FLORESCER

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Cinco horas da manhã. Um despertador infernal dispara.
   É hora de acordar. Tenta-se ainda ficar mais um pouco na cama, mas...

   Quando começamos a descer do colo materno, iniciamos uma queda interminável. Mãos e joelhos no chão, tombos, desequilíbrio... As pernas começam a ficar firmes. O vasto mundo doméstico está à espera. Parece que a casa está a dizer: “Venha derrapar nos corredores encerados e tropeçar nos tapetes”. E como tropeçamos! Na expectativa de conhecermos os “gigantes” ao nosso redor, vamos apalpando tudo e andando para todo lado descobrindo o nosso pequeno universo através do tato e da visão. Serão bastante estes sentidos para desvendarmos os mistérios do mundo tão fascinantes que nos cerca? Alguma coisa especial terá de acontecer para nos auxiliar nessa expedição de reconhecimento do território.
   Como num passe de mágica, para espanto geral, surge a fala. Tudo se cala, o silêncio é total e os ouvidos como radares estão prontos a captar a próxima emissão que não chega e, por isso, quase nos mata de ansiedade e dúvida, mas depois de uma longa espera (levando-se quase a desistência) surge uma palavra e depois outra, mais outra e outra... Pronto!!! O milagre da fala! Depois de constatado o milagre, passamos a viver por ele, através dele e com ele todos os dias de nossa existência. É através desse dom que passamos a conhecer e reconhecer melhor o mundo ao longo de nossa caminhada, cujo começo se dá num jardim onde as flores são pequenas e delicadas e precisam ser cultivadas. Seguindo a jornada, encontramos um outro jardim com canteiros simples das mesmas flores do primeiro jardim. Só que um pouquinho mais firmes, mas ainda balbuciando com a brisa. No próximo jardim estão as flores que não foram cortadas na primeira poda (são muitas?). A partir desse jardim, as podas vão se tornando cada vez mais intensas a ponto de algumas plantas ficarem com o caule bastante volumoso e bruto devido aos inúmeros cortes (muitas vezes não conseguem mais voltar à forma original nem readquirir suas antiga capacidade de reprodução – ou produção?). Muitas chegam a morrer antes de serem transplantadas para o quarto jardim. Nesse jardim, que é contíguo ao terceiro, são vistos muitos jardineiros, cada qual habilitado num determinado tipo de corte e sempre trabalhando em conjunto, pois cada planta tem de receber o mesmo tratamento (ou deveriam) composto de uma série de pequenos procedimentos. Nesse jardim de plantas mais graúdas um único corte pode ser muito prejudicial (senão fatal).
   Na estrada verdejante que percorremos existe ainda um quinto jardim, ou melhor, um pequeno bosque, onde algumas plantas do quarto jardim conseguiram chegar através de um transplante vitorioso. É o último jardim, aquele onde se faz a última colheita e onde as abelhas buscam a última gota de néctar e o colibri dá seu último beijo de flor. Colhe-se a rosa e põem-se num jarro. A rosa murcha. Se houve memória constante, várias fotografias mostrarão do renovo ao desabrochar e despetalar da flor. Se a memória surgir repentina, fotografarão o jarro solitário sob diversos ângulos da flor. Se a memória vier tardiamente depois da flor totalmente murcha, alguém delicado irá guardar a rosa seca entre as páginas de um livro mesmo que a tenha encontrado atirada pela janela. Assim finalmente às folhas retorna agora transformada em fina fibra como essas folhas que a abraçam um dia também foram uma grande e frondosa árvore.

Escrito no início da década de 1990 com acréscimo hoje do último parágrafo.

[Alice Santos]

Quantas rosas deixamos secar e colocamos dentro dum livro ao longo da vida?
O bom é que cada uma tem um significado, foi importante num deteminado momento. São esses somentos que nos fazem avançar, seguir o caminho que escolhemos (ou que nos deixam escolher, segundo alguns).
Um belo texto.
Alice Santos

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Oi, Alice...

Obrigado pelo comentário.
Comecei a escrever esse texto há muito tempo. Deixei num canto. Encontrei-o dentro de um caderno velho dos meus tempos de faculdade. Pela cor da caneta e assunto acredito que tenha sido escrito por volta do início da década de noventa. Estava incompleto. Acrescentei o último parágrafo e enviei ao Escritartes.
Que bom que você gostou.

Um abraço do brasileiro...

[Goreti Dias]

Em colibris nos fazemos nós para nos deliciarmos com este delicioso néctar. Mas não serão as últimas gotas, esperamos. Porque deliciosas demais!
Abraço

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Obrigado, Goreti, pelas palavras lindas!

Um abraço do tamanho do Brasil.

Oswaldo Eurico Rodrigues

[Goreti Dias]

Outro do tamanho do oceano que nos separa.

[CAMPISTA CABRAL]

Amigo Oswaldo:

Estou fazendo as leituras aos poucos dos muitos textos que preciso ler! Terminei a edição do documentário O Tempo. Ele será exibido quarta-feira, conto com a sua presença! Fiz a primeira exibição aqui em Teresópolis. A recepção foi muito boa! Bom, a propósito do texto tenho duas coisas a falar: a boa metáfora do jardim, construída com os elementos essenciais - simplicidade e beleza - e a lembrança de um conto de Marina Colasanti. Se não me engano O jardineiro. Leia-o e diga-me depois o que acha do diálogo com o teu texto!

Um grande abraço!!

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Cabral, o lançamento será durante a manhã ou em outro horário? Pode-se levar pessoas de fora?
Quanto ao texto da Marina Colasanti, não o conheço (incrível!). Vou procurá-lo e lê-lo. Gosto muito dela.

Grande abraço e obrigado mais um vez pelo comentário tão incentivador.

[CAMPISTA CABRAL]

Olá Oswaldo!

Será pela manhã! E sim! Pode levar quem quiser!

Um grande abraço!

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Pode deixar que estarei lá.

Deixa eu te fazer uma pergunta: Já leste Ernest Hemingway?

Um grande abraço.

[CAMPISTA CABRAL]

Sim e gosto bastante.

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Magnífico!

[Alice Santos]

Ernest Hemingway... O velho e o mar... fabuloso.
Por quem os sinos dobram... não acabei de ler (por motivos alheios à minha vontade) mas hei-de pegar nele outra vez.
Agora vou começar a ler Ecos do Suão de José Antóno Sousa Pinto. Promete...
Abraço,
Alice Santos

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Nada como a boa literatura, Alice.

Abraços pra ti...

[CAMPISTA CABRAL]

Trabalho de releitura. Como disse em um comentário ao texto O NARRADOR, reler é fundamental. É parar de novo o olhar sobre texto, redescobrí-lo, rememorá-lo, revê-lo com mais agudeza ou com mais suavidade. Belo texto amigo.

Um grande abraço.

[Oswaldo Eurico Rodrigues]

Oi, Cabral...

Quanto tempo...

Também acabei por fazer uma releitura de mim mesmo e dos ótimos comentários do meu "Florescer". Revivi.

Grande abraço.