NunoMiguelLopes
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Não vou gostar nada do dia de hoje, pois não?
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« em: Outubro 26, 2009, 14:27:49 » |
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O rapaz olhou a morte nos olhos e desta vez achou-a linda. A morte falava consigo à vez pela boca de duas raparigas que se exibiam numa dimensão de sensualidade que a sua mente de catorze anos, embora pouco sofisticada, percebia não estar ao alcance do comum dos mortais. Mesmo aquele mortal mais incomum teria de recorrer a algum pacto discricionário com o demónio para conseguir extorquir ao espelho mais bem-intencionado uma reflexão que se aproximasse do nÃvel de SEXYâ„¢ que aquelas duas agentes da Ceifeira com naturalidade patenteavam. Não seria fácil. O mortal em questão teria de ser bastante incomum, o plácito com o mafarrico, por defeito, só poderia consagrar benefÃcios a longo prazo para o Senhor das Moscas e, quanto a espelhos, boa sorte na empreitada de descobrir um que fosse assim tão tolerante. Raramente eram.
“Sou a Bella.â€
“Rikki.â€
“Somos irmãsâ€
“Gémeas, mesmo.â€
“E tu és…?â€
“D-Danny.â€
“D-Danny, compreendemos o alÃvio que possas estar a sentir neste momento.â€
“Perfeitamente compreensÃvel.â€
“Mas…â€
“Sim, há um “masâ€, D-Danny.â€
“Esse alÃvio é falacioso.â€
“Ela conhece palavras.â€
“Saltaste da frigideira para o fogo.â€
“Provérbios também.â€
“E somos quentes, D-Danny.â€
“Muito.â€
“Queimamos tudo o que tocamos.â€
“Como napalm, D-Danny.â€
“Com o Wagner a tocar em pano de fundo.â€
“Vais sentir saudades do tipo que te violou.â€
“Achas que não, não é?â€
“Porque a sensação da pila do gajo a enfiar-se em ti ainda deve estar fresca na tua memória.â€
“Também fomos molestadas, D-Danny.â€
“Sabemos o que isso é.â€
“Mesmo que tenha sido mentira.â€
“No nosso caso, foi.â€
“Uma brincadeira.â€
“Somos brincalhonas.â€
“Mas acredita em nós quando te dizemos, D-Danny. “
“Somos capazes de fazer pior do que o pior que o gajo te poderia fazer.â€
“Somos assassinas.â€
“Matamos.â€
“Adoramos.â€
“Deus está do nosso lado.â€
“Acreditas em Deus, D-Danny?â€
Cada vez menos, pensou D-Danny, e não fazia mal. Mas a Morte, esse “m†bem maiúsculo, era real e vinha aos pares. E gémeas? DifÃcil imaginar as duas raparigas de cócoras à sua frente como minimamente parecidas. A que dizia chamar-se Bella tinha uma cara gorda, tão inchada que um dos olhos, o esquerdo, sumira-se entre dois hematomas bem negros e, apesar de parecer preservar todos os dentes, os lábios empolados faziam-na parecer com uma daquelas bonecas de borracha que se vendiam nas sex shops. Sexy. Tinha o vestido roto, pendente no flanco direito com o preto do tecido a contrastar com o branco-morte da sua pele nua. Até o mamilo exposto fora atingido para aquele tipo de palidez mórbida. Sexy. Anéis de nódoas negras enrolavam-se no pescoço dela, logo abaixo do maxilar e se D-Danny fixasse a atenção neles poderia vê-los mudar de cor, do avermelhado para o azulado para o amarelado, cada tom a juntar ao tom sexy que se repercutia nas palavras sexy que prometiam morte ou nada de bom.
Rikki, a outra, cheirava a gasolina, que era muito sexy, exibia alguma chamusca no rosto e tinha as pontas dos cabelos do lado direito queimadas. Sexy, o ombro desse lado também sofrera um escaldão que expandia a sua polÃtica de derme queimada quase até ao cotovelo, na crosta húmida do qual assentara uma fina camada de pó de terra de berma da estrada de algures no Arizona. Sexy, o vestido, talvez do mesmo corte que o de Bella, mais rasgão, menos rasgão, apresentava-se num preto acinzentado por Rikki dar a impressão de ter andado a rebolar-se pelo solo para, e era um palpite de D-Danny, abafar as chamas que por algum motivo atraÃra à sua pessoa sexy. Não pareciam parecidas. Nem a voz era igual. Bella, a do pescoço mosqueado, exprimia-se num arranhar rouco e profundo, sem dúvida bastante sexy, enquanto que Rikki, com a sua, poderia arrastar para a loucura qualquer homem que a escutasse de tão sexy que era. Mas Deus? Não. D-Danny não botava fé.
“S-sim…â€
“Boa, D-Danny.â€
“Deus é bom.â€
“Para nós.â€
“Deu-nos a vida.â€
“Para que nós pudéssemos tirar aos outros.â€
“Damos o nosso melhor, D-Danny. Não damos, Bella?â€
“Damos. Por isso é que esta situação é muito desagradável para nós.â€
“Para ele, também deve ser.â€
“Mas mais para nós, Rikki.â€
“Claro.â€
“Porque o que fazemos é matar.â€
“Matar, matar, matar.â€
“Não salvamos ninguém.â€
“Nem sequer a ti, D-Danny.â€
“Temos pena.â€
D-Danny também tinha. Não sendo um mau rapaz, estava pronto a estrangular o primeiro bebé rechonchudo que lhe viesse parar aos braços só para que as gémeas permitissem que as acompanhasse na sua missão divina. Talvez matar não fosse assim tão mau. Não podia ser pior do que viver havia sido para ele até agora. Especialmente os últimos dias, desde que Jimbo, o dono do camião, agora a muito custo falecido, lhe dera boleia. Fugir de casa tinha os seus perigos, como a mãe, de cinto na mão, lhe dizia sempre que ele regressava roto, esfomeado e arrependido, pronto para trocar o açoite por uma caminha suave e comida quentinha. Desta vez, D-Danny não regressaria. Mas também não havia arrependimento no seu coração. Conhecera a morte e apaixonara-se.
“Vamos ter de te matar, D-Danny.â€
“Sim, mesmo depois de tudo o que passaste à s mãos do lãzudo aqui.â€
“Imaginamos que possa parecer-te injusto.â€
“É uma merda, mesmo.â€
“Uma merda injusta.â€
“Mas tem de ser, D-Danny.â€
“E por causa dos horrores que o sodomita praticou na tua franzina pessoa, estávamos dispostas a entregar-te a Deus duma forma rápida.â€
“E indolor.â€
“Quase.â€
“Mas…â€
“Sim, D-Danny, aqui vem outro destes sacaninhas destes “mas…â€.â€
“…A Pink Lady da Bella está sem balas.â€
“As últimas que tinha estão dentro do teu raptor. Não me apetece ir buscá-las. Apetece-te, Rikki?â€
“Não, não especialmente.â€
“Isto está mal de balas, D-Danny.â€
“Havia mais, mas estavam no v6 que explodiu comigo ao volante.â€
“O v6, Rikki?â€
“Sim. Foi-se. Conto-te depois os detalhes, Bella. O que interessa ao D-Danny é que não podemos simplesmente dar-lhe um tiro na cabeça para que ele não sofra mais do que já sofreu.â€
“Trágico.â€
“Resta a minha Bowie.â€
“Que tu não sabes manusear lá muito bem ainda, Rikki.â€
“Esforço-me.â€
“Ela esforça-se mesmo, D-Danny. Sou testemunha.â€
“O camionista é outra.â€
“Mas do tipo que não pode falar.â€
“Do tipo que gostamos mais, D-Danny.â€
“Vais ser uma boa testemunha, D-Danny?â€
“Vais?â€
“Prometes?â€
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