ESCOLA

[António Lóio]

Escola


  Na sacola, a lousa e dois cadernos. Na cabeça, sonhos por inventar!
  Atropelavamos as pedras gastas, das escadas dos Guindais, escorraçados pelas velhas coscuvilheiras, que sentadas nos frios degraus das minúsculas casas da encosta, tricotavam a vida das vizinhas enquanto bramiam enraivecidas á nossa passagem: “Maldita canalha”
  Indiferentes, gritando e chispando com as botas cardadas pela encosta abaixo, o bando de miúdos, acordava o Douro, que preguiçoso embalava as barcaças e rabelos, no meio da neblina  que  a Serra do Pilar.ía sorvendo lentamente.
  O relógio da Sé marcava o ritmo dos pregões das peixeiras do mercado da Ribeira, numa azáfama matizada de cabazes prateados de peixe  e  musicados pelos pregões.
“Oh cara linda, olhe que vivinho” , “ Compre aqui ó freguesa”
  O sangue fervilhava nas nossas veias e nós próprios sangue da nossa  cidade éramos atraídos ao Infante que do alto do seu pedestal onde mal cabia o mundo, como nos seus sonhos, apontava o caminho do nosso povo. O mar!
  Mais miúdos se juntavam, descendo a rua do Mouzinho  e a bola de trapos, os piões e as sameiras, semeavam a discórdia numa competição e algazarra que rivalizava com os gritos das gaivotas e o arrulhar dos pombos.
  O palácio da Bolsa, austero nas suas colunas de granito, encostado á Igreja de S. Francisco, separava as duas Escolas. A de S. Cristóvão e a de S. Nicolau. E a miudagem gritava:
“São Cristóvão bate com a mão” São Nicolau bate com o pau”.
……………………………………………………………….
  Na época morava no 4º andar da Rua das Flores, no número 107. A minha mãe, mandava-me para a Escola pela mão da nossa criada, ( era assim que se chamavam as actuais técnicas de limpeza!) a Helena, que para o efeito ostentava o seu mais engomado e branco avental, debruado com um bordado a condizer. A intenção era boa, mas, aparecer na Escola pela mão da criada, iria arruinar a minha reputação de durão, arduamente conquistada e pior que tudo, iria ser alvo da chacota dos meus colegas, a maioria provenientes do bairro da Sé e de Miragaia, habituados a andar descalços e trajando com a modéstia daquela sociedade pós guerra, onde poucos anos antes as filas de racionamento e os poucos automóveis a gasogénio eram um lugar comum.

  Chegados ao largo de S. Domingos eu fugia da criada, correndo  por entre as hortaliças e frutos esmagados que atapetavam a calçada da Ferreira Borges e juntava-me á malta no Infante.
  Nunca fui castigado pelas minhas fugas, porque  a coitada da empregada era fanhosa e quando esbaforida chegava a casa e se queixava á minha mãe: “Oh mia Denhôra, o menino Toninho fudiu-me”, todos se desatavam a rir.


Excerto da minha autobiografia “Portista, portuense”

[josé antonio]

Amigo Tom,

Deixe-me ser sincero para consigo: escreva muita narrativa!
Abraço amigo.
José António

[Goreti Dias]

A biografia promete ser divertida. Pobre criada! Espero a continuação!
Bj

[carlossoares]

Tom,

escreva a sua autobiografia e nunca se arrependerá de ter tido o trabalho de garantir a posteridade a momentos que já passaram.
Muito talento, é o que eu vejo.
Abraço

[Alice Santos]

Gostei muito.
Eu, que sou de Lisboa, consegui ver os recantos desta bela cidade com todos os detalhes. Até soltei uma gargalhada ao ouvir a risada da família quando soube que o menino Toninho andava a fudir da Helena todos os dias. Pensei usar outra conjugação verbal mas... sou moura e não tenho jeito para imitar fanhosos.  :

[António Lóio]

J. Antº
Obrigado pela apreciação.
Abraço
Tom

Olá Goreti
As vidas têm coisas divertidas e outras tristes. Escrever diverte-me
Beijo
Tom

Carlos
Obrigado pela leitura e apreciação.
Abraço
Tom

Alice
Senhora moura encantada.....rs Obrigado pela generosidade com que aprecia os meus escritos.
Beijo do "portista, portuense"
Tom

[Conceição P]

[Mas que delícia!
Quem assim escreve, nunca deve parar.
Que venham mais narrativas.
Um abraço
Conceição

[António Lóio]

Conceição

Obrigado pela apreciação. As leituras e comentários são o melhor incentivo a quem escreve.
Bj
Tom

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Faz muito tempo que não leio nada igual. Muito bom mesmo, Tom.
Recordar a infância é sempre sinal de boa saúde (mental e espiritual).
Ler teu texto foi um prazer.

Grande abraço do brasileiro Oswaldo Eurico Rodrigues, recém chegado ao Escritartes.

[Goreti Dias]

E a continuação? Estamos à espera!

[António Lóio]

Oswaldo

Obrigado pela generosidade da tua apreciação.
Bem vindo a esta casa onde todos comungamos o amor pelas letras!
Abraço para o "lado di lá do Equador"
Tom

Goreti
Vou postar mais um excerto do meu "Portista, portuense".
O amigo bem mandado
Bj
Tom

[Goreti Dias]

Obrigada. Já fui ler!

[cduxa]

Tom

Confesso que andei à cata de mais textos. Não me recrimine.
Existe um estilo muito próprio. Com o Porto no coração e um sorriso a espreitar por quem o lê.

[António Lóio]

Cduxa
Tudo menos recriminar, antes pelo contrário. Talvez tenha arranjado um pouco de estímulo para continuar e afastar a preguiça ou lá o que é...
Bj
Tom

[Alice Santos]

Vou ter que me actualizar.
A escola já deve estar... num outro agrupamento qualquer...

[António Lóio]

Alice
Obrigado por ter ressucitado este meu texto que repesquei da minha autobiografia.
Suponho que esteja a ser irónica quando diz que se pretende actualizar, pois esta história passou-se à quase 60 anos e nem se sonhava com quaisquer agrupamentos, que aliás eram proibidos e que a Polícia enfatizava, mandando circular e dizendo " que eram proibidos ajuntamentos (agrupamentos) de mais de uma pessoa...
Tom

[Goreti Dias]

E não há mais? Esta "biografia" promete.
bj