, altivo, redondo, a fazer-se ver, a fazer-se brilhar, aguarda que os meus passos ganhem direcção, que a minha vontade ganhe determinação, que a minha certeza seja uma. Por isso, com os seus pés na palma da minha mão, ele continua a olhar para mim e, mais uma vez, me pergunta: «Então, quanto estás tu disposta a lutar, afinal, para que fique?»
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