NunoMiguelLopes
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Não vou gostar nada do dia de hoje, pois não?
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« em: Outubro 27, 2009, 13:33:41 » |
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A última coisa que D-Danny veria seria a careta barbuda de Jim Bowie gravada em relevo na lâmina de vinte e cinco centÃmetros de metal polido que Rikki ergueu sobre a sua cabeça num ângulo que não seria o mais eficaz se a intenção mesmo fosse matá-lo com um único e categórico golpe. Talvez não fosse. Onde estava a graça nisso? Rikki e Bella eram música para os ouvidos do genocÃdio feito à s pinguinhas e livre das amarras de qualquer ideologia fóbica. Eram diligentes moças valquÃrias que não se punham a escolher por meio de eeny meeny miny moe aqueles que, aos gritos e a espernear ao som não de Wagner mas antes de Zombina and the Skeletones, levariam consigo para Valhalla. Não eram nada esquisitas. No seu voo abaixo do radar colhiam as almas, qualquer uma, todas elas, valentes ou medrosas, com a Pink Lady de Bella a cuspir fogo rápido ou o facalhão de Rikki a capinar na carne das suas vÃtimas trilhos alagados em sangue vivo. A Bowie espelhada que, como espada de Damocles, pendia agora sobre o olhar de D-Danny, onde quase tudo era paixão e o resto miúfa, num instante que demorava a desenvolver.
O rapaz, pressa não tinha. Quem sabe, por isso, não lhe tivesse passado pela cabeça mencionar aos dois amores da sua curta e agora destituÃda de futuro vida, a pistola que Jimbo trazia no porta-luvas do Western Star. Um tiro daquele canhão seria muito mais indolor que n facadas e talvez oferecesse a tal humanidade homicida com a qual Bella e Rikki lhe disseram estarem dispostas a presenteá-lo, abrindo mão do gozo que sentiam quando matavam, tendo em conta o que ele já tinha passado e tudo isso. As manas góticas eram tão mentirosas quanto lindas. D-Danny não levaria a peito uma mentira que lhe desse mais alguns segundos, mesmo que fossem vividos em agonia, na presença delas. Enquanto a lâmina de Rikki fosse e viesse na sua carne emaciada, ele respiraria mais um pouco e diria a São Pedro que esperasse com os portões abertos só mais um bocadinho, ainda haveria vida em si e, havendo vida, havia A-M-O-R para dar à s suas assassinas até que elas o matassem.
A lâmina demorava-se sobre a sua cabeça. O último momento da sua vida estava destinado a ser o mais longo, considerou D-Danny. Por ele, tudo bem. Dava tempo para que pormenores estranhos, na manha, se infiltrassem através dos poros transpirados daquele instante mágico. A voz grossa de Toby Keith surgiu de repente na cabeça do rapaz. O leitor de cd’s de Jimbo favorecia o tipo de música que Keith cantava, alternando o Greatest Hits do rouxinol entroncado do Oklahoma com o de Billy Ray Cyrus. D-Danny odiava country com ardor mas, fechado no armário do habitáculo do camião durante a maior parte da viagem, não era matéria em que pudesse lá ir deixar o seu boletim de voto. Na música, como em tudo o resto que se passasse na privacidade da cabine estratosférica do Western Star, Jimbo não pedia a opinião de D-Danny e agora ricocheteando como um moscardo perdido nos estofos de cabedal do habitáculo em que se transformara o cérebro dormente do rapaz ecoava o untuoso “She’s a Hottieâ€, que proclamava “"hottie, she's a hottie / got a smokin' little body" e fazia sentido apenas na presença de Rikki.
A lâmina que nunca mais descia teimava em não desferir o primeiro golpe. D-Danny continuava vivo e, além do modesto êxito que mais não conseguira do que amarinhar à custa de unhas desafinadas até ao meio da tabela country do ano passado, naquela cena suspensa em partÃculas de oxigénio refrigerado insinuava-se agora a esperança. Rikki hesitava? Bella olhava para a irmã com a mesma dúvida que surgira no rosto de D-Danny. Estaria a gémea monozigótica a preparar-se para mudar de ideias ou a demora era propositadamente deliberada? Um logro perverso com o único intento de fazer nascer na vÃtima, de cesariana e à força, uma expectativa de sair dali com a sua pessoa mais ou menos intacta. Bella conhecia Rikki e não a preocupava que a adorada irmã estivesse a amolecer nos seus processos fatais. Por alguma razão Rikki fomentava o uso desastrado da faca que pesava um quilo na sua mão, desprezando a finalidade apressada das armas de fogo. O sadismo da gótica #2 com facalhão do mato seria lendário assim que quem se ocupasse de peneirar o material de que as lendas eram feitas abrisse o dossier dela e pusesse os olhos nas páginas, à s centenas e coaguladas. Qualquer esperança de vida por parte de D-Danny era prematura e não haveria incubadora que lhe valesse. Estava tão morto quanto Jimbo e não tardava a partilhar com o seu amante sodomita a berma da estrada e a poça de sangue e o sol que fermentaria dentro deles os gases da decomposição para que quando os abutres viessem banquetear-se deles os golpes da Bowie de Rikki na carne então apodrecida indicariam aos necrófagos alados onde enfiar os seus aguilhões retorcidos.
Os riffs metamelódicos do banjo de Tobey Keith, contudo, soavam cada vez mais alto na cabeça de D-Danny. Tão alto que ele achava impossÃvel que as assassinas teen não ouvissem também os "ki yi diggy diggys" do refrão que se escapavam pelos orifÃcios cranianos do rapaz das Calvin Kleins manchadas de sangue, não só pelos ouvidos escondidos no corte à tijela com três polegadas a mais de franja lourinha, mas também pelas narinas que sugavam o ar condicionado em movimentos ritmados de inspiração hiper-ventilada, ou pelo canto dos olhos como acordes estafados e lacrimosos cheios de sal e mel, ou ainda pela boca entreaberta que tudo o que mais desejava fazer era repetir “amo-tes†precipitados à s duas raparigas mortalmente sexy que estavam em vias de lhe carimbar o visto para uma ida sem volta até ao ParaÃso. D-Danny, se lhe perguntassem, diria que já lá estava. As manas, se lhes perguntassem, diriam que ainda não, mas São Pedro que mantivesse aqueles portões abertos para o fluxo constante de desgraçados precocemente arrancados aos mundos dos vivos.
Rikki vislumbrou a esperança que cintilava como uma fada nos olhos azuis do rapaz por volta da mesma altura em que a faca começava a pesar-lhe no braço, e este desceu finalmente, mt à Anthony Perkins, sobre D-Danny, rasgando o ar do habitáculo do Western Star com um silvo.
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