Laura Azevedo
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« em: Outubro 24, 2009, 21:43:29 » |
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Espreitar-me no fundo do muro. Estender-me a mão, debruçada sobre o muro de tijolo, com as costas rectas em direcção ao chão, com as pernas em equilÃbrio para não revirarem todo o meu corpo e metê-lo todo enfiadinho, como uma lança recta, a embater a pique no chão. E a ficar cravada, no chão, com a ponta afiada que, logo, de uma só vez, já não separa, já não se solta, já não sai, por nada, por causa nenhuma, por força alguma, do chão. [Pique. Recta. Lança. Afiada. Teimosa. Coisa nenhuma.]
Espreitar-me e ficar, assim, a olhar-me, por cima do meu próprio ombro, sem dizer nada. O silêncio comedido dos olhos que observam com medo de falar. As palavras embaciadas dentro dos próprios olhos, enroladas debaixo da lÃngua. Ser fogo na ponta fina da lÃngua, enrolando-se sobre a pele, resvalando pela mucosa abaixo e caindo, certeira, como um soco, no estômago molhado. Corrosivas podem ser as palavras, os actos que não se entendem, as repetições que só acalentam o vÃcio de viver, seja de que maneira, seja sob que regras, seja cruzando que orifÃcios defuntos a que, tantas vezes, no auge do grito aflito, do eco silencioso que arranha o coração, chamamos, com dentes largos e lábios finos, com maxilares quadrados comprimidos como se fizessem sexo dentro do hálito negro: descalabro; finura; agulha; sangue escuro. [Sexo que já não sente prazer.]
Munir-me de sorrisos que são apenas lábios marrecos. Gemer, silenciosamente, mordendo-me a carne, enquanto contenho a dor de suportar o peso das horas, dos dias, dos meses. Rir-me? Estalar os meus dedos contra a tua pele. Enfiar-me dentro do teu silêncio e saltar por cima dos buracos. Sacudir-me? Invadir-me. Evadir-me. Forçar a ponte entre o que se é e o que se resta. Escapulir-me? Soltar os meus braços e contar até dez, imaginando-me cair pelo buraco que afunila no meu pensamento. Cantar-te? Não danço. Obrigada. Hoje, não me apetece. Hoje, sou pés colados no chão; sou braços caÃdos na direcção do infinito; sou urgência calada no hálito que embacia a palma das tuas mãos; sou nexo, sem nexo, sem sexo, sem forma, nem volúpia, nem prazer, nem memória. [Memória da luz.]
Há quanto tempo estás a�
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