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Autor Tópico: NUMA MADRUGADA DE CHUVA  (Lida 4334 vezes)
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Oswaldo Eurico Rodrigues
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Amo a Literatura e as artes.


« em: Novembro 16, 2009, 04:35:01 »

          Agora que ouço a chuva cair depois de um dia tórrido de mais de trinta e quatro graus com sensação térmica de mais de quarenta, sinto-me melhor. Abri a porta e a janela da sala. Sentei-me no canto esquerdo do sofá rente à janela escancarada, de frente para porta que dá para um pequeno canteiro com buganvílias para poder sentir o refrigério do vento úmido e escrever (que nenhum fisioterapeuta me esteja lendo) com o computador portátil nas pernas e diante da televisão (sabiamente mantida desligada) e do telefone graças a Deus silencioso (que nenhum amigo ou operador de telemarketing me esteja lendo).
          Parece que preciso de pretexto para escrever. Na realidade, basta sentar e começar a teclar. Mas confesso que escrever numa noite de chuva é algo com um sabor e um aroma indescritíveis. Sinto a leveza da água, a firmeza da terra e o efêmero do ar. Não que o Sol e o calor não tenham lá seus encantos. A chuva lembra minha infância quando éramos poucos aqui no bairro do Porto do Rosa. Quando o céu resolvia desabar, parecia o fim do mundo. Os raios rasgando o céu eram uma catedral estilhaçada. Os trovões, meu Deus! Eram a certeza dos vidros todos no chão e das torres desmoronando-se. Um espetáculo fascinante. Se fosse noite, então, a queda de energia elétrica era quase certa. “É só aqui ou é geral?†Essa pergunta era recorrente e muito importante. De acordo com a resposta nossa expectativa poderia ser maior ou menor. Quando a queda de energia era geral, o chamado “black-outâ€, ficávamos mais tranqüilos. A companhia elétrica da minha região rapidamente procederia ao conserto. Caso fosse um problema num dos transformadores (minha rua era servida por dois), com certeza demoraríamos mais de vinte e quatro horas sem luz. Não tínhamos telefone para ligar e a Internet ainda não havia chegado aos lares dos meros mortais de nenhum lugar do mundo (estou falando das décadas de setenta e de oitenta). Como reclamar? Só indo a padaria no dia seguinte e telefonando de lá num aparelho público de fichas (os cartões ainda não haviam sido inventados). Enquanto isso era só ficar olhando a chuva cair se vovó Laura não estivesse nos visitando. Ela achava falta de respeito ficar olhando a tempestade. Tínhamos de cobrir os espelhos para os relâmpagos não entrarem em casa. Não podíamos comer porque os talheres eram de aço e atrairiam o relâmpago para dentro de casa, mas também não poderíamos comer biscoitos ou frutas com as mãos porque era falta de respeito. Tomar banho atrairia o relâmpago. Conversar ou brincar era falta de respeito. Chorar ou reclamar também era falta de respeito. Só podíamos dormir ou ficarmos quietinhos sentados em oração porque Papai do Céu estava brigando. Tenho enorme saudade de minha avó. Sorte a dela eu a amar muito, muito mesmo e minha mãe respeitar a sogra. Era insuportável ter de viver sob esse regime quando do temporal. Ela não admitia que disséssemos, inclusive, do seu medo. Ela dizia ter respeito. Não poderíamos ter nos sentir ameaçados porque era de Deus toda aquela manifestação. Ele estava brigando, mas não poderíamos ter medo. Tínhamos de respeitar o temporal. Eu (com meu espírito científico de menino) dizia: “Vó, o temporal não tem vida. Papai me disse para eu ficar calmo porque era só eletricidade entre as nuvens. Não entendo como eu, que não mato nenhum bicho, não arranco nenhuma planta do chão, não respondo mal aos mais velhos, não brigo com os colegas, faço as tarefas de casa, sigo o catecismo etc... etc..., sou chamado de abusado porque digo que o temporal não é um ser vivo e que não precisa ser respeitado. Tenho é de ter cuidado para não morrer com a queda de um raio na minha cabeça ou ser arrastado pelas águas ou pelo vento. Isso sim. Mas meus colegas, só porque vestem logo uma camisa e correm pra baixo da cama antes mesmo da chuva começar, respeitam o temporal, esse ser sem vida? Por isso podem fazer armadilha para prender passarinhos, soltar cafifa entre os fios elétricos, xingar os outros e desrespeitar aos mais velhos e nem precisam ir à igreja. Tudo isso está perdoado só porque morrem de medo do temporal. Ela balançava a cabeça e dizia: “Você estuda muito. É muito bom aluno e vai ser um grande homem, mas ainda não sabe nada da vida. Tem que aprender o respeito. O respeito é uma coisa muito lindaâ€. Eu retrucava e minha mãe quase morria de tanta irritação com a minha petulância, mas minha vó ouvia todo o meu questionamento com paciência, mesmo sentindo-se desafiada. Acho que no fundo ela gostava de ver seu neto, filho do filho mais velho, argumentando. Deveria estar pensando: “Quem sai aos seus não degenera.†No fundo, no fundo era bem parecido com ela. Acho que tinha paciência por se ver em mim. Eu seria uma continuidade sua. Só que moderninho e cientificista. Vejam só! Hoje virei professor de Literatura e artista plástico. Frustrei a vovó mais uma vez. E minha mãe sem filho sacerdote. Meu pai sem filho militar.
          Esperem um momento. Está tão silenciosa a noite de repente. Cadê o barulho da água batendo no telhado metálico da vizinha? A chuva acabou. O que vou escrever agora? Minha musa foi embora. Levou com ela as palavras e a minha memória. Acho que desrespeitei o temporal escrevendo. Agora ouço um cachorro latindo na madrugada. Será Cérbero, o cão que guarda a porta do Inferno? Graças a Deus ele parou de latir. Voltou de novo. Será Jack, o estripador, que ressuscitou? Parou. Voltou outra vez. Uma carreta acelera na estrada. Será isso um sinal. Penso que sim. São duas horas e treze minutos numa madrugada de primavera com cara de verão. Amanhã terei de montar umas estantes metálicas para acondicionar meus livros espalhados pela casa. Perigo! A estante é de metal. E se fizer temporal? O cachorro latiu de novo e outra carreta passou na estrada. Acho que vou dormir. Quem sabe não lembro de mais alguma coisa e escrevo melhor um outro texto. Mais outra carreta. Sabem de uma coisa? Tenho de respeitar meu sono porque estou vivo. Daqui a pouco meus neurônios vão pifar e eu ficarei decrépito antes do tempo. Terá sido praga da vovó?
« Última modificação: Novembro 16, 2009, 04:47:41 por Oswaldo Eurico Rodrigues » Registado

Oswaldo Eurico Rodrigues


Escrevo também nos sites Recanto das Letras (www.recantodasletras.com.br)
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Escritor, poeta, documentarista e roteirista.


« Responder #1 em: Novembro 16, 2009, 09:31:25 »

Amigo Oswaldo:

Em primeiro lugar vi que conseguiu entender a dinâmica do site! Eu também tive problemas quanto inserir textos! Desculpe-me por não ter respondido antes. Com as gravações do documentário eu tenho passado por aqui com bastante pressa! A crônica está maravilhosa. Vejo que tem contido mais as palavras! Parabéns! Não há a necessidade de dizer muito, não é? Fico feliz em vê-lo aqui! Bem, não posso me despedir de você do mesmo modo que faço com nossos amigos escritores e poetas da boa terra, mas faço uma adaptação:

Do mesmo lado do Atlântico!
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Oswaldo Eurico Rodrigues
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« Responder #2 em: Novembro 16, 2009, 12:47:51 »

Oi, Cabral...

Realmente estou aprendendo a cortar, selecionar e por isso enxugar mais. Na realidade, escrevendo sempre fui mais conciso do que falando. O negócio é o afã. Aprendi com a pintura a não cometer excessos. Lá, então, é fatal. Muito mais seria na Literatura, então. Fiquei apreensivo e passei a tomar mais consciência do processo. As vezes chego a cortar o texto em um terço o até mesmo a metade. Não raro um conto vira um haikai (viu que o exagero ainda persiste).

Algumas sugestões de despedida entre compatriotas (de ti para mim):
1. Direto da Serra dos Órgãos
2. Da Granja Comari
3. Com uma vista soberba
4. Das montanhas de Terê
(...)

Agora a minha despedida:

Um abraço do fundo da Guanabara para ti.
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De mãos dadas pela poesia.


« Responder #3 em: Novembro 17, 2009, 21:11:28 »

Oswaldo,
Gostei imenso da chuva daí. Aqui, a chuva este fim-de-semana foi muita. Também não deu para sair de casa. O que vale é que é uma boa companhia e musa de muito boa gente. A mim dá-me para a nostalgia, devolve-me à lembrança momentos maravilhosos mas não me deprime (bem... às vezes um pouquinho, confesso).

Um abraço do Douro com um som que te é familiar.
 
<a href="http://www.youtube.com/v/oOM5ao39woQ&rel=1" target="_blank">http://www.youtube.com/v/oOM5ao39woQ&rel=1</a>
« Última modificação: Novembro 17, 2009, 21:17:16 por alicepps » Registado
Oswaldo Eurico Rodrigues
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« Responder #4 em: Novembro 18, 2009, 01:01:01 »

Cara Alice,

Obrigado imensamente por tua delicadeza. Como foi bom voltar para casa e ouvir Amália Rodrigues. Minha dor de cabeça até passou.
Minha mãe, que estava ao meu lado, pediu para te dizer que gosta muito de Amália Rodrigues.
Mais uma vez, muito obrigado pelo carinho.

Um abraço meu e de minha mãe.
 
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Alice Santos
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De mãos dadas pela poesia.


« Responder #5 em: Novembro 18, 2009, 01:09:05 »

Um beijinho grande à mãe. Uma mãe merece sempre um beijinho do tamanho do mundo. É ela que dá vida à vida. Tenho tantas saudades da minha.
Para ela um miminho especial. Este é um dos fados que mais gosto.

<a href="http://www.youtube.com/v/GdJYzzyO7nc&rel=1" target="_blank">http://www.youtube.com/v/GdJYzzyO7nc&rel=1</a>

Alice
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Oswaldo Eurico Rodrigues
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« Responder #6 em: Novembro 18, 2009, 02:11:51 »

Ela vai adorar ver o vídeo. Agora foi dormir. Amanhã a noite assistiremos. Pela manhã os dois estarão fora. Ela no ateliê e eu na sala de aula numa roda de leitura com os alunos do 2º ano do Ensino Médio e depois em dois amigos ocultos de poesia com as turmas do 1º ano do Ensino Médio (ofereceremos - eles e eu - sonetos de Camões uns aos outros como na brincadeira de fim de ano onde se trocam presentes. O presente é o soneto). Agora vou acabar de decorar os sonetos que copiei com minha própria letra em folhas grandes de papel a serem aquareladas agora antes de ir para cama.

Um grande abraço para ti.

Oswaldo Eurico Rodrigues
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« Responder #7 em: Novembro 25, 2009, 17:53:58 »

Ai que maravilha deve ser essa chuva. Por aqui também chove, mas o frio está junto! br...br...
A crónica essa é óptima!
Abraço
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Oswaldo Eurico Rodrigues
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« Responder #8 em: Novembro 25, 2009, 23:51:37 »

Goreti, hoje também choveu muito, mas eu não fiquei molhado. Fui com meus alunos e colegas professores ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis. O Campista Cabral também estava conosco (na realidade foi ele quem idealizou a saída com os alunos). Estava um dia de sol lindo. Fizemos caminhada na mata e tomamos banho de piscina de água natural. Os alunos amaram. Mas na volta descemos a serra com chuva e muita. Na minha São Gonçalo já não chove por agora.
Obrigado mais uma vez pelos comentários.

Grande abraço do Oswaldo Eurico Rodrigues
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Boa tarde
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Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

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Boa noite feliz para todos
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Olá! Boas leituras e boas escritas!
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Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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